“Queremos um governo de indígenas”, explica assessor do governo boliviano
2006-03-17
Primeiro índio eleito e empossado presidente da República da Bolívia, Evo Morales pretende transformar seu país, criando um governo de organizações indígenas, com menos agressão ao meio ambiente e economia comunitária. Uma visão sobre o novo mandatário boliviano e a atual conjuntura do país sul-americano foi apresentada em Porto Alegre pelo governador do Departamento de Oruro e diretor do Centro de Culturas Originárias Kawsay, Leonel Cerruto, em palestra promovida pela Fundação Gaia na semana passada (09/03).
De acordo com Cerruto, uma das principais promessas do novo presidente é a convocação de uma Assembléia Constituinte. “Esse passo será fundamental para o país, pois as leis não mudam quando se troca o governo”. A promessa trouxe expectativa para o povo boliviano, como emprego e melhorias para os trabalhadores, mas essa confiança é vista com cautela por Cerruto. “É difícil explicar para as pessoas que as mudanças são lentas”, observa.
Construir um governo indígena aparece para os bolivianos como o maior ideal a ser alcançado. “A oligarquia boliviana tem o controle das terras, dos meios de comunicação, nem mesmo nos reconheciam. Temos o desafio de construir um governo das organizações indígenas, mas temos que entender que será resultado de um processo”, afirma o assessor
Recursos naturais
Cerruto também explica a importância dos recursos naturais para o país. “Só é possível aumentar a auto-estima de um povo quando ele passa a se conhecer”, garante. Aliado a isso está a consciência de que todas as exportações – de minérios ou petróleo – são “antiecológicas” e causam estragos ao meio ambiente. “Queremos um jeito de fazer isso de forma menos agressiva”, destaca.
A proteção ao principal bem natural do país, o petróleo, está prevista na nova Lei de Hidrocarbonetos, que exige 50% de faturamento para o país. A lei determina que
as reservas são propriedade do Estado boliviano, que cede a exploração para uma empresa privada, cobrando uma tarifa pelo uso. “Não queremos expropriar as transnacionais, apenas recuperar o que é nosso”, esclarece.
A relação entre os indígenas e o meio ambiente pode ser entendida por meio da cosmovisão, filosofia de que toda a natureza é vida. Esse pensamento discorda da existência de um orgânico e inorgânico, biótico ou abiótico. O índio acredita que toda a natureza deve ser respeitada por seus filhos, os seres humanos. “Não se pode vender nem destruir a mãe”, condena Cerruto.
O capitalismo foi o principal alvo de críticas do índio. “Acreditamos em uma economia comunitária, que junta o coletivo e o individual. Não concordamos com o modelo capitalista, que retira dos outros países aquilo que lhes falta”, afirma. Adiantou também que o tema da terra será uma das prioridades na Constituinte, embora ainda não tenha termos técnicos. “Pela nossa lógica, não há propriedade, e sim terras comunais”, lembra.
O respeito às culturas e aos saberes populares também está na agenda do novo presidente, salienta o assessor. Em fevereiro, foi criado um Vice-ministério de Medicina Tradicional (o correspondente a uma secretaria-executiva, se a estrutura política seguisse os moldes brasileiros), que pretende estimular os métodos tradicionais de cura para o bem-estar da população. Já o Ministério de Assuntos Indígenas foi extinto. “O índio deve estar presente em todos os ministérios”, ressalta Cerruto.
Por Patrícia Benvenuti