Ilha Grande (RJ) já tem três praias privatizadas
2006-03-17
As faixas de areia mais preservadas e vazias são um tentador convite aos banhistas que freqüentam a Ilha Grande. Nem sempre, no entanto, o desembarque ou a chegada por trilha é uma tarefa fácil. Levantamento da Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Rio (Alerj) sustenta que pelo menos três praias da região — Iguaçu, Aroeira e Ponta da Raposinha — estão privatizadas por proprietários de terrenos. O deputado estadual Carlos Minc (PT), presidente da comissão, promete acionar os órgãos públicos para exigir o livre acesso de visitantes:
— O proprietário de um terreno costeiro não pode se apropriar da praia. Não há como vedar o acesso a banhistas, nem por terra nem por mar, segundo a Constituição Estadual. A comissão recebeu várias denúncias e comprovou pelo menos três casos. Vamos tomar medidas para garantir que a lei seja respeitada junto ao MP estadual e aos outros órgãos públicos.
Seguranças e cães barram a passagem de visitantes
Geralmente seguranças e cachorros ferozes são as principais barreiras aos banhistas, segundo as denúncias. Os donos de propriedades nas praias consideradas privatizadas, segundo a lista do Comissão de Meio Ambiente da Alerj, contestam a acusação.
O empresário Haakon Lorentzen comprou a propriedade na Praia da Aroeira há cerca de 15 anos. Ele garante que não impede o acesso.
— Não me surpreende que a Aroeira entre num rol de praias privatizadas. É uma praia pequena, de 80 metros, cercada pela minha propriedade por todos os lados. Isso pode dar a impressão de que a praia é privatizada. Mas existem mais de 50 praias na ilha, também pequenas, em situação semelhante. Conheço a legislação. Estou ciente de minha responsabilidade de dar livre acesso à praia e isso tem acontecido. As pessoas vêm de barco e ficam na praia. Para quem vem por terra, existe uma trilha que fica aberta. Há um portão, mas ele só é fechado à noite, por motivo de segurança. Eu sou um aliado na luta pela preservação da ilha — disse o empresário.
Donos de propriedades contestam denúncias
O empresário Marcelo Mattoso era dono da Praia do Iguaçu até novembro do ano passado, quando vendeu a propriedade para o também empresário Sérgio Vilhena. Atualmente dono de uma propriedade na Ilha da Gipóia, ele garante que jamais houve restrição de acesso enquanto a terra esteve em suas mãos:
— Eu discordo que haja dificuldade de acesso. O veranista não é dono da praia, é dono do terreno atrás da praia. A presença da propriedade, no entanto, inibe o serviço de vendedor ambulante. A Praia do Iguaçu estava lotada no carnaval. E, como todas com proprietários únicos de terrenos costeiros, está preservada. Os donos acabam fazendo o trabalho de recolhimento de lixo e a favelização não atinge essas praias.
Repórteres do GLOBO desembarcaram como turistas na Praia do Iguaçu na quinta-feira anterior ao carnaval para conferir as denúncias. Na chegada, o barco foi impedido de aportar no cais. Um segurança informou que o desembarque deveria ser feito no canto da praia, longe da sede da propriedade. Depois de alcançar a areia e seguir para o meio da praia, os repórteres foram abordados por um segurança:
— Olha, numa boa, vão para o canto da praia. O homem está aí, ele não gosta que as pessoas fiquem em frente da casa dele. Por favor, assim vocês vão me prejudicar.
Procurado pelo jornal, o atual proprietário do terreno na Praia do Iguaçu, Sérgio Vilhena, não foi localizado.
A Ponta da Raposinha pertence à família do bicheiro Castor de Andrade. Segundo o advogado do espólio de Castor, Cláudio Souza, banhistas sempre foram respeitados:
— Não há restrição alguma ao acesso de banhistas. A propriedade é legalizada e os tributos são pagos regularmente. É claro que há vigilantes para a proteção dos imóveis, mas ficam distantes da areia.
Numa outra praia, a de Freguesia de Santana, a equipe do jornal não constatou a privatização. O desembarque foi permitido sem qualquer problema. No entanto, o cais existente no local está parcialmente destruído e uma rede sustentada por bóias, instalada pela Prefeitura de Angra para proteger os banhistas, ocupa quase toda a extensão da areia, dificultando a entrada de embarcações. A Turisangra alega que a medida visa a proteção das pessoas dentro d´água, diante do tráfego intenso de barcos na região. Segundo o órgão, qualquer sinal de privatização de praias será coibido energicamente por fiscais do município.
Por outro lado, Minc alerta que é preciso facilitar a entrada de pessoas sem degradar as praias, como ocorre em muitos locais de fácil acesso:
— Para isso, vamos aprovar um projeto de lei que regulamentará o acesso e o uso das praias de ilhas oceânicas. É preciso combinar a preservação com o usufruto.
(O Globo, 16/03/06)