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2006-03-17
Pressionado por organizações da sociedade civil por ter concedido empréstimo de 50 milhões de dólares à Aracruz Celulose, Banco Mundial informa agora que empresa realizou o pagamento antecipado da dívida. Negociação foi questionada em razão dos impactos ambientais e dos conflitos com indígenas, quilombolas e pequenos agricultores causados pela companhia no país.

SÃO PAULO – Enquanto a grande mídia critica duramente a ação das agricultoras ligadas à Via Campesina na empresa Aracruz Celulose, no Rio Grande do Sul, comparando-as a terroristas e guerrilheiros, relega ao esquecimento os profundos danos socioambientais causados pela empresa no Brasil nas últimas quatro décadas. Essa “vista grossa” em relação aos impactos negativos que resultam das ações da Aracruz não se restringe aos meios de comunicação. O Banco Mundial, por exemplo, ao conceder empréstimo de 50 milhões de dólares à empresa, por meio da Corporação Financeira Internacional (IFC), em novembro de 2004, também ignorou suas próprias diretrizes, como as que tratam da proteção do direto à terra de populações indígenas e de outras minorias étnicas.

Pressionado desde abril de 2005 pela Rede Alerta Contra o Deserto Verde e pela Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, que reúnem diversos movimentos sociais e organizações da sociedade civil, o Banco Mundial informou a elas, na semana passada, após longo silêncio, que a Aracruz realizou o pagamento antecipado da dívida. O Banco se desculpou pela demora e afirmou que isso encerra a relação com o cliente e que ele deixa de poder influenciar nas questões levantadas pelas redes. Elas questionavam o empréstimo, por conta de todos os conflitos com indígenas, quilombolas e pequenos agricultores e dos impactos ambientais de responsabilidade da empresa no país.

As acusações contra a Aracruz são inúmeras, indo desde a destruição de 50 mil hectares de Mata Atlântica nas décadas de 60 e 70, até o financiamento de campanhas eleitorais em troca de favores, passando por aplicação de agrotóxicos que contaminam as fontes de água de diversas comunidades, implantação de extensas áreas de monoculturas desrespeitando a legislação ambiental, poluição e desvio ilegal de rios que abastecem comunidades - apenas para garantir água suficiente para suas fábricas de celulose - manipulação da opinião pública através dos meios de comunicação, cooptação de lideranças comunitárias e sindicais e de ONGs ambientalistas.

“É muito importante, então, que o Banco Mundial avalie também a real contribuição para com a população brasileira dessa empresa que ocupa 375 mil hectares de terras em quatro Estados. Hoje, a Aracruz Celulose é a maior latifundiária do Espírito Santo, um Estado onde vivem, conforme dados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), cerca de 70 mil famílias sem-terra”, afirma carta da Rede Alerta Contra o Deserto Verde ao IFC, braço do Banco Mundial que fornece empréstimos a empresas privadas.

De acordo com movimentos sociais e entidades da sociedade civil, o financiamento do projeto da Aracruz desrespeita as regras do próprio Banco Mundial, em especial as que tratam dos povos indígenas. Uma das diretrizes afirma ser “necessário especial atenção em áreas nas quais investimentos do Banco afetam populações indígenas, tribos, minorias étnicas ou outros grupos cujo status social restringe a sua capacidade de defender seus interesses e direitos a terras e outros recursos produtivos”. Outra delas determina que “num projeto que envolve os direitos de populações indígenas à terra, o Banco deve trabalhar com o mutuário para esclarecer medidas necessárias para regularizar a posse da terra o mais depressa possível”.

A Aracruz, no entanto, está envolvida em graves conflitos de terra com povos indígenas e quilombolas, que lutam para recuperar seu território invadido por ela, principalmente no estado do Espírito Santo. E isso não é mencionado no documento do IFC, que avaliou a Aracruz como socioambientalmente responsável. Em janeiro deste ano, a empresa participou explicitamente de uma operação violenta da polícia federal, no Espírito Santo, que destruiu completamente aldeias das tribos Tupinikim e Guarani, deixando três indígenas feridos. Por conta disso, a família real da Suécia, vendeu as ações da Aracruz que possuía e as redes avaliam que isso também deixou o IFC constrangido e com pressa para se livrar dessa responsabilidade.

Entidades e movimentos sociais vinham exigindo um posicionamento do Banco Mundial em relação a essas questões. “Queríamos que o empréstimo fosse revogado e que o Banco pressionasse a empresa e o governo federal para que respeitassem as populações impactadas pela monocultura do eucalipto”, relata Winnie Overbeek, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), entidade que integra a Rede Alerta contra o Deserto Verde.

DESFECHO INSATISFATÓRIO

Depois de vários contatos com integrantes da Rede Alerta Contra o Deserto Verde, foi combinada uma reunião entre o Banco, representantes da rede, de indígenas e quilombolas, em outubro de 2005, na cidade de São Mateus, no Espírito Santo, uma das atingidas pela ação da empresa de celulose. O local foi escolhido para mostrar a situação denunciada, por meio de conversas com lideranças das comunidades quilombolas e indígenas.

Em cima da hora, no entanto, o encontro foi desmarcado pelo Banco Mundial que tentou remarcá-lo na cidade do Rio de Janeiro, com a presença de apenas uma pequena comissão da Rede Alerta Contra o Deserto Verde. “Não concordamos com essas condições e a reunião acabou não ocorrendo. Essa mudança mostra que eles não queriam conhecer a realidade das pessoas, a diversidade do impacto”, avalia Fabrina Furtado, secretária executiva da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais.

Em novembro de 2005, as duas redes exigiram, em nova carta ao Banco Mundial, que fosse mantida a reunião coletiva e fosse tomada uma posição em relação à Aracruz. A resposta só veio na semana passada, com a notícia de que a empresa fez o pagamento antecipado da dívida, o que, para o Banco, retira toda sua responsabilidade e encerra de vez o problema. Mas as redes da sociedade civil não estão satisfeitas com esse desfecho. “Queremos agora uma posição do Banco Mundial no sentido de que ele não vai mais financiar esse tipo de projeto, nem a Aracruz Celulose, e reconhecer que houve problemas em relação a esse financiamento. Esperávamos também que o Banco tivesse aplicado uma multa à empresa por não ter respeitado as diretrizes do empréstimo”, diz a secretária executiva da Rede Brasil.

Segundo ela, se uma instituição reconhecida internacionalmente como o Banco Mundial assumir publicamente que a Aracruz causa problemas sócio-ambientais, afirmar que não vai mais financiar projetos ligados ao eucalipto, nem projetos especificamente da Aracruz, isso pode ajudar a reverter o atual quadro. “Na mobilização da Via Campesina, por exemplo, a imprensa ficou contra o movimento e a favor da Aracruz”, lamenta. (Carta Maior, 16/3)

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