Mais de 80% das bacias hidrográficas de SC estão poluídas
2006-03-22
Santa Catarina tem pouco a comemorar no Dia Mundial da Água. O panorama dos recursos hídricos do estado é tragico, e as atividades industrial e agrícola e principalmente a falta de tratamento de esgotos compõem um quadro em que mais de 80% das bacias hidrográficas do estado estão comprometidas por algum tipo de contaminação.
“Santa Catarina tem água em quantidade suficiente. Só há problemas de abastecimento quando ocorrem fenômenos meteorológicos, como estiagens. Entretanto, em relação à qualidade dessa água, estamos comprometidos em vários lugares”, atesta o geógrafo Rui Batista Antunes, gerente de Planejamento de Recursos Hídricos da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, Urbano e Meio Ambiente (SDS).
O grande vilão da poluição em Santa Catarina é o esgoto doméstico. De acordo com um diagnóstico divulgado pelo Ministério Público Estadual em novembro do ano passado, apenas 12,63% dos 293 municípios catarinenses possuem rede coletora de esgoto sanitário implantada e sistema de tratamento licenciado. A média nacional é de 44%. Já em relação ao abastecimento, os números são positivos: 95% da população têm água tratada. Entretanto, ao comparar os dados, o resultado é uma triste ironia. “95% têm água tratada, mas, pela falta de saneamento e contaminação dos recursos hídricos, o tratamento fica cada vez mais caro e a água cada vez mais rara”, diz Raquel Catalano, do Centro de Disseminação de Informações para a Gestão de Bacias Hidrográficas (Cedibh), da Universidade Federal de Santa Catarina.
Para gerenciar o uso da água, está em tramitação na Assembléia Legislativa o Projeto de Lei nº 292/2004, que trata da outorga de direito de uso de recursos hídricos, dispositivo federal para assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água. O PL é polêmico porque também trata da cobrança da água como um bem dotado de valor econômico.
Para Catalano, a polêmica está na falta de informação. “Este é um assunto delicado. As pessoas têm medo de que a tarifa da água aumente e os mais pobres não possam pagar, mas se esquecem de que um caminhão-pipa ou um remédio para disenteria são muito mais caros”, compara.
A poluição dos recursos hídricos ocorre em todas as regiões catarinenses e compromete a qualidade da água por motivos diferentes. No Sul, a maior responsável pela contaminação de cursos de água é a centenária indústria carbonífera, considerada a 14ª área crítica nacional, segundo Antunes. “Temos rios mortos por causa da poluição das carboníferas. O Rio Mãe Luzia está morto pela contaminação com pirita”, diz ele. De acordo com dados da SDS, os rios Araranguá e Urussanga também já apresentam concentrações de pirita.
De acordo com Antunes, a situação já esteve pior. “Aquilo [região das carboníferas] era tudo preto, com paisagem lunar. Agora há urbanização, outras plantações”, diz. Mas a recuperação ambiental ainda está longe do ideal. “Hoje existem métodos mais modernos, mas não há como haver contaminação zero. Mesmo que a tecnologia seja muito avançada, sempre que se toca no meio ambiente há impacto”, explica o geógrafo.
No Planalto Norte, a poluição vem das indústrias da região, e no Oeste do estado, o problema é com a suinocultura. O despejo de dejetos suínos nos cursos de água é responsável por um dos maiores passivos ambientais de Santa Catarina. Os projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL), implantados desde o ano passado, tem ajudado a minimizar o problema, mas, de acordo com Raquel Catalano, não são uma solução definitiva. “Os MDL da suinocultura são apenas paliativos. Para resolver, seria preciso diminuir os rebanhos. O Oeste catarinense é a região com maior concentração de animais confinados do mundo”, diz.
Segundo a pesquisadora, a poluição dos recursos hídricos vem de dois tipos de fontes: as localizadas, que são os esgotos, e as difusas, como a contaminação por agroquímicos, que, como o nome justifica, são difíceis de mensurar. Outra fonte difusa de poluição bastante significativa em Santa Catarina, de acordo com Catalano, são os resíduos de borracha dos pneus dos carros que ficam nas rodovias. Segundo ela, com o asfalto impermeável, a chuva leva a borracha para os cursos de água próximos à pista.
Para a pesquisadora, as previsões para o futuro não são animadoras. “É difícil dizer se a situação vai melhorar porque depende de mudanças nos modelos econômicos e nos padrões de consumo. Como pedir que os agricultores, incentivados a aderir à agroindústria e à pecuária, abandonem os agrotóxicos? Como pedir que haja menos estradas, menos carros?“ Para se ter uma idéia, a frota de veículos do estado em fevereiro deste ano foi contabilizada em mais de 2,3 milhões de automóveis, sem contar os veículos de outros estados que circulam pelas estradas catarinenses.
Na bacia do Rio Cubatão, que abastece Florianópolis, além da poluição por esgoto sanitário e agrotóxicos há o problema da extração de areia dos rios. “Existe a idéia de que dragar os rios é bom porque ajuda a evitar o assoreamento. De fato é, só que com as vantagens econômicas do comércio de areia a coisa extrapolou e tornou-se prejudicial ao meio ambiente”, diz Catalano. Ela explica que quanto mais profundo o rio, menos oxigênio disponível, o que causa mortandade de peixes. “E vem ocorrendo muito o uso – proibido – de maracas, que são como grandes brocas que extraem argila da calha dos rios. O problema é que a argila libera partículas de silicose, que não são eliminadas no tratamento da água e podem causar problemas pulmonares”, adverte. Segundo a pesquisadora, este é um problema simples de se resolver. “Basta ter fiscalização”, diz.
Fundo pretende garantir verba para projetos nas bacias hidrográficas
De acordo com Rui Batista Antunes, o Fundo Estadual de Recursos Hídricos (Fehidro) vai disponibilizar recursos para projetos de gestão de recursos hídricos nas 15 bacias hidrográficas do estado. Em 2005, foram liberados R$ 1 milhão, mas o dinheiro foi direcionado apenas para a manutenção dos Comitês de Gerenciamento das Bacias Hidrográficas, divulgação e educação ambiental. O financiamento de projetos específicos, segundo ele, começa este ano.
“Encaminhamos na semana passada aos comitês o pedido para que se unam com ONGs, universidades e prefeituras para elaborar projetos e receber financiamento do Fehidro”, diz. A verba vem de compensação financeira pelo aproveitamento hidroenergético dos municípios. Antunes não soube informar o montante de recursos financeiros que serão disponibilizados este ano porque, segundo ele, o dinheiro fica retido na secretaria da fazenda.
Para difundir informações sobre a situação dos recursos hídricos do estado, além de dados sobre o Conselho Estadual e sobre os Comitês de Gerenciamento das Bacias Hidrográficas, a SDS lança hoje (22/03) o “Sistema Estadual de informação em Recursos Hídricos”. De acordo com Antunes, o portal na internet terá 20 sub-sites que serão atualizados permanentemente. O endereço para acesso é www.sirhesc.sds.sc.gov.br.
Por Francis França