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2006-03-21
A água – esse bem finito, abundante no planeta, porém cada vez mais escasso para consumo humano – constantemente traz preocupações com os mesmos fantasmas: risco de racionamento, poluição, necessidade de melhor gestão e insuficiente educação ambiental para seu trato. Um quinto da população do planeta ainda não tem acesso à água potável e 40% não contam com serviços de saneamento básico. Mais do que à questão meramente ambiental, estes dois fatos dizem respeito diretamente à saúde e à manutenção da pobreza e revelam duas questões-chave para o cuidado com a água: a gestão eficiente e a educação para seu uso.

Por isso, com a chegada de mais um Dia Mundial da Água, celebrado em 22 de março, multiplicam-se documentos, eventos e discussões sobre recursos hídricos, como o recém-lançado Relatório Mundial da Água, elaborado a cada três anos pela Unesco; a realização do Fórum Mundial da Água e o lançamento pelo governo brasileiro do Plano Nacional de Recursos Hídricos – comemorado como pioneiro na América Latina e como um dos primeiros do planeta. “Já estamos achando que é o único do mundo, pela quantidade de gente que vem dar parabéns e pela ausência de informação, principalmente em um lugar como esse, sobre algo semelhante”, diz João Bosco Senra, secretário Nacional de Recursos Hídricos, que conversou com a Rets direto do México, onde está sendo realizado neste momento o Fórum Mundial da Água.

Junto com Senra, está na delegação brasileira presente ao evento o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Cláudio Langone, entre outros. A ida de pessoas do alto escalão do MMA não se deu à toa: o Fórum, organizado a cada triênio pelo Conselho Mundial da Água, é referência para debate internacional de questões relacionadas ao tema. Além disso, nesta edição, o Brasil chega como um dos países pioneiros, senão o único, na elaboração de um plano que trace diretrizes práticas para a gestão nacional de recursos hídricos.

Além de apresentar o plano, o Brasil leva uma proposta de integração latino-americana para cuidar das águas da parte do sul do continente, a fim de operar em conjunto a sua gestão – questão-chave na atualidade. “No Brasil não se pode falar nem em má gestão das águas, pois o que tem é uma ausência de gestão”, lamenta Alberto Catanhede, vice-presidente do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), rede formada por 16 coletivos regionais que participou da elaboração do plano brasileiro. O relatório da Unesco, lançado no último dia 9, também aponta a importância atual da gestão adequada da água: segundo o estudo, “a má gestão, a corrupção, a falta de instituições apropriadas, a inércia burocrática e a carência de novos investimentos na construção de capacidades humanas, assim como em infra-estruturas físicas” são responsáveis pela dificuldade de acesso a água potável e serviços adequados.

Mais do que juntar esforços para dividir tarefas, a proposta de gestão latino-americana de águas é estratégica para o Brasil. Compartilhando com os países vizinhos bacias – exemplos: a do Prata, ao sul, e a Amazônica, ao norte – e aqüíferos – como o Guarani, maior do mundo, localizado na tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina e já cobiçado pela extensão de suas águas –, o Brasil precisa pensar em se resguardar. “Fazemos fronteira hídrica com vários países, não dá pra nos isolarmos. As águas se comunicam”, reconhece o secretário.

Primeiro, localmente
Mas, antes de emplacar ou executar uma estratégia latino-americana para gestão das águas, o Brasil precisa conseguir cuidar localmente dos seus recursos hídricos. Para isso foi feito o Plano Nacional de Recursos Hídricos, lançado no início de março. No Brasil, a chamada Lei da Água – nº 9.433, de 1997 – dá as diretrizes gerais do processo de gestão da água. O Plano vem para regulamentar essa lei, falando das coisas mais práticas, dos programas a serem executadas e das metas a perseguir.

A elaboração deste tipo de plano é um dos itens definidos na Rio+10, conferência da ONU ocorrida em 2002, em Joanesburgo, África do Sul, para revisar o processo iniciado dez anos antes, no Brasil, na Rio 92. Na Agenda de Joanesburgo, ficou sugerido que os países elaborassem até 2005 seus planos, para atender ao Objetivo do Milênio de, até 2015, reduzir à metade a proporção de pessoas sem acesso à água potável e ao saneamento básico.

Pois é esse documento que o Brasil acaba de concluir. O processo de sua elaboração durou cerca de dois anos e meio e envolveu quase sete mil pessoas, seja nas Comissões Executivas Regionais – espécie de grupos de trabalho montados para discutir as necessidades das 12 regiões divididas e definidas para facilitar a elaboração do plano –, seja nas audiências públicas.

Essa capilaridade do processo é seu aspecto mais celebrado. Segundo Marley Mendonça, diretor do Programa de Estruturação da Secretaria Nacional de Recursos Hídricos (SNRH), “todo o esforço de confecção do plano teve como premissa a descentralização. O nosso país é continental. Precisávamos de um processo assim”.

Foram realizadas reuniões constantes das comissões executivas; 27 audiências públicas – uma em cada estado da federação e no Distrito Federal -; além de eventos regionais e um grande seminário nacional, realizado em Brasília. Nessas instâncias, diversas ONGs e associações de classe interessadas no tema foram envolvidas. Segundo uma relação da SNRH, entidades como GTA, Grupo Acqua Viva, Associação dos Fornecedores de Cana de Pernambuco, Instituto Águas da Prata, Fundação SOS Mata Atlântica, Instituto de Pesquisa em Recursos Hídricos (IPRH) e Instituto de Tecnologia de Pernambuco (Itep) estiveram envolvidas na elaboração do Plano.

A consulta à sociedade civil organizada se deu para a elaboração de dois dos quatro volumes do plano: “Diretrizes” e “Programas Nacionais e Metas” –respectivamente, terceiro e quarto volumes. Os outros dois são “Panorama e Estado dos Recursos Hídricos” e “Águas para o Futuro: Cenários para 2020”, ambos de caráter mais técnico e elaborados pela equipe do MMA.

Não basta ser bom, tem que ser viável
Se a intenção é contemplar gregos e troianos, o Plano parece ter, na avaliação de representantes de algumas ONGs, no mínimo chegado perto. “Avançamos muito. Algumas questões não foram contempladas, mas conseguimos dobrar o número de ONGs no Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) – o que é muito positivo. Conseguimos que indígenas e quilombolas também tenham cadeira no Conselho, assim como a Secretaria de Políticas Especiais para Mulheres”, relata Ninon Machado, do Instituto Ipanema, ONG que opera a coordenação do GT de Água do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente (FBOMS). Ninon participou ativamente da elaboração do Plano também por ser conselheira do CNRH.

Da mesma forma, para Catanhede, do GTA, o plano tem “tudo para dar certo”. Segundo ele, os fatores positivos começam pelo fato de as consultas terem sido amplas e descentralizadas, ocorrendo nas diferentes regiões. Outro ponto favorável, segundo ele, é a vitória da sociedade civil organizada em algumas questões polêmicas, como a da criação de Unidades de Conservação em áreas de recargas de aqüíferos e de nascentes de rios.

Ele lembra, no entanto, que não basta ter o plano escrito, é necessário também ser implementado. Para isso, dois fatores são essenciais: financiamento – não só governamental, mas também de empresas e da cooperação internacional, para implementar os programas definidos – e adequações das legislações regionais. “Só o levantamento de recursos não vai resolver nada. É preciso regulamentar a legislação dos estados. Há uma estrutura política e técnica ainda a ser construída”, alerta.

Ainda em 2006, os próximos passos relacionados ao Plano são, como informa Mendonça, a “devolução” à sociedade, para averiguar se os anseios locais foram atendidos. Também ao longo deste ano, o MMA pretende detalhar o Plano, para que ele possa ser contemplado no Plano Plurianual 2008-2011, com as devidas alocações de recursos. Após isso, o PNRH será revisto a cada quatro anos.
(RITS - Rede de Informações para o Terceiro Setor, 20/03/06)

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