OEA discute direito sobre subsolo
2006-03-21
Índios brasileiros cobram do Estado o direito de usufruir dos recursos naturais de suas terras com autonomia, inclusive no manejo do subsolo, de propriedade da União. A soberania e garantia dos territórios será um dos temas mais polêmicos em debate na 7ª Reunião da Organização dos Estados Americanos para a Busca de Consensos sobre a Declaração Americana dos Direitos Indígenas, que será aberta hoje (21), em Brasília, com representantes dos 34 países-membros da OEA e dos conclaves dos povos indígenas das Américas do Norte, Central e do Sul, além do Caribe. Há a expectativa de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participe da abertura do evento.
"A legislação indigenista brasileira é uma das melhores do mundo. Falta concretizá-la, sair da teoria", diz a presidente do conclave dos povos da América do Sul, a socióloga brasileira Azelene Kaingáng. "O fato de o Brasil sediar a reunião da OEA pode ajudar na formação do consenso e no avanço nas questões nacionais." Para ela, ainda não está claro o compromisso do governo Lula na garantia dos direitos dos índios. Coordenador de Direitos Indígenas da Funai, o advogado Vilmar Guarani contesta essa visão. "Ao sediar a reunião da OEA, o Brasil mostra seu compromisso até na esfera mundial", afirma.
Azelene reivindica, por exemplo, a regulamentação do uso dos recursos naturais das terras indígenas. "Não dá para imaginar termos a soberania total do subsolo, mas Estado e índios podem fazer isso conjuntamente", avalia ela, sob o argumento de que isso evitaria, por exemplo, o garimpo ilegal na Reserva Roosevelt (RO). Mas Azelene está ciente de que o assunto - já polêmico no Brasil, onde demanda apenas a aprovação de um projeto de lei - não será esgotado na reunião. Não há perspectiva de acordo no âmbito da OEA sobre esse tema a curto prazo.
A expectativa do presidente do Grupo de Trabalho da OEA para a Declaração, o guatemalteco Juan León, é concluir e aprovar o texto no ano que vem. O documento começou a ser preparado em 1987, sete anos antes da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, que está sendo preparada pela Organização das Nações Unidas.
"No Brasil, devemos terminar a revisão de um texto geral consolidado e discutir a última sessão de artigos, que trata das provisões gerais", explicou León. O primeiro dos 5 artigos desse capítulo, por exemplo, prevê que os Estados adotarão "as medidas legislativas" ou de outro tipo necessárias "para fazer efetivos os direitos reconhecidos" na declaração. "É possível avançarmos bastante. Estou esperançoso." O trabalho já rendeu frutos, disse ele, como a abertura de diálogo entre vários governos e povos indígenas, em seus respectivos países, como no Canadá e nos Estados Unidos.
Mais do que a discussão a respeito da soberania nos territórios, deve avançar na reunião brasileira da OEA o consenso em torno da autodeterminação dos povos indígenas. O tema é bastante polêmico porque, na interpretação de algumas nações, pode dar margem a movimentos separatistas.
No caso do Brasil, pode atingir o modelo de tutela do Estado, que vem sendo adaptado desde o Estatuto do Índio, de 1973, e sofreu transformações relevantes a partir da Constituição de 1988 e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. A tutela prevista no estatuto dá direitos civis ao índio equivalentes aos de um menor de idade. A concepção atual, segundo a Funai, visa apenas proteger os direitos dos índios a saúde, terra, educação e preservação dos costumes.
(O Estado de S. Paulo, 20/03/06)