Estudo que apontou redução no tamanho de espécies de peixes no Pantanal é questionado
2006-03-17
No dia 3 passado, AmbienteBrasil publicou a matéria “Pesquisa revela diminuição no tamanho de peixes no Pantanal”, enfocando o trabalho da mestranda Izabel Côrrea Boock Garcia, do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS -, intitulado “Influência da Pesca Seletiva sobre o Comprimento Médio de Maturação em Populações de Dourado (Salminus brasiliensis), Piraputanga (Brycon hilarii) e Curimbatá (Prochilodus lineatus) no Rio Miranda, MS”.
A reportagem foi comentada no site da revista Pesca & Companhia, que recebeu um contato da pesquisadora da área de Recursos Pesqueiros da Embrapa/Pantanal, Emiko Kawakami de Resende, questionando as informações. O teor da nota enviada via assessoria de Imprensa da instituição é o seguinte:
O artigo é uma polêmica que, de repente, nem tem fundo verdadeiro tão grande. O tamanho mínimo de captura foi definido muito antigamente, com grande margem, acima do tamanho da primeira maturação gonadal.
É preciso saber se a Izabel usou o L50% ou o L100% para fazer as comparações, pois o primeiro refere-se ao tamanho em que 50% [dos peixes] estão com as gônadas maduras e o segundo, quando todos estão maduros, o que obviamente são tamanhos diferentes. Outra questão é se a Izabel separou machos e fêmeas na sua análise, pois é padrão geral entre os peixes os machos ficarem adultos com tamanhos inferiores aos das fêmeas. E, por último, se a amostra utilizada foi representativa ou não.
Como ainda não tive acesso à dissertação da Izabel e, também, como ela não convidou ninguém daqui [Embrapa/Pantanal] para participar da sua banca examinadora, ainda temos sérias dúvidas da real situação.
Quanto aos peixes, sabemos, já há um bom tempo, que esses fatos [redução nos estoques pesqueiros e no tamanho médio para reprodução de espécies] podem acontecer, e já aconteceram no Rio Mogi-Guaçu, onde a pesca do curimbatá foi e é muito intensa. Sabemos ainda que fatores ambientais como a seca podem reduzir os estoques pesqueiros e o stress dessa seca pode afetar os parâmetros reprodutivos de muitas espécies de peixes.
É bom lembrar que, no caso do curimbatá, a pesca ocorreu intensivamente nos anos 80 e, desde 1994, está proibida. Nesse caso, a redução observada foi devida à redução da inundação, o que vem ocorrendo desde 1998.
A proibição da pesca que querem utilizar como instrumento de aumento de peixes pode não funcionar, pois a proibição da pesca do curimbatá não aumentou o seu estoque.
Em diversos países, tem-se documentado a diminuição no comprimento na primeira maturação (L50) em função da pesca. No entanto, nenhum levantamento deste tipo havia sido feito no Pantanal, que também sofre de intensa pressão de pesca desde o final da década de 70.
Amostras representativas são essenciais para a análise estatística dos dados coletados. As capturas realizadas para minha pesquisa foram feitas na cabeceira do rio Miranda, uma área de reprodução dos peixes migradores, provenientes não somente deste rio como também do rio Paraguai, portanto é uma amostragem representativa dos peixes que estão se reproduzindo na bacia do pantanal.
Das três espécies estudadas: dourado (Salminus brasiliensis), curimbatá (Prochilodus lineatus) e piraputanga (Brycon hilarii), não houve representatividade quantitativa para a piraputanga, razão pela qual não pude fazer afirmações conclusivas sobre a espécie.
No caso do dourado, apesar de terem sido realizadas coletas ao longo de 5 anos (portanto, 5 períodos reprodutivos), o número de indivíduos coletados (96) não foi suficiente para que pudessem ser feitas estimativas confiáveis do L50 para sexos separados. Portanto os resultados apresentados são para sexos grupados, tanto nas coletas recentes (2000-2005) quanto nas antigas (1978-1983), e as diferenças observadas foram estatisticamente significativas.
Apesar do Pantanal estar passando por um período de inundações menos intensas, não se pode afirmar que o estresse da seca é o único responsável pela redução do tamanho na primeira reprodução dos peixes. Estudos documentam que, nos caso de grandes secas, os peixes podem deixar de se reproduzir naquele determinado ano, mas são justamente os grandes exemplares, que têm maior capacidade de armazenar reservas (gordura), que têm maiores chances de sobreviver a períodos desfavoráveis como os de seca e de reprodução.
Os dados de comprimento na primeira maturação de 50% da população (L50) para o curimbatá foram comparados com valores obtidos na década de 80, período em que a pesca desta espécie era intensiva, com uso de tarrafas. A tarrafa foi proibida, porém, esta espécie continua sendo pescada nos rios da bacia do pantanal, sendo legal sua captura com tamanho de, no mínimo, 38cm, conforme demonstram os Boletins divulgados pelo Sistema de Controle de Pesca de Mato Grosso do Sul (SCPECA). Os menores percentuais de redução do comprimento dessa espécie à maturação, observados em minha pesquisa, podem ser reflexo da pressão de pesca ocorrida no passado, somada a outros fatores.
A diminuição do comprimento na primeira maturação é um forte indicativo de sobrepesca (pesca mais intensa do que a população pode sustentar). Caso haja proibição ou diminuição da pesca, os estoques podem se recuperar, mas o tamanho médio à maturação sexual (L50) não necessariamente se recomporá.
A diminuição nos estoques pesqueiros, da qual meu trabalho se refere, foi baseada na queda da produtividade de pescarias experimentais no rio Miranda e na diminuição na quantidade total de pescado capturado no Pantanal. Portanto, não trata especificamente de uma espécie, e sim, da diminuição geral do estoques das espécies importantes para a pesca.
Todo processo de elaboração de uma dissertação de mestrado na UFMS é regido por normas e procedimentos aprovados pela CAPES. Vão desde o exame de qualificação do candidato a mestre, até a aprovação e apresentação final pública da dissertação. Participaram diretamente dessas etapas, cinco membros da banca examinadora, além do orientador e co-orientador, todos doutores plenamente qualificados perante a comunidade científica, a Universidade e a CAPES.
Apesar de nenhum pesquisador atual da Embrapa Pantanal ter sido convidado para participar na minha banca examinadora, a coordenação do curso de pós-graduação da UFMS enviou convites individuais aos pesquisadores daquela conceituada instituição que são docentes do referido curso. Além disso, foi divulgado convite público para o seminário de apresentação da dissertação.
Dada a confiabilidade inerente ao processo de avaliação e aprovação da dissertação, considero meus resultados confiáveis e os colocarei à disposição de todos os interessados, assim que as correções finais estiverem concluídas, o que deverá ocorrer nos próximos dias.
(AmbienteBrasil, 16/03/06)