Princípio da repartição paralisa pesquisas, diz secretário-geral da IUBS
2006-03-20
Muitos cientistas têm reclamado que as legislações sobre acesso a recursos genéticos e repartição com as comunidades locais dos benefícios dessa prospecção estão mais prejudicando do que contribuindo com a conservação da biodiversidade. O princípio é previsto na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e foi tratado pelas chamadas Diretrizes de Bonn, de 2002. O secretário geral da IUBS (na sigla em inglês, União Internacional de Ciências Biológicas), o suíço Christoph Scheidegger, resume na entrevista abaixo as preocupações da comunidade científica. Ele é um dos organizadores do seminário "Biodiversidade - a megaciência em foco", que começou na quarta-feira à noite e terminou neste domingo (19/03)
Qual o motivo da preocupação dos cientistas em relação ao princípio da repartição de benefícios?
O processo de repartição de benefícios é positivo, mas percebemos que muitos projetos de cooperação em taxonomia estão sendo paralisados ou impedidos de começar porque regulacoes são tão estritas que levam anos para as pesquisas de campo começarem.
Essa situação vem se agravando?
Em alguns países, a situação está melhorando, porque eles perceberam que paralisaram a pesquisa, ao invés de facilitá-la, que foi a idéia inicial do princípio da repartição. Certamente, o princípio nos pede para considerar as necessidades da população local e leva em conta que se criam benefícios que futuramente podem fluir de volta para a comunidade. Outro aspecto é o enfoque na capacitação. Quando se vai a campo, deve-se cooperar o tanto quanto possível com as universidades locais, com a população local. Há bons exemplos da presença do conhecimento tradicional em pesquisas científicas. Está claro que isso deve ser regulamentado pelas diretrizes da repartição de benefícios. Mas é também necessário entender que na pesquisa taxonômica investigamos espécies animais e vegetais que às vezes não são percebidas pela população local. Temos um razoável consenso na comunidade científica de que devemos tentar encontrar caminhos para que o princípio facilite a pesquisa, ao invés de torná-la impossível em vários aspectos.
Alguns governos de países em desenvolvimento temem o acesso indireto de laboratórios multinacionais e indústrias de cosméticos a plantas e animais de sua biodiversidade alegando que isso muitas vezes se dá por meio de pesquisas científicas. Há sentido nessa alegação?
Dou o exemplo das Filipinas, onde de 30 pedidos de pesquisa, apenas duas alcançaram a fase final do processo do ABS. Foram seguidas todas as regras da repartição de benefícios. Às vezes, tal processo é tão complicado, que a discussão com as comunidades locais é quase impossível de ser promovida e o processo se desdobra por anos.
Os pedidos nas Filipinas se referiam a que tipo de estudo?
Biodiversidade em geral. Eram pesquisas mais básicas para estudar taxonomia, criar conhecimento básico sobre diversidade biológica.
Como as comunidades podem se beneficiar dessas pesquisas?
É difícil usar tal argumento. Não se pode dizer que quando uma pesquisa investiga um aspecto específico da biodiversidade que isso é pelo benefício da sociedade. Há provavelmente um benefício indireto em um longuíssimo prazo. Mas isso não pode ser incluído no pedido de autorização para o estudo.
Qual a conexão entre essa discussão e a COP8? Que preocupações os cientistas pretendem levar aos delegados?
Estamos elaborando um documento para apresentá-lo em um encontro na COP (previsto para terça-feira, dia 21, à noite). Esperamos que a curto ou longo prazo possamos influenciar o processo, se não nesta COP, pelo menos na próxima.
José Alberto Gonçalves, Assessoria de Imprensa COP8/MOP3