Artigo: MOP3 - O conhecimento é a maior commoditie
2006-03-17
Por Leila Oda *
Não é fácil ser cientista no Brasil. Em especial, quando nos dedicamos a setores da ciência que guardam uma grande defasagem de conhecimento em relação à sociedade e até mesmo à outras áreas científicas e técnicas, como ocorre, hoje, na ciência de Biossegurança. Ano a ano é preciso exercitar a paciência, deixando que outros assuntos, que só deveriam restringir-se a uma discussão posterior, acabem tomando o lugar da verdadeira discussão que deve antecedê-los: a biossegurança.
O cenário a que estamos assistindo em Curitiba, em uma reunião da importância mundial da MOP3, a reunião da ONU que agrega as partes de 132 países signatários do Protocolo de Biossegurança de Cartagena, com o propósito essencial de aprimorar as condições de biossegurança dos organismos geneticamente modificados, quando transferidos de um ambiente ao outro, como é o caso do comércio entre os países, é um claro exemplo disso.
Antes mesmo do início da MOP3, como presidente da ANBio – Associação Nacional de Biossegurança, uma entidade que luta há sete anos, pela consolidação da Biossegurança no Brasil, havíamos alertado nossos pares para as ‘distrações’ que poderiam acabar ofuscando nosso trabalho na MOP3. Essas ‘distrações’ vieram e respondem pelo nome de ‘contém’ ou ‘podem conter’, um debate totalmente comercial ao redor dos organismos geneticamente modificados.
Estamos aqui, na MOP3, tentando mostrar à sociedade os avanços que a biotecnologia já pode oferecer para os cidadãos brasileiros e de todo o mundo, resguardada por todos os procedimentos de biossegurança aprovados pelos organismos de saúde e meio ambiente internacionais e do Brasil, e o debate sobre uma identificação meramente comercial continua ganhando as manchetes da imprensa.
A quem interessa confundir a opinião pública, quando sabemos que a identificação será atribuída APÓS a análise científica do organismo geneticamente modificado sobre se é seguro ou não para a saúde humana e para o meio ambiente? Isto significa que quando o organismo geneticamente modificado receber o ‘contém’ ou o ‘pode conter’ ele já terá sido liberado pelos procedimentos de biossegurança e, portanto, tanto faz dizer que ‘contém’ ou que ‘pode conter’. Não será esta identificação que dirá se ele é seguro ou não, mas sim a avaliação ANTERIOR, de biossegurança.
Por tudo isto, por que então termos de deixar para discutir agora o que realmente interessa, para esperarmos pela MOP4? Por que tanta perda de tempo com questões comerciais, se estamos em um encontro mundial para discutir biossegurança? Por quanto tempo persistirá no Brasil esta enorme lacuna de conhecimento entre a Ciência de Biossegurança e os demais ramos científicos e técnicos? Por quanto tempo persistirão atuando aqueles que escondem seus interesses comerciais em debates da Ciência e apostam no obscurantismo? E a sociedade brasileira, quando deixará de ser manipulada? Com certeza, os cientistas têm um importante missão a cumprir: aproximar a ciência da sociedade.
* Leila Oda é professora e pesquisadora da FioCruz, presidente da Associação Nacional de Biossegurança – ANBio. Participa da MOP3, integrando o grupo PRRI, Fundação de Pesquisa Pública e Regulatória