Índios querem parlamento, ministério e royalties
2006-03-20
Pela primeira vez na história, a Fundação Nacional do Índio (Funai) foi às aldeias consultar os cerca de 400 mil indígenas do país e coletar suas reivindicações. Ouviu de tudo. Os índios querem cobrar pedágio nas estradas que passam pelo interior de suas terras; pagamento de royalties por serem os responsáveis pela proteção da “maior biodiversidade do mundo”; criar o Ministério dos Povos Indígenas; e reivindicam o reconhecimento legal do trabalho dos pajés, curandeiros e benzedeiras.
Os índios ianomâmi, macuxi e tucano — do Amazonas e Roraima — querem ingressar na política. Pedem a criação do Partido dos Povos Indígenas do Brasil (PPIdoB). Outras etnias, como os pankararu e os tupi-guarani, do Rio e São Paulo, defendem um exclusivo Parlamento Indígena e sessões eleitorais no interior das aldeias.
Em nove conferências regionais, que reuniram representantes das tribos locais, os índios apresentaram cerca de 1.200 propostas. Algumas soam um tanto extravagante e com poucas chances de saírem do papel. Na Semana do Índio, em meados de abril, a Funai organiza uma Conferência Nacional Indígena, em Brasília, que irá selecionar algumas dessas propostas que constarão num documento final.
Os indígenas querem o direito de escolher não só o presidente da Funai como reivindicam poderes para nomear e demitir servidores que não atendam à causa. Eles ainda reclamam indenizações por suas terras terem sofridos danos irreparáveis. Querem ser treinados para tirar carteira de motorista. Os guajajaras, caiapós e tupinambás brigam para que a Polícia Federal reserve cotas nos seus concursos para eles. Eles ainda reivindicam dinheiro da loteria para seus jogos indígenas.
Apelos por mais saúde e educação
O presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, evita condenar a lista de pedidos exagerados apresentados pela comunidade indígena. Ele prefere exaltar a organização da conferência nacional que irá ocorrer e destacar que essa é a primeira vez que eles são consultados.
Segundo Mércio, o documento final, a ser aprovado na conferência, definirá a nova política indigenista do país.
— Não será algo que irá ficar apenas no papel. Vai sair desse encontro uma política de Estado, que resultem em mudanças de fato — disse Mércio Pereira.
Funai: índios decidirão sobre documento final
O presidente da Funai disse que, lendo as reivindicações, pode parecer difícil atender alguns dos pedidos dos indígenas, mas afirmou que na conferência haverá nova discussão e votação pelos índios, que decidirão quais vão integrar o documento final.
— Mas também não acho que sejam reivindicações exageradas. É preciso levar em conta que esta é a primeira vez na história que os índios foram ouvidos. Vai se chegar no consenso — disse Mércio.
Os índios querem um novo perfil do indigenista, mais “engajado”, que seja alguém que “trabalhe mais no campo e menos no gabinete”. “O novo indigenista tem que ter amor amor pela causa indígena e saber diferenciar uma etnia da outra”, pedem os bororos e terenas.
Na área de saúde, os indígenas querem que suas mulheres grávidas sejam submetidas somente ao parto normal. Reivindicam cotas do Sistema Único de Saúde (SUS) em hospitais particulares e, ao mesmo tempo, incentivo à medicina tradicional e remuneração dos pajés, dos xamãs, dos curandeiros e das benzedeiras.
Na educação, os índios querem a criação da Universidade Federal Indígena e que as suas histórias façam parte do currículo de ensino nas escolas de todo país. Eles exigem ainda que todo o acervo de suas tribos que estejam em poder de museus, universidades, igrejas e organizações não-governamentais seja devolvido às comunidades.
Debate também sobre a tutela indígena
É unanimidade entre os índios a manutenção da tutela. No máximo, pedem que este nome seja trocado por proteção especial. Mércio Pereira afirmou que a compreensão da tutela varia de cada etnia. Há 225 etnias diferentes no país.
— A tutela é um instrumento de proteção a mais. Há índios com variações de compreensão diferenciadas. Uns precisam de mais proteção que os outros, mas a incapacidade civil dos índios acabou — afirmou o presidente da Funai.
Encontro em Brasília vai discutir direitos
Este ano o Brasil será sede, pela primeira vez, da reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA) que irá elaborar a Declaração Americana dos Direitos Indígenas. O encontro acontece em Brasília, a partir do próximo dia 21. No texto final do encontro, irão constar os direitos à livre determinação, a terras, territórios, recursos naturais, direito à indenização e direitos coletivos.
Representantes de 34 países membros da OEA vão participar do encontro. Mércio Pereira, presidente da Funai, afirmou que a realização do evento no Brasil é uma demonstração de que o país está adotando uma política indigenista que respeita o direito de todas as etnias.
O encontro da OEA irá ocorrer no Brasil porque, em outubro do ano passado, o presidente da Funai apresentou ao Conclave dos Povos Indígenas das Américas, na Guatemala, essa solicitação. Representarão o Brasil 40 delegados indígenas, além de dirigentes da Funai e do Ministério das Relações Exteriores.
(O Globo, 19/03/06)