A participação da sociedade civil na elaboração do projeto de uma reserva da biosfera urbana em Florianópolis alterou o rumo das discussões.
A primeira mudança foi no nome, para “Reserva da Biosfera em Contexto Urbano na Ilha de Santa Catarina”. A implantação também deixa de ser em regime de urgência, como queriam os governos estadual e municipal, e a nova reserva integrará a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA), em vez de ser implantada de forma independente, como sugeria a proposta inicial.
“Optou-se por mudar o nome para não haver conflito de duas reservas no mesmo espaço”, diz Ana Cimardi, diretora de Proteção de Ecossistemas da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Fatma). O título de “reserva da biosfera urbana” seria um conceito inédito para os princípios definidos pela Unesco.
As alterações tranqüilizaram ambientalistas e movimentos comunitários, que estavam desconfiados com a velocidade da tramitação da proposta. Pelo plano inicial, o projeto seria encaminhado em abril para a Unesco - enquanto a RBMA, criada em 2001, demorou nove anos para formar seu Comitê Estadual e ainda não conseguiu ser implantada de fato.
A partir das oficinas de trabalho com participação de representantes de ONGs, órgãos ambientais, entidades comunitárias e idealizadores do projeto, a proposta da Reserva começou a ser concretizada. Nesta quarta-feira (15/03), durante a 3ª oficina de trabalho, os participantes começaram a delinear a divisão de zonas na Ilha de Santa Catarina. Nas reservas da biosfera existem três: zona núcleo, de amortecimento e de transição. Também encaminharam uma solicitação ao Comitê Estadual da RBMA para que seja formado um sub-comitê, ligado ao já existente, para tratar da Reserva da Biosfera em Contexto Urbano na Ilha de Santa Catarina.
O estudo ainda está no começo. O projeto será enviado em abril para o Comitê Brasileiro Homem e a Biosfera (Cobra MAB, na sigla em inglês), com definições sobre zoneamento e manejo. Se aprovada, a proposta será detalhada e encaminhada para avaliação da Unesco em outubro, para ser desenvolvida paralelamente ao plano diretor da cidade.
Teoria e prática
O arquiteto argentino Ruben Pesci, diretor da Fundação Cepa (Centro de Estudios y Proyectación del Ambiente), esteve na reunião desta quarta-feira e reconheceu que implantar uma reserva da biosfera de fato é um processo complicado, mas não impossível. “É mais do que possível. É necessário, mas não é fácil, temos que trabalhar”, diz, “Há exemplos no México, na Costa Rica, na Argentina e no Uruguai que estão funcionando”, compara. A Fundação Cepa é a idealizadora do projeto e já realizou mais de 100 projetos para cerca de dez países da América Latina e Europa.
Sobre o fato de se criar uma reserva da biosfera dentro de outra, o arquiteto diz que elas não serão concorrentes, mas complementares. “A RBMA não compreende áreas urbanas. Este projeto tratará especificamente do planejamento urbano e da ocupação humana na Ilha de Santa Catarina no contexto da reserva da biosfera”, explica.
Pesci também descarta a possibilidade de a certificação como reserva da biosfera abrir portas para a especulação imobiliária em Florianópolis. “A implantação da reserva não trata apenas de delimitar espaços, mas também estabelece códigos morais que combatem a especulação”, diz. “O conceito de curto prazo, de construir muito para explorar um turismo de má qualidade, como vem acontecendo, está ultrapassado. Os empreendedores estão tomando consciência de que a hora agora é de pensar em fazer bem feito, em longo prazo”, aposta. “Para este projeto eu sugeriria o slogan
Uma ilha bem feita”.
Entretanto, Pesci reconhece que “fazer bem feito” pode custar um preço que a população em geral não pode pagar. “A conservação muitas vezes gera elitismo, mas aí entra o papel do Estado, de promover empregos e educação, de regular as desigualdades e premiar as boas ações”, diz.
O AmbienteJá questionou se o executivo de Florianópolis tem condições de cumprir este papel. Pesci demorou a responder. “Há momentos em que bate a desesperança”, disse, “mas espero que a criação da reserva da biosfera seja um pontapé para incentivar a mudança de princípios no poder público”.
Plano diretor
Na reunião desta quarta, os participantes também assinaram uma recomendação à prefeitura, para que seja estabelecido e oficializado imediatamente o comitê de gestão do plano diretor de Florianópolis, que está atrasado. “Atrasadíssimo”, nas palavras de Carlos Magno Nunes, secretário-executivo do Fórum da Cidade. “Provavelmente vamos extrapolar o prazo”, diz, “uma cidade com a complexidade de Florianópolis precisaria no mínimo de um ano e meio entre as discussões e a aprovação na Câmara dos Vereadores”.
O Estatuto da Cidade, sancionado em 2001, deu cinco anos de prazo para a elaboração do plano diretor dos municípios brasileiros, que deve ser feito com participação da sociedade. Florianópolis ainda não começou a discutir oficialmente o assunto. “Mesmo que extrapole o prazo, precisamos começar já”, diz Nunes. Caso o plano diretor não seja aprovado até outubro deste ano, o prefeito pode responder a processo por improbidade administrativa.
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