Indígenas estão cautelosos quanto à COP8
2006-03-22
Indígenas de todo o mundo estão cautelosos quanto aos debates que ocorrem durante a 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP8) sobre o tema da repartição dos lucros obtidos com o uso de conhecimentos tradicionais.
Essas comunidades ainda não têm certeza sobre os reais benefícios que teriam com a criação de regras globais que permitiriam a grandes empresas o uso da sabedoria acumulada por esses povos, como uso de plantas para a cura de doenças.
“Somos favoráveis à repartição de benefícios, mas ainda não temos clareza sobre como será esse processo, se realmente será positivo para nossos povos”, explicou Lucio Paiva Flores Terena, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
Para ele, há dificuldade em encarar conhecimentos tradicionais como uma mercadoria. “Acho um desrespeito quando isso acontece. Não é uma prática comum das comunidades indígenas”, disse. “Nossos líderes e seu conhecimento precisam ser respeitados. Precisamos entender o processo e saber dos verdadeiros retornos para as comunidades”.
A repartição de benefícios é um dos temas mais polêmicos da COP8, pois envolve uma indústria que movimenta bilhões de dólares todos os anos com produtos derivados da biodiversidade – de fármacos a alimentos, passando por cosméticos e outros setores. Atualmente, existiriam mais de cem drogas feitas a partir de plantas, muito importantes na medicina contemporânea.
A disputa pela regulamentação global do uso desses recursos também envolve governos, indústrias e comunidade cientifica. “Essa discussão [sobre a repartição de benefícios] definirá como será o acesso a valiosos recursos em todos os territórios do planeta”, explicou Le’A Malia Kanehe, havaiana do The Indigenous Peoples Council on Biocolonialism (Conselho de Povos Indígenas sobre Biocolonialismo).
Para Daniel Costa, do Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (Inbrapi), a criação de um sistema de repartição não pode mais esperar. No entanto, ele relata, o Fórum Internacional Indígena sobre Biodiversidade (FIIB), nem sequer estaria disposto a discutir o tema.
Segundo Costa, há receio de que um sistema internacional leve a ainda mais exploração, como historicamente tem ocorrido. Isso é extremamente preocupante em países que ainda não possuem legislação interna sobre o uso dos conhecimentos tradicionais. “Enquanto não se regula, não se criam barreiras para proteger o conhecimento tradicional. Continuará a expropriação dos saberes tradicionais”, disse.
No Brasil - No País, o tema é regulado por uma medida provisória, mas um projeto de lei está sendo costurado por vários ministérios e será enviado em breve ao Congresso Nacional. O Ministério do Meio Ambiente queria remeter o texto ao parlamento antes da COP8, mas não teve sucesso. “É indispensável que a construção da legislação nacional ocorra com ampla participação das pessoas que detém o conhecimento tradicional, mas não isso não tem ocorrido”, ressaltou Maria de Aquino, coordenadora do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), uma rede de mais de 100 organizações ambientalistas, sociais e sindicais da Amazônia.
Para o diretor de sustentabilidade da empresa de cosméticos Natura, Marcos Egydio, a expectativa é de a nova lei crie condições para estimular um novo modelo de desenvolvimento, que concilie geração de renda e trabalho e o uso sustentável dos recursos naturais.
Costa sustenta que há um excesso de controle do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), órgão do Governo Federal que licencia o acesso e o uso de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais no País. “O modelo atual não dá certo porque não estimula parcerias do tipo ganha-ganha, com prejuízos principalmente para as comunidades”, afirmou.
A empresa é pioneira no uso da biodiversidade nacional. Atraída pelo cheiro do Breu Branco (Protium pallidum), uma árvore da amazônica, criou há cerca de quatro anos uma linha de perfumes que já alcançou vários países no mundo. Comunidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentável São Francisco do Iratapuru, no sul do Amapá, coletam o breu sem causar danos às árvores.
No ano passado, a Natura registrou uma receita bruta de R$ 3,24 bilhões. “Não existe hoje no mundo um modelo ideal de repartição de benefícios. Mas esperamos que seja definido um regime que equilibre as relações entre grandes empresas e governos e comunidades tradicionais. Isso provará que floresta em pé é um bom negócio, ao contrário do que prega o modelo agropecuário atual”, completou Egydio.
Por Aldem Bourscheit, Assessoria de Imprensa COP8/MOP3