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2006-03-21
Brasil, México, Colômbia e outros países megadiversos promoverão a adoção de um regime global obrigatório, que regule quem tem acesso à biodiversidade, durante a VII Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP8), que começou ontem (20 de março), em Curitiba. Porém, a meta ainda está distante. “A negociação foi difícil e este processo pode durar mais uns dois anos”, disse Hesiquio Benítez, membro da delegação mexicana na Conferência, que tem em sua agenda um rascunho do regime proposto.

São esperados avanços limitados durante a reunião, não um acordo, já que o tema não faz mais do que exacerbar as disputas Norte-Sul. Em fevereiro, durante a última reunião preparatória para a COP8, em Granada, na Espanha, as partes só conseguiram produzir um documento cheio de parênteses, um reflexo da falta de consenso. O regime estabeleceria regras para o uso dos recursos genéticos derivados de conhecimento tradicional e para a distribuição justa dos benefícios que proporcionam, tal como estabelece a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), acordada no Rio de Janeiro, em 1992. A maior parte dos países em desenvolvimento ricos em biodiversidade defende que esse regime seja obrigatório, idéia que muitas nações industrializadas rechaçam.

A negociação é lenta por envolver “interesses econômicos”, reconheceu Eduardo Vélez, diretor de Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente do Brasil, país anfitrião e presidente da COP8. Entretanto, assegurou, otimista, que “em Curitiba serão dados passos importantes”. Segundo Vélez, Estados Unidos, Japão e União Européia não dizem se opor ao regime, mas adotam “estratégias postergadoras”, reclamando mais estudos sobre seus possíveis efeitos nas cadeias produtivas. Esses países também sugerem um regime voluntário, “que é inaceitável porque é o mesmo que nada; o que queremos é um acordo vinculante com sanções”, acrescentou.

No debate estão em jogo negócios milionários, que tendem a se expandir aceleradamente diante do desenvolvimento das ciências e tecnologias biológicas. Nos últimos anos, bactérias enxertadas em plantas para fixar o nitrogênio do ar permitiram à agricultura brasileira economizar dezenas de milhares de milhões de dólares em fertilizantes e controlar biologicamente numerosas pragas. Entretanto, apesar de ser fundamental para manter a vida no planeta, a exploração da biodiversidade carece de regulamentações.

A CDB abriu caminhos, que precisam concretizar-se em regras práticas. O Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, aprovado em 2000 e vigente desde 2003, é um primeiro resultado. Menos de 20 países já aprovaram leis nacionais de acesso à biodiversidade, segundo Vélez. O governo brasileiro se prepara para enviar um projeto ao Congresso. Boa parte do acesso à biodiversidade de um país por parte de estrangeiros ainda é feita ilegalmente. Patentes e produtos resultam de materiais genéticos usados sem a permissão nem proveito do país de origem, observou Vélez. Sem um regime internacional, a Convenção é letra morta, sentenciou.

“Queremos evitar a biopirataria”, acrescentou o mexicano Benítez, que dirige os assuntos internacionais na governamental Comissão Nacional para o Conhecimento e Uso da Biodiversidade (Conabio). Os recursos genéticos, explicou, podem estar associados a conhecimentos tradicionais que não são reconhecidos quando se concede a patente de produtos nos países desenvolvidos. “O México quer regulamentar o acesso legal e que se peça, se for o caso, o consentimento das comunidades indígenas”, o que implica regalias ou outros benefícios para o país de origem dos recursos, segundo Benítez.

Na COP8, o México vai propor “um mandato claro para que um grupo intergovernamental de negociação impulsione o regime internacional com a maior velocidade possível”, afirmou Benítez. O governo do presidente Vicente Fox também propõe um “certificado de procedência legal” como requisito para patentes a partir da biodiversidade. O fato de que os Estados Unidos patenteiem a ayahuasca, uma planta sagrada de comunidades indígenas da Amazônia com propriedades alucinógenas, comprova que “hoje a biopirataria é uma realidade”, afirmou Juan Mayr, ex-ministro de Meio Ambiente da Colômbia.

As nações industrializadas querem um acesso fácil, por meio de “um sistema fraco que não protege nosso patrimônio cultural e muito menos o conhecimento tradicional”, alertou Mayr. Brasil, Colômbia e México seriam muito beneficiados por um regime obrigatório, já que lideram os 17 países megadiversos que concentram 70% das espécies vegetais e animais conhecidas no mundo. O grupo também está composto por Equador, Peru, Venezuela, Estados Unidos, China, Índia e outras nações da África e Ásia.

O Brasil, com 200 mil espécies catalogadas, 10% das que se estima existirem no país, concentra de 15% a 20% do total mundial. Colômbia e México, com cerca de 10%, também estão entre os quatro mais diversos, junto com a Indonésia. Na Colômbia, a flora, sua maior riqueza biológica, tem entre 45 mil e 55 mil espécies, um terço delas endêmicas. Destacam-se as orquídeas, com cerca de 3,5 mil espécies, ou 15% das existentes no mundo.

O Brasil se orgulha do seu maior endemismo e de ser campeão em biodiversidade. Suas três mil espécies de peixes de água doce são o triplo das de qualquer outro país. Seus principais produtos agrícolas (café, açúcar, soja, arroz e laranja) provêm do exterior, mas são nacionais algumas plantas economicamente importantes, como o abacaxi, a mandioca, o caju, a castanha e o amendoim. Numerosos produtos, subprodutos e substâncias de sua gigantesca biodiversidade foram patenteados no exterior. Cinco plantas amazônicas geraram, cada uma, cerca de 20 dessas patentes, de legitimidade questionável, segundo Vélez.

Por estes problemas e interesses comuns, a América Latina tende a se unir em favor do regime internacional. Inclusive a Argentina, vacilante como o Chile, surpreendeu ao apoiar a proposta na última reunião preparatória para a COP8. A Argentina busca “acertar estratégias comuns dentro do Grulac” (Grupo Latino-Americano e do Caribe), disse ao Terramérica Homero Bibiloni, subsecretário de Recursos Naturais da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável desse país. “Apesar de não sermos megadiversos, como Brasil ou México, queremos estar em harmonia com as posturas da região e chegar a uma proposta de consenso. Não queremos ter nossa natureza patenteada”, afirmou.
Por Mario Osava, Terramérica, com as colaborações de Marcela Valente (Argentina), Yadira Ferrer (Colômbia) e Diego Cevallos (México).
http://www.tierramerica.org/2006/0318/pacentos.shtml

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