SBPC quer ciência na Amazônia
2006-03-21
No momento em que o Brasil se prepara para ser sede do maior evento sobre biodiversidade do planeta, pesquisadores e educadores de todo o País estão empenhados em fazer com que a Amazônia seja reconhecida como mais do que um aglomerado de fauna e flora. Em uma carta enviada a seis ministérios no início do mês, o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ennio Candotti, faz um apelo pelo fortalecimento das bases de ciência e tecnologia na região, como forma de alavancar o desenvolvimento econômico e garantir a sustentabilidade ambiental.
Hoje, cerca de 70% do conhecimento científico sobre a Amazônia é produzido fora do Brasil, por pesquisadores de outros países. E daquilo que é produzido no Brasil, 60% vem de instituições localizadas fora da Amazônia, segundo dados de Adalberto Luís Val, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Faltam cientistas, faltam laboratórios, faltam universidades. Logo, falta conhecimento. E sem conhecimento, dizem os especialistas, não há floresta ou indústria que se sustente.
A proposta central da carta é a criação de uma agenda de integração da Amazônia por meio da ciência e tecnologia (C&T), enfocando não só a conservação da floresta, mas o crescimento econômico e a qualidade de vida dos 20 milhões de habitantes. A reivindicação não é nova, mas encaixa-se perfeitamente no espírito da 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP 8), que começa amanhã em Curitiba, com a participação de 188 países.
Segundo os cientistas, além da óbvia necessidade de pesquisar e proteger a biodiversidade, é preciso dar suporte tecnológico a outras prioridades da região, como transporte, telecomunicações, engenharia naval, meteorologia, informática, saneamento, mineração, saúde pública, arqueologia e lingüística.
"Nesse sentido, considera-se limitada e parcial a pauta ambiental de exploração sustentável hoje dominante no governo", diz a carta da SBPC.
"A Amazônia representa uma agenda de C&T muito mais complexa do que o normal", disse ao Estado o vice-presidente da entidade e pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Celso Pinto de Melo. "Não dá para pensar apenas em biodiversidade e meio ambiente. A Amazônia é muito mais do que isso."
RECURSOS HUMANOS
Diante das riquezas biológicas, minerais e culturais da Amazônia, cientistas, médicos e engenheiros ainda são espécie rara na região. Apesar de ocupar quase 60% do território nacional, ela conta com apenas 75 dos 2.800 cursos de mestrado e doutorado, e emprega 1.200 dos 50 mil doutores atuantes no País.
A situação, segundo os especialistas, exige a ampliação dos programas de pós-graduação (incluindo a criação de universidades e institutos de pesquisa) e dos incentivos para fixação de cientistas na região (com melhores salários e criação de pesquisas integradas). "A região tem de formar seus próprios profissionais", diz o pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Pará, Roberto Dall´Agnol.
A maior parte das pesquisas sobre a Amazônia, hoje, é feita por pesquisadores do Sudeste e outras regiões. "O monitoramento do meio ambiente, por exemplo, é feito pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, em São José dos Campos), que está a milhares de quilômetros da Amazônia. E todo mundo acha isso normal", afirma Melo, da UFPE. "Imagine se alguém dissesse que o monitoramento da Bacia do Tietê é feito na Amazônia. Seria uma aberração."
Segundo Melo, não há hoje conhecimento científico e tecnológico suficiente na Amazônia para apoiar atividades econômicas e sociais, como a navegação, a mineração, o monitoramento ambiental, a biotecnologia, a indústria de cosméticos e de alimentos.
Até setores já estabelecidos, como a Zona Franca de Manaus, sofrem com a falta de gente qualificada. "Há algumas iniciativas, mas não temos uma cadeia de conhecimento atrelada à cadeia produtiva", diz a diretora do Museu Paraense Emílio Goeldi, Ima Célia Guimarães Vieira.
"Não adianta dizer para não derrubar a floresta se você não dá alternativas econômicas para as pessoas sobreviverem", diz Val, do Inpa.
RECURSOS
Para financiar essas iniciativas, a SBPC propõe descontigenciar parte dos R$ 3,5 bilhões retidos dos fundos setoriais do Ministério da Ciência e Tecnologia. "Estima-se que repasses mensais de R$ 20 milhões (R$ 2 bilhões em dez anos) investidos nesse programa influenciariam profundamente o quadro do desenvolvimento científico e tecnológico da região", diz a carta.
(O Estado de S. Paulo, 19/03/06)