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2006-03-22
A água administrada publicamente custa aos usuários 50% menos do que a que está em mãos de particulares, e seu manejo poderia ser eficiente, afirmam ativistas e autoridades locais. Com este argumento, apostam tudo para barrar as multinacionais. Exemplos de êxito em cidades do Brasil, Argentina, Gana, Japão e Venezuela, entre outros países, onde a água e o saneamento básico estão em poder do Estado e das autoridades locais, são usados como bandeira pelos que consideram que ninguém deve fazer desse recurso um negócio.

Porém, os casos de privatização da água são minoria no mundo e onde está nas mãos de Estados surgiu a maioria dos problemas de distribuição do recurso, que agora afetam milhões de pessoas. Silvano da Costa, presidente da Associação Nacional de Serviços Municipais de Saneamento do Brasil, Julián Pérez, líder da Federação de Juntas Municipais da cidade de El Alto, na Bolívia, e André Abreu, delegado da fundação francesa Danielle Mitterrand, são alguns dos férreos defensores da água em poder público.

Os três, que participam até hoje (22 de março), na Cidade do México, do IV Fórum Mundial da Água, disseram que a privatização da água, impulsionada nos anos 90, foi um fracasso mundial. Como alternativa, defendem que se apóie e melhore a gestão pública da água por meio de associações entre autoridades estatais, organizações não-governamentais e comunidades. Para muitos ativistas, é positivo que o assunto seja debatido neste Fórum da Água, pois em edições passadas esteve quase ausente. O Fórum é organizado pelo Conselho Mundial da Água, criado em meados dos anos 90 por personalidades ligadas ao setor empresarial, acadêmico, científico e social, e criticado por promover precisamente a privatização da água.

Ao contrário de outros setores econômicos que nos anos 80 e 90 passaram quase totalmente para o setor privado nos países em desenvolvimento, com a água não houve mudanças dramáticas. No mundo, 90% dos serviços de água e saneamento básico permanecem sob administração estatal. Nessas condições, continuam os contrastes nessa área. Dos 6,5 bilhões de habitantes do planeta, 1,1 bilhão continuam sem abastecimento adequado de água e 2,6 bilhões carecem de saneamento básico.

O informe das Organização das Nações Unidas “Água, uma responsabilidade compartilhada” sugere não descartar a participação privada e adverte que “os governos submetidos a restrições orçamentárias e dotados de regulamentação frágil dificilmente podem constituir uma alternativa para solucionar” a gestão deficiente dos recursos hídricos. “Nós defendemos o serviço público em tudo o que diz respeito à água, mas não de qualquer maneira, pois deve melhorar, livrar-se da burocracia e abrir-se à fiscalização e participação das comunidades”, disse Silvano da Costa.

O brasileiro apresentou no México 20 casos de administração com êxito da água em municípios brasileiros, que estão exclusivamente em mãos das autoridades locais, em alguns casos com direta participação das comunidades. Na maioria dos exemplos, as populações contam com 100% de fornecimento de água e saneamento. Um dos casos é o de Porto Alegre, onde, sob um modelo de gestão participativa, a água chega à maioria da população.

“É verdade que existem muitos casos de manejo ruim e deficiência no setor público”, mas a aposta é trabalhar para solucionar esses problemas e revertê-los, não entregá-los a particulares, disse Silvano. “O serviço público da água não pode ser um negócio, pois é uma necessidade básica e já ficou claro que os serviços privados são caros e ruins”, acrescentou. Segundo os estudos que afirma ter feito sobre custos por metro cúbico de água, quando esta é manejada por particulares custa 50% mais do que a manejada pela administração pública.

Vários outros exemplos de sucesso no manejo estatal foram revisados durante um encontro paralelo ao IV Fórum Mundial da Água. Na Argentina, destacaram os esforços que, desde janeiro, são feitos por ambientalistas e ecologistas da província de Santa Fé para que a estatal Águas Santafesinas opere eficientemente. O governo provincial rescindiu há pouco a concessão de serviços hídricos da multinacional francesa Suez. Em Gana, a estatal, mas independente, Ghana Water Company trabalha com a localidade de Savelugu. Entrega água a granel aos moradores e eles cuidam da distribuição, da definição de tarifas e da manutenção, fato que os ativistas consideram um modelo a seguir.

Também foi destacado o caso da Venezuela, onde em várias comunidades locais, as empresas públicas de água e os moradores trabalham juntos para definir planos, realizar melhorias e destinar fundos. Mais um exemplo, entre tantos, é o Japão. Nesse país, onde o sistema público de água é altamente eficiente, as empresas desse setor não se limitam a trabalhar em seu terreno, e realizam trabalho de cooperação e transferência de tecnologia para países do Sul em desenvolvimento.

Segundo André Abreu, da Fundação Danielle Mitterrand, a gestão privada da água foi tão ineficiente que, inclusive na França, onde as empresas do setor abastecem 80% dos usuários, muitas cidades começaram a municipalizar o serviço. Isso já ocorreu nas localidades de Castrate, Cherburgo, Grenoble e Neuf-Chateau e Varages. O ativista francês coincidiu com Silvano da Costa no sentido de que, quando é manejada publicamente, a água custa a metade do que cobram as empresas privadas do setor.

O líder boliviano Julián Pérez lamentou que exista “uma política geral de desprestígio do setor público na gestão da água” e que isso tenha derivado em privatizações. "Por nossa experiência na Bolívia, sabemos que a empresa privada não cumpre os objetivos e é corrupta”, afirmou. “Não existe nenhum modelo de privatização que esteja do lado dos pobres”, acrescentou. Em 2005, por mobilizações sociais e protestos pelas altas tarifas e mau serviço, um decreto do governo boliviano suspendeu o contrato com a multinacional francesa Suez em El Alto. Entretanto, usando argumentos legais, até hoje a companhia continua operando. “Esperamos que em alguns meses a Suez deixe para sempre a Bolívia”, disse Pérez.
Por Diego Cevallos, Terrameríca.

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