Grande indústria quer benefício equiparado ao da agricultura familiar
2006-03-20
A forte reação dos empresários do agronegócio às normas que regulamentam o
Programa Nacional do Biodiesel deverá ser expressada por meio da Carta de
Araçatuba, que proporá alterações na legislação para incentivar a participação
de grandes agricultores e indústrias de óleo no mercado de biodiesel.
A principal crítica é o tratamento tributário diferenciado para os produtores de
biodiesel que adquirem matéria-prima da agricultura familiar. Sem as isenções,
especialmente de PIS-Cofins, o custo do biodiesel se aproxima do preço do diesel
de origem mineral, afirmam. A Carta de Araçatuba deverá reunir algumas das
conclusões do 5º Fórum Brasil-Alemanha, que se realizou na semana passada em
Araçatuba (SP) paralelamente à Feira de Negócios do Setor de Energia
(Feicana/Feibio). O presidente do Grupo J. Pessoa, José Pessoa de Queiroz
Bisneto, está entre os que criticaram a legislação. Para ele, o programa não
deve deslanchar, porque só com a agricultura familiar os custos se elevam e
dificilmente alcançarão escala industrial. Com essa limitação, o Brasil não
poderá se desenvolver tecnologicamente e ficará "anos luz" atrás da Europa, que
avançou mais nessa área.
A Carta de Araçatuba será redigida pelo gerente de Novos Processos e
Biocombustíveis Tecnologia e Inovação da Bunge Alimentos, Frederico Kladt, que
declarou em palestra, durante o evento, que sua empresa não participará do
Programa Nacional de Biodiesel se tiver de adquirir matéria-prima produzida pela
agricultura familiar. Grandes empresas tendem a trabalhar apenas com grandes
fornecedores, porque com os pequenos, seus custos tendem a se elevar,
inviabilizando bons resultados.
Quem critica o Programa Nacional do Biodiesel não conhece a legislação, afirma
o sub-chefe de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais, Rodrigo
Rodrigues. A participação da agricultura familiar, segundo ele, não é
impedimento para o desenvolvimento do programa, uma vez que está adequada ao
perfil de cada região.
O representante do governo se refere ao fato de a exigência de participação da
matéria-prima da agricultura familiar só estar limitada a 50% para as regiões
Norte e Nordeste. Para o Centro-Oeste, são apenas 9% e para o Sul-Sudeste, 30%.
Vicente Rocha, consultor de Projetos do Instituto Volta ao Campo - organização
não-governamental que presta assistência técnica para a agricultura familiar -,
diz que há inúmeras formas para se contornar a pulverização de fornecedores,
quando a origem da matéria-prima para a produção de biodiesel é a agricultura
familiar.
A forma mais simples é por meio da criação de cooperativas ou associação de
pequenos produtores. Esse é o trabalho que Rocha realiza em Goiás e incentiva
grandes empresas a participar dos leilões da Agência Nacional do Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis (ANP). No último leilão, em novembro, foram negociados
70 milhões de litros pelas empresas Agropalma (do Pará), Soy Minas (de Minas
Gerais), Granol (Goiás) e Brasil Biodiesel (Piauí). Apenas em Goiás estão em
implantação 30 usinas de biodiesel. Para Rocha, essa é uma mostra de que, a
partir de 2008, será possível misturar ao diesel mineral os 2% de biodiesel
previstos pela legislação, o que corresponde a produção anual de 800 milhões de
litros.
A expectativa é de que no próximo leilão, no fim deste mês, volume ainda maior
de biodiesel será negociado, segundo informa Rodrigues. Rocha também acredita
que o programa de biodiesel deverá deslanchar a partir de agora. Diz que os
avanços tecnológicos contribuem para isso. Os fornecedores já oferecem
equipamentos apropriados para o processamento de inúmeras oleaginosas, o que
favorece a contratação de fornecedores de diferentes matérias-primas.
Os pequenos produtores deverão fornecer soja, sementes de nabo forrageiro,
dendê, girassol, mamona e pinhão manso.
(GM, 20/03/06)