Estudo identifica mutações necessárias para uma pandemia do H5N1
2006-03-17
Cientistas disseram na quinta-feira (16/03) que identificaram algumas das mutações que o vírus H5N1, da gripe aviária, teria de sofrer para fazer da população humana seu hospedeiro habitual, provocando uma temível pandemia. O teste usado, chamado microordenação de glicanos, pode ser útil para monitorar o vírus em aves e humanos e para avaliar se ele sofre mutações que lhes permita o contágio entre pessoas, o que até agora não ocorreu.
Desde que reapareceu, em 2003, o H5N1 cruzou a Ásia e chegou à África e Europa, ganhando velocidade nas últimas semanas. Ele matou pouco mais de cem pessoas e continua sendo essencialmente uma enfermidade de aves. Ninguém pode prever se e quando ele evoluirá para uma forma que permita o contágio entre humanos. Os cientistas examinam os vírus quando obtêm amostras e tentam prever quais mudanças são necessárias para que ele se torne específico de seres humanos.
Ian Wilson e uma equipe do Instituto Scripps de Pesquisas de La Jolla, Califórnia, examinaram uma estrutura, presente na superfície de todos os vírus da gripe, chamada hemaglutinina. Trata-se do "H" do nome H5N1, e há 16 tipos conhecidos desse grupo. Só três deles -- H1, H2 e H3 -- já contaminaram humanos, provocando três grandes pandemias, em 1918, 57 e 68. "Quando as pandemias começam, realmente não sabemos o quanto o vírus que primeiro entra na população humana está adaptado aos humanos", disse Wilson por telefone.
Em conjunto com outras instituições, a equipe dissecou e obteve imagens de uma amostra do vírus que matou um vietnamita de 10 anos em 2004. O estudo foi publicado na revista Science. Eles concluíram que essa hemaglutinina é muito similar à do vírus que causou a pandemia de 1918, a chamada "gripe espanhola", que matou entre 50 e 100 milhões de pessoas. Por outro lado, essa amostra parecia menos semelhante com o H5N1 recolhido de um pato em Cingapura.
A hemaglutinina permite que o vírus "grude" na célula a ser infectada. Para isso ele usa uma estrutura da célula-alvo, chamada ácido siálico, que é ligeiramente diferente em cada espécie de animal. Assim, para que haja mudança na espécie atingida, o vírus precisa sofrer mutações que lhe permitam, por exemplo, "grudar" tanto em uma célula dos pulmões humanos como em uma de tripas de galinhas.
A equipe de Wilson identificou uma estrutura que, na configuração humana, se chama alfa 2-6 receptor, e nas aves é o alfa 2-3 receptor. O vírus precisa se alterar da configuração aviária para a humana a fim de provocar uma epidemia em pessoas. "[Esse] passo crítico parece ser uma das razões pelas quais a maioria dos vírus da gripe aviária, inclusive as atuais cepas H5N1, não são facilmente transmissíveis entre humanos depois da transmissão aviário-humana", escreveram.
Estudos anteriores demonstraram que seriam necessárias apenas duas mudanças para tornar o vírus de 1918 idêntico ao da gripe puramente aviária. Isso indica que a temida mutação pode não demorar muito. O teste pode ajudar a monitorar essas alterações, segundo Wilson, sugerindo que ele seja usado amplamente nos locais afetados.
Mas, se o vírus ainda não sofreu a mutação, por que ele contamina pessoas? "Não é uma coisa "tudo ou nada", explicou Wilson. "É uma preferência. Em doses mais altas, doses em que normalmente você e eu não transmitiríamos o vírus entre nós, é possível superar a barreira [entre espécies]."
(Reuters, 16/03/06)
http://noticias.uol.com.br/ultnot/reuters/2006/03/16/ult729u55135.jhtm