Biodiversidade - Humanidade causa nova onda de extinção
2006-03-22
Para as espécies animais e vegetais da Terra, os últimos 25 anos viram uma mortandade sem precedentes nos últimos milênios: nada menos que 40% da população de 3.000 espécies desses seres vivos sumiu, principalmente graças à ação humana. O dado, que está num relatório das Nações Unidas apresentado ontem, deixa poucas dúvidas de que o planeta está à beira de uma grande onda de extinções, tão grave quanto a que acabou com os dinossauros.
Tal taxa de declínio é só um dos indicadores preocupantes presentes no GBO 2 (sigla inglesa para Panorama Global da Biodiversidade). O relatório foi lançado durante a abertura da COP-8, a 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU, a qual vai até o dia 31 em Curitiba.
O estudo foi apresentado pelo argelino Ahmed Djoghlaf, secretário-geral da convenção, e pela ministra brasileira do Meio Ambiente, Marina Silva, logo após a cerimônia de abertura da COP-8. Djoghlaf preferiu dar um tom esperançoso ao evento, afirmando que a convenção nunca esteve tão próxima de ter seus objetivos práticos implantados, mas os dados do GBO 2 sugerem que quase tudo ainda está por ser feito.
Dos 15 indicadores usados pela CBD (como é conhecida a convenção), para avaliar o estado da biodiversidade no planeta, nada menos que 13 se encontram em tendências negativas. Globalmente, fatores como o número de espécies ameaçadas, a integridade dos vários ecossistemas do mundo e o uso sustentável dos recursos andam descendo o ralo, de acordo com o relatório. Os únicos dois indicadores que se destacam por sua tendência positiva nos últimos anos são a quantidade de áreas protegidas pela legislação ambiental e a qualidade da água.
Mares desprotegidos
Não que não exista algo com que se preocupar mesmo entre esses "bons exemplos". Embora 13% dos ecossistemas do planeta estejam cobertos por reservas neste momento, o GBO 2 aponta que se trata de uma distribuição irregular, e que quase metade dessas grandes áreas naturais possui menos de 10% de sua área sob proteção. No mar, a situação é ainda mais complicada: só 0,5% de sua superfície conta com proteção de algum tipo.
O desaparecimento das populações animais está diretamente ligado a outros dois flagelos identificados pelo relatório. Um deles é a fragmentação de ecossistemas, na qual áreas virgens são retalhadas até se tornarem uma coleção de pequenos pedaços incapazes de sustentar a mesma variedade de vida que possuíam antes.
O outro é a proliferação de espécies invasoras, trazidas intencional ou acidentalmente pela ação humana. Por não terem inimigos naturais nas áreas aonde chegam, elas se tornam verdadeiras pragas. Estima-se que as espécies invasoras sejam responsáveis por 40% da extinção de espécies animais desde o século 17, quando registros confiáveis começaram a ser mantidos.
Para ministra, chance de acordo sobre recursos genéticos é baixa
A discussão sobre o tema mais espinhoso da COP-8 mal começou, mas os organizadores já admitem que será difícil chegar a um acordo concreto sobre o acesso a recursos genéticos derivados da biodiversidade e à repartição de benefícios oriundos deles.
O tema vinha sendo considerado o ponto focal da conferência. A idéia é que os países detentores da maior parte da diversidade biológica da Terra, bem como as populações tradicionais, que utilizam há milênios os recursos de espécies animais e vegetais, sejam recompensados por dar uso econômico a esse potencial.
Há o compromisso para transformar essa idéia num regime internacional de acesso e repartição de benefícios. "A posição brasileira [nas negociações] será em favor do direito soberano das nações sobre esses recursos", disse o embaixador Antônio de Aguiar Patriota, do Ministério das Relações Exteriores, que chefia a delegação de negociadores do Brasil.
"O Brasil é rico em biodiversidade e riquíssimo em conhecimentos tradicionais, e por isso queremos resguardar tanto a soberania nacional quanto os direitos das comunidades tradicionais sobre esses recursos", completou Marina Silva, ministra do Meio Ambiente. Até aí, é o que se espera de uma nação do grupo das chamadas megadiversas (estima-se que o Brasil, sozinho, tenha de 15% a 20% das espécies da Terra). Marina Silva, no entanto, deixou claro que "não há expectativa para um avanço a curto prazo" em relação ao regime internacional. "Não está previsto que um documento sobre isso seja finalizado aqui em Curitiba."
Marcelo Furtado, da ONG Greenpeace, diz que a provável falta de acordo é resultado de negociações anteriores em Granada, Espanha. "No documento que veio de lá, você tem visões antagônicas convivendo. A não ser que você negocie essa linguagem, vai chegar a um impasse inevitável", avalia. "Vai ser preciso pelo menos demonstrar que há vontade política para quebrar isso."
(Folha de S.Paulo, O Globo, 21/03/06)