Especialistas avaliam mudanças climáticas no Rio Grande do Sul
2006-03-15
Se aquecimento global já foi sinônimo de preocupação na comunidade científica, hoje ganhou “status” de calamidade. Os discursos partem de todas as partes do globo, e o Rio Grande do Sul também sente os efeitos causados pela concentração de gases de efeito estufa.
O efeito estufa, em concentrações normais, é benéfico para o planeta, pois impede um resfriamento excessivo durante a noite. O aumento dos gases na atmosfera, principalmente de gás carbônico (CO2), porém, faz com que o calor fique retido entre as nuvens, provocando o aquecimento.
Conseqüência do aquecimento, a elevação das temperaturas mínimas vem crescendo há pelo menos 50 anos no Rio Grande do Sul. De acordo com o meteorologista do CPPMet (Centro de Pesquisas e Previsões Meteorológicas) da Ufpel (Universidade Federal de Pelotas) Júlio Marques, o responsável por esse aumento é o vapor de água, um dos gases causadores do efeito. “Não sentimos tanta diferença durante o dia, mas percebemos que as noites, principalmente no verão, estão se tornando mais quentes”, acrescenta.
O aumento do vapor d´água é reflexo do aumento da temperatura do Oceano Atlântico, regulador básico do clima no Rio Grande do Sul. “O Atlântico é a principal fonte de umidade para o Estado, é ele quem rege a circulação dos ventos. Tanto que, no litoral, temos o chamado vento de frente, prova dessa influência”, destaca o especialista.
O regime pluvial também se altera, bem como os períodos de alternância entre chuva e estiagem naturais. “Desde que começamos a estudar isso, com dados da década de 40, constatamos que sempre houve épocas de seca e outras de chuva. A diferença é que, atualmente, temos um aumento das chuvas, mas ao mesmo tempo uma estiagem um pouco mais prolongada”, esclarece Marques.
“Se olharmos a escala secular, podemos perceber que há sinais de mudança no clima terrestre”, afirma o agrometeorologista da Embrapa de Passo Fundo, Gilberto Cunha. Ele lembra também que o derretimento das calotas polares e a expansão térmica da água, provocados pelo aquecimento global, influem para a elevação do nível dos oceanos.
Nível dos oceanos
No final de fevereiro, o diretor da Pesquisa Antártica do Reino Unido, Chris Rapley, anunciou que o começo da desintegração da camada de gelo ocidental antártica poderia elevar em até cinco metros o nível do mar. O glaciologista do Núcleo de Pesquisas Antárticas e Climáticas (Nupac) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Jefferson Cardia Simões, entretanto, considera um “exagero” pensar em números tão altos. “Talvez daqui a mais ou menos 500 anos ocorra algo do tipo, mas hoje é inviável. Esses processos são lentos e graduais”, destaca.
De acordo com o especialista, o “factível” é que o nível do mar aumente em 40 cm ou 50 cm nos próximos 50 ou 60 anos. A conseqüência seria a necessidade de investir em defesa costeira, reestruturação de portos e realocação de populações costeiras.
“No caso do Rio Grande do Sul, o aumento poderia provocar a invasão de alguns metros ou até mesmo de 1 ou 2 quilômetros”, explica.
Críticas ao catastrofismo e ao consumismo
O glaciologista critica o “catastrofismo” e o “diluvianismo” que vem à tona quando o assunto é aquecimento global. “Muita coisa é mito. As pessoas pegam todo o gelo do planeta, que ainda cobre 10% da superfície, e derretem. Isso aumentaria o nível do mar em mais de 70m. Seria uma catástrofe mundial, mas sabemos o quanto esses processos são longos. Além do mais, teríamos que dar tanta energia que já estaríamos todos queimados”, salienta.
Simões, por outro lado, condena o atual modo de produção e consumo que está esgotando o planeta. “Não é porque o processo vai ocorrer daqui a algum tempo que não devemos tomar cuidado. Processos que estão ocorrendo hoje são conseqüências do passado, e essa estrutura climática que está sendo alterada hoje pode levar centenas de anos para se reestabilizar. Isso vai levar fome a várias partes do mundo, quebra de safra, fenômenos catastróficos como furacões, mudança nos ciclos de precipitação. Temos de entender que há limites, e pensar nas futuras gerações, deixando de lado o egoísmo”, completa.
Por Patrícia Benvenuti