O Rio Grande do Sul não está tecnicamente preparado para enfrentar a gripe aviária caso ela chegue ao Estado. Esta é a opinião do presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Alimentação e Cereais (Contac), órgão ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), Siderlei Oliveira.
Embora conheça a doença, suas formas de contágio e propagação, não há, em toda a Região Sul, sequer um laboratório capaz de fazer as análises do foco de forma rápida – o único existente no país encontra-se em Campinas, São Paulo. Há também, segundo ele, ausência de equipamentos necessários para detecção do vírus e verbas orçamentárias. "O problema é político. Só se investe naquilo que dá retorno. A prevenção não dá retorno político imediato", afirmou.
Essas deficiências foram reiteradas por Ana Lúcia Stepan, do Ministério da Agricultura, Adriana Reckziegel, da Secretaria Estadual da Agricultura, além de outras entidades e órgãos presentes durante reunião na Comissão de Agricultura, Pecuária e Cooperativismo, realizada quinta-feira (16/03), na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALERGS), em Porto Alegre.
"Num Estado que figura como o segundo produtor de frango do Brasil – precedido apenas por Santa Catarina – é preocupante saber que não temos nem máscaras para os nossos trabalhadores", disse Oliveira. Na sua avaliação, um país que pretende ser grande tem que pensar e agir como tal. "Precisa pensar no futuro porque essa doença vai chegar ao país. Principalmente por que não há como segurar essas aves que são migratórias".
O presidente da Comissão, deputado petista Elvino Bohn Gass, segue na mesma linha de raciocínio. Conforme ele, o Estado precisa se estruturar. "Necessitamos concursos para fiscais e médicos veterinários, além de equipamentos adequados para os laboratórios de análise". José Romélio Aquino, presidente do Sindicato Médico dos Veterinários, concorda e vai além. "São coisas muito básicas que precisamos, como veículos para deslocar os profissionais até o local de possível foco, luvas e botas", avaliou.
Produção já está prejudicada
O encontro teve por objetivo informar as comunidades e discutir o que está sendo proposto pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) no que se refere à prevenção do vírus H5N1, responsável pela gripe aviária e que tem atacado aves exóticas e domésticas nos continentes europeu e asiático.
Durante a reunião também foi discutida a perda de produção e exportação de aves pelo Estado, já que apesar de o Brasil ainda não ter nenhum caso de contágio, a região gaúcha já sente os efeitos da epidemia. Em fevereiro, as exportações de frango caíram 12%.
No mesmo mês, a União Brasileira de Avicultura (UBA) e a Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frangos (Abef) fizeram uma reunião para recomendar aos produtores que reduzissem a produção em 10% a 15%. Mas, no início de março, a Abef precisou radicalizar sua orientação e passou a recomendar aos sócios um corte de 25%, informou o presidente da entidade, Ricardo Gonçalves, em entrevista à
Agestado.
A partir de maio o setor tomará medidas drásticas como a redução de 20% da produção e o rodízio de férias nas empresas e indústrias para evitar demissões. Estas informações foram divulgadas pelo presidente da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), Aristide Vogt.
Algumas empresas, entretanto, já começaram a paralisar os trabalhos. A Avipal, uma das principais indústrias de alimentos do Brasil, que atua nos segmentos de proteína animal e vegetal, divulgou no início do mês que irá colocar em férias coletivas, durante abril, os seis mil funcionários de suas unidades de Porto Alegre e Lajeado, no Rio Grande do Sul, e de Dourados, no Mato Grosso do Sul. Com sede em Montenegro (RS), a Doux Frangosul também admitiu redução no número de funcionários em decorrência da redução da demanda externa, principalmente de mercados como Oriente Médio e Europa.
De acordo com Vogt, "a preocupação do setor é com as exportações, e não com a doença ou com o consumo interno, no qual percebemos um ligeiro aumento nos últimos meses". Na opinião de Ricardo Gonçalves, presidente da Abef, "será a primeira vez na História que as exportações brasileiras de frango vão cair ou ficar estagnadas".
Ele acrescenta ainda que 85% das empresas filiadas à Abef estão adotando medidas de ajuste. O setor vai pedir ao governo a criação de uma linha de crédito emergencial para financiar estoques durante a crise. "A redução nas exportações vai exigir um ajuste contundente", analisa o presidente da Abef.
Seguro-desemprego
Além da diminuição na venda para o mercado internacional, outro problema apontado por Vogt é a queda nos preços do produto. "A expectativa é que o setor volte a se estabilizar no começo do ano que vem", comentou.
O prefeito de Arvorezinha, Sergio Velere, também presente ao evento, afirmou estar preocupado com as medidas estaduais e federais que serão tomadas na prevenção da entrada de aves no país, bem como do futuro dos pequenos produtores de sua cidade. "Queremos do Ministério um seguro - desemprego para esse produtores primários. O medo já está tornando pública as conseqüências do problema, que se refletem nos dados apresentados pela Asgav". Semelhante avaliação tem o representante da CUT, Siderlei Oliveira. Para ele, um seguro integrado seria a solução no momento. "O europeu e o asiático já decidiram que não vão mais comer frango. Enquanto isso, nossas exportações vão diminuindo, as fábricas demitindo funcionários e logo vão ter suas portas fechadas".
O deputado Bohn Gass anunciou que irá encaminhar algumas sugestões ao governo federal, que vem realizando consultas públicas que irão integrar o Plano Nacional de Controle e Prevenção da Gripe Aviária, previsto na Portaria 48 do Ministério da Agricultura. Entre algumas medidas, a solicitação de criação de um laboratório completo no Estado, o pedido de extensão do seguro-desemprego e a avaliação da capacidade orçamentária. "O maior prejudicado é a sociedade. É a cadeia da produção como um todo, que engloba produtor, indústria e empregado. Indiretamente vai criar um caos social", finalizou.
Perdas constantes
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a gripe aviária já causou perdas de aproximadamente US$ 10 bilhões nos países afetados. O medo da gripe vai levar a uma queda mundial no consumo de aves que pode chegar a 3 milhões de toneladas. Na Europa, por exemplo, a redução do consumo oscila de 70%, registrados na Itália, a 20%, apontados na França. Na Índia, a queda é de 25%.
Por Tatiana Feldens