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2006-03-14
O ato de vandalismo na unidade de pesquisa da Aracruz em Barra do Ribeiro/RS está desviando a atenção para o principal problema ambiental trazido pelas empresas de celulose ao Estado. "Se plantarem mais árvores que o ideal, será relativamente fácil remediar o passivo. Mas até hoje não se apresentou uma solução para remediar o passivo das dioxinas que se acumulam ano a ano no Lago Guaíba", declara um ambientalista gaúcho que prefere manter o anonimato por conta da polêmica gerada sobre a questão desde a semana passada.

Dioxinas são substâncias tóxicas pouco pesquisadas no Brasil, mas constantemente presentes no cotidiano das pessoas. Assim como outros compostos organoclorados (que tem cloro e carbono em sua composição), elas têm a capacidade de imitar características de hormônios, causando problemas de infertilidade masculina, diversos tipos de câncer e até mesmo gerando alterações morfológicas em animais, plantas ou fetos de seres humanos.

Mesmo sendo conhecida como subproduto das indústrias de celulose, resíduos de dioxina são encontrados em perfumes, cosméticos, roupas, alimentos e em tudo o que é feito com PVC (Polivinil Cloreto), por exemplo. O engenheiro agrônomo Luiz Jacques Saldanha, responsável pelo site Nosso Futuro Roubado, explica que "em todos os produtos com cloro, temperatura e matéria orgânica sempre há a formação de dioxina não-intencional".

Saldanha afirma que a indústria coloca a responsabilidade da contaminação por dioxina na população, como se ela tivesse a consciência de ter comprado algo com resíduos tóxicos. "Precisamos trazer para o consumidor esta visão objetiva, de que ao adquirir qualquer produto no supermercado envolto em PVC, tubos, persianas, esquadrias, portas pantográficas, forros, estamos distribuindo dioxina por todo o planeta", salienta ele. Segundo o agrônomo, a primeira campanha a ser feita é pelo não-uso de materiais artificiais na nossa alimentação e nas nossas vestimentas, pois assim diminui-se o risco de contaminação por várias substâncias.

Por imitarem o comportamento de hormônios femininos, as moléculas de dioxina penetram na placenta de mulheres grávidas, interferindo no metabolismo do feto em formação. “Os fetos machos estão ficando feminilizados, desmasculinizados, não produzindo hormônios masculinos suficientes. Observa-se infertilidade maior entre os jovens nascidos a partir da década de 70 e também maior incidência de câncer de mama em mulheres jovens, por causa dos compostos organoclorados”, comenta Jacques Saldanha.

Pesquisas estagnadas
Os ambientalistas vêm lutando há anos para que as indústrias de celulose modifiquem seu processo de branqueamento, que utiliza cloro e conseqüentemente tem como subproduto a dioxina. A maioria das empresas alterou o processo nos últimos anos, passando a usar dióxido de cloro, peróxido de hidrogênio e oxigênio – procedimento conhecido como ECF (Elemental Clohrine-Free) – em vez de cloro ativo livre. Assim, a emissão de dioxinas diminuiu, mas não cessou. A química Ewelin Canizares, técnica da FEPAM que estuda dioxinas desde 1997, atesta que “a própria indústria de papel e celulose investiu em pesquisas para saber onde a dioxina se formava, e mudou o processo de branqueamento”. A Fepam verifica as indústrias gaúchas solicitando àquelas que julga necessário a realização de exames laboratoriais para comprovar a presença de dioxina. Como a análise é de altíssimo custo, o órgão estadual não tem condições de fazê-lo, apenas controla o auto-monitoramento.

Conforme Kathia Vasconcellos Monteiro, do Núcleo Amigos da Terra/Brasil (NAT/Brasil), as pesquisas para descobrir novos métodos de branqueamento estão estagnadas há uma década. Segundo ela, os ambientalistas de todo o mundo vêm lutando há anos para que o processo TCF (denominação em inglês para "totalmente livre de cloro") seja adotado pelas indústrias, pois desta maneira não haveria produção de dioxina. Mesmo não sendo as principais emissoras de dioxinas, as empresas de celulose podem ser mais rigorosamente fiscalizadas do que as fontes domésticas e o Arroio Dilúvio, destino de boa parte dos esgotos de Porto Alegre. A elas também é atribuída maior responsabilidade, já que poderiam usar o processo livre de cloro.

Existem duas indústrias de celulose no Rio Grande do Sul: a Cambará S.A. não utiliza cloro no seu processo de branqueamento, portanto não produz dioxinas. A Aracruz Celulose utiliza o processo ECF, e, mesmo tendo um tratamento de efluentes eficiente, sempre há a produção não-intencional de dioxinas. A empresa alega, porém, que sem o uso de cloro o papel fica menos alvo e não encontra espaço no mercado. Para Kathia Monteiro, pode-se criar espaço para a comercialização do papel não-clorado, mostrando aos consumidores que a diferença na alvura não modifica a qualidade. Saldanha complementa, assegurando que em países como a Alemanha todo o papel é não-clorado e aprende-se desde criança o que são as dioxinas.

Cone Sul
Do outro lado da fronteira, a construção de duas mega-fábricas de papel às margens do rio Uruguai (veja texto anterior) está causando uma crise diplomática entre Uruguai e Argentina. O centro da questão é justamente a poluição causada pelas "papeleiras". Acredita-se que o problema entre os países vizinhos seja uma espécie de preliminar do que ocorrerá no Rio Grande do Sul.

Jacques Saldanha enfatiza a necessidade de que o cloro não faça mais parte do processo de branqueamento do papel, pois mesmo pequenos volumes de emissões continuam sendo muito tóxicas. “A natureza não tem condições de metabolizá-la porque é uma molécula artificial, não pode ser degradada. Não existe quantidade que possa ser ingerida, não é uma questão de maiores ou menores doses”, diz. Para o NAT/Brasil, apesar da emissão de poluentes pela indústria de celulose ser controlada e estar dentro dos níveis permitidos pela Fepam, ela não pode ser desconsiderada, pois é cumulativa.

O único laboratório credenciado para realizar exames de dioxina no Brasil é o Analytical Solutions, em sua unidade do Rio de Janeiro. O principal método para a identificação de dioxinas é a cromatografia gasosa — técnica para separação e análise de misturas de substâncias voláteis. Como as dioxinas são tóxicas mesmo em pequenas quantidades, o exame precisa ser de alta precisão, pois permite enxergar mesmo essas minúsculas partes (no caso da dioxina, são medidas em partes por quatrilhão – um trilhão de vezes menor do que o miligrama). Se não for assim, uma análise pode indicar que o local não está contaminado, quando de fato ele está. Amostras de solo, sedimentos, água, resíduo sólido, efluentes, ração animal, frango, leite, pescado e de ar são extraídas por meio de solventes. Elas são submetidas a diversas etapas para eliminar outros compostos orgânicos que poderiam gerar resultados falsos.

Gabriela Kernick Carvalhaes, diretora científica do Analytical Solutions, declara que estudos consolidados internacionalmente definiram que a análise deve buscar a presença de dezessete das duzentas e dez formas de dioxinas e furanos existentes, e então comparar o encontrado com as legislações vigentes. “Um erro comum é definir a ausência total de dioxinas para a aprovação de um dado ambiente ou alimento, como já aconteceu no passado. Hoje, dada à alta sensibilidade da análise, existem várias normas definindo os limites máximos permitidos”, explica.

A química das dioxinas
As dioxinas, consideradas o mais tóxico dos poluentes produzidos pelo homem, possuem carbono, hidrogênio e cloro em suas moléculas e podem surgir através de diferentes processos naturais ou industriais. Existem 210 compostos de dioxinas e furanos, sendo que o número e a posição dos íons de cloro determinam as suas propriedades físico-químicas e o seu grau de toxicidade.

Carvalhaes explica que estes poluentes se formam principalmente através da presença de compostos organoclorados em temperaturas elevadas – entre 150°C e 800°C – e também com a queima de resíduos sólidos com grande concentração de matéria orgânica. “Além da formação por processos térmicos, outras reações químicas podem favorecer a formação de dioxinas, como a metalurgia, siderurgia, curtumes, fabricação de papel e celulose ou processos eletrolíticos”, enfatiza.

A dioxina é um cristal incolor com pouca volatilidade e afinidade com a água, portanto tende a ir para o solo quando despejada em rios e lagos. É persistente e cumulativa, ou seja, não se degrada com o tempo, dificultando sua retirada da natureza. Oferece perigo aos homens, pois é lipofílica — adere a gorduras do sangue ou do leite materno — e acumula-se no corpo. Sua alta toxicidade causa várias doenças nos seres humanos: erupções na pele chamadas de “cloracne”, câncer no fígado, no nariz, no aparelho respiratório e na língua. Além dessas, ainda enfraquece o sistema imunológico, ocasiona problemas cognitivos e de desenvolvimento psicomotor e também dificuldades de reprodução.
Por Natália Ledur Alles

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