Gripe aviária: Outra ameaça à diversidade biológica
2006-03-22
Pandemias com a gripe do frango podem ter origem em desequilíbrios ecológicos e apresentar como resultado perda de biodiversidade, afirmaram cientistas e organizações internacionais em um encontro realizado domingo (19/03), em Curitiba (PR), sobre a gripe aviária e seu impacto na vida silvestre. Há sinais de que os distúrbios dos ecossistemas se relacionam com o recente surgimento de vírus letais, destacou um informe de um fórum eletrônico promovido entre especialistas de todo o mundo entre 21 de fevereiro e 10 deste mês, para efetuar recomendações à oitava Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP 8), que acontece até o próximo dia 31 na capital paranaense.
Cerca de 150 milhões de frangos e patos foram sacrificados ou morreram em toda a Ásia, onde foi detectado o vírus H5N1 pela primeira vez em 2003, se espalhando agora pela Rússia, Ásia central e partes da Europa e África. Em países com uma alimentação muito dependente da avicultura, a escassez de frangos por causa da epidemia ou o excesso de sacrifícios como medida prolifática, podem afetar a saúde humana e aumentar a caça de subsistência em níveis que resultem não-sustentáveis. Por essas razões, é indispensável maior ajuda internacional aos países mais pobres diante da gripe aviária que, além de sanitária, é econômica, alimentar e ambiental, disseram vários participantes do debate. A crença de que as aves migratórias são o principal vetor para disseminação da cepa H5N1 (a mais letal da gripe do frango) pode causar matanças supostamente preventivas, outro exemplo dos riscos que ameaçam a biodiversidade.
Os desequilíbrios também se apresentam nas condições para enfrentar a nova epidemia. Os países em desenvolvimento não contam com recursos humanos, científicos e financeiros para enfrentar adequadamente o vírus altamente patogênico, destacou o veterinário Reuben Shanthikumar, da Universidade da Califórnia. Falta informação básica sobre dados epidemiológicos, não existe uma organização internacional responsável pela ameaça de pandemia e os recursos para pesquisas são escassos, especialmente nas nações em desenvolvimento, lamentou o especialista. As enfermidades animais se converteram ultimamente na “principal ameaça à conservação da vida silvestre e à sobrevivência de muitas espécies que vivem livremente na natureza” em países em desenvolvimento, afirmou o professor. Os veterinários desses países estão capacitados para tratar da saúde de animais domésticos, não dos silvestres, acrescentou.
Vários participantes do fórum destacaram a necessidade de um tratamento “holístico”, multidisciplinar, que integre vários conhecimentos e setores como os sanitário, agrícola e ambiental, com a biologia, particularmente a ornitologia. Esta é uma realidade reconhecida na Força de Tarefas Científicas sobre Gripe Aviária composta por nove representantes de organizações internacionais, com as conservacionistas Birdlife, Wildelife Conservation Society (Sociedade de Conservação da Vida Silvestre) e as agências das Nações Unidas especializadas em meio ambiente, agricultura e saúde.
“Matar aves migratórias não soluciona” o problema da pandemia, porque há outros fatores de transmissão da gripe aviária, como o comércio de aves e seus produtos, o tráfico ilegal e legal de pássaros cativos, os movimentos humanos e a infecção cruzada entre espécies, destacou em nome da Força de Tarefas, Bert Lenten. “Mais além das aves migratórias”, é necessário ver os desequilíbrios ambientais que contribuem para o surgimento, ressurgimento e disseminação de doenças como a gripe aviária, bem como a crise ambiental que afeta a economia, o clima, a alimentação e a disponibilidade de água, afirmou Ahmed Djoghlaf, secretário-executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica.
O risco de graves perdas na avicultura e pecuária aumentou pela reprodução da diversidade genética de frangos, patos e outros animais de granja, originada na produção industrial de “monocultivo” dos últimos 50 anos, destacou o informe do Fórum eletrônico. A bióloga Diana Bell, da Universidade de East Anglia, na Grã-Bretanha, mencionou numerosas enfermidades animais que atacam tanto pássaros quanto mamíferos e anfíbios, detalhando os males de pequenos carnívoros do Vietnã, como importantes fatores de perda de biodiversidade. Várias iniciativas já surgiram em resposta à gripe aviária e a doenças novas ou vinculadas a questões ambientais, como o vírus Ebola, o hantavírus e a malária. A mais recente é a Cooperação sobre Saúde e Biodiversidade, nascida da primeira Conferência Internacional ad hoc, que aconteceu no ano passado em Galway, na Irlanda.
Os participantes da reunião de domingo reclamaram mais capacitação, especialmente nos países em desenvolvimento, mecanismos para divulgar e trocar informação, maior cooperação internacional e recursos para as pesquisas. A gravidade da gripe aviária deveria mobilizar esse esforço diante de seus possíveis e variados danos e pela rapidez de sua expansão. A doença é conhecida há cerca de cem anos. Mas em 1997 ultrapassou a fronteira das espécies, quando aves contagiaram humanos. Os especialistas afirmam que o H5N1 – que já matou aproximadamente cem pessoas em todo o mundo – poderia mutar até se tornar transmissível de humano para humano, desatando uma pandemia semelhante à da gripe espanhola que entre 1918 e 1919 matou 50 milhões de pessoas.
Na China, até agora, foram sacrificados 28 milhões de frango e nove pessoas morreram, mas a epidemia na avicultura “está sob controle”, assegurou à IPS Dayuan Xue, do Ministério de Meio Ambiente de seu país. A vacinação em massa das aves permitiu esse resultado, garantiu. O Brasil, que ainda não registrou a presença do H5N1, adotou medidas preventivas de controle nos portos, aeroportos e fronteiras, com participação de vários setores do governo, informou Rodolfo Navarros Nunes, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) do Ministério da Saúde.
Mas a gripe aviária é tratada comumente como problema de saúde pública, em uma perspectiva epidemiológica e veterinária buscando soluções de curto prazo. Por outro lado, as iniciativas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente vêem as pandemias como questões de desequilíbrios ecológicos, coincidindo com a Convenção sobre Diversidade Biológica, segundo a Força de Tarefas. Por isso, é preciso investigar mais as relações entre a saúde dos ecossistemas, o vírus da gripe do frango e a saúde humana e animal, recomendou o grupo de cientistas, sugerindo, também, a criação de um mecanismo internacional de intercâmbio de informação.
(Envolverde, 21/03/06)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=15099&edt=34