Brasil de volta ao debate sobre energia atômica
2006-03-14
O Brasil está voltando à fogueira do debate mundial sobre energia atômica. O
ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, anunciou um megaprojeto para
construir nada menos que sete usinas nucleares nos próximos 15 anos. O plano faz
parte do Programa Nacional de Energia Nuclear e, até agora, estava guardado nas
gavetas de Brasília. Só veio à tona na terça-feira 7, com a inesperada declaração
do ministro.
“Esse plano começa com a decisão de retomar a construção de Angra 3 e fazer com
que, a cada dois, três anos, seja implantada uma nova usina”, disse o ministro em
entrevista à BBC, acrescentando que pretende ver o projeto aprovado “em todas as
instâncias até o fim do primeiro semestre deste ano”. Ele estava em Londres como
integrante da comitiva do presidente Lula.
Rezende costuma falar pouco e se desviar sempre de polêmicas. Quem o conhece não
tem dúvidas de que não foi à toa que escolheu Londres, com a repercussão da
visita presidencial. Ele colocou o assunto em voga estrategicamente, para medir
reações. Conseguiu. A revelação causou surpresa. Até então, não se sabia que o
governo estava dando tanta importância assim para o tema. Ao menos publicamente.
Mas agora surgem sinais de que, interna corporis, já tinha gente gastando energia
para delinear o futuro nuclear do Brasil. E a relevância do assunto para o
governo pode ser medida pelo endereço atual do projeto: o desenho do Programa
Nacional de Energia Nuclear, do qual faz parte a meta de construção das novas
usinas, está simplesmente no terceiro andar do Planalto, dentro do gabinete
presidencial.
O ministro Rezende deu detalhes do projeto. Por exemplo: a idéia é que duas das
sete usinas sejam construídas no Nordeste, às margens do rio São Francisco. Ele
justifica o projeto com o argumento de que o País precisa ampliar a participação
da energia nuclear em sua matriz energética. “Com a construção das usinas, a
parcela de contribuição da energia atômica poderia passar do atual 1% para 5%”,
disse o ministro. Na passagem por Londres, um dos programas da agenda do ministro
foi visitar as instalações do Joint European Torus (JET), uma espécie de
consórcio europeu destinado a aprofundar os estudos sobre fusão nuclear. Na
capital inglesa esteve ainda o presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear,
Odair Gonçalves. Antes de se juntar à comitiva, Gonçalves estava em Moscou, em
viagem com agenda não divulgada.
Ao anunciar o projeto brasileiro, Sérgio Rezende admitiu que polêmica não vai
faltar no debate. Só não esperava que as primeiras críticas partissem de dentro
do próprio governo. O ministro da Fazenda, Antônio Palocci, rebateu a defesa que
Rezende fez da tecnologia nuclear. Disse preferir energia hidrelétrica. “Acho que
a alternativa de recursos hídricos é muito mais justificada”, declarou Palocci.
Ao menos nesse assunto, o ministro da Fazenda tem a seu lado uma de suas maiores
opositoras no governo, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ela também
prefere as hidrelétrica. Vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência, o físico Celso Melo disse a ISTOÉ que o Brasil precisa de fato
dominar o ciclo da energia nuclear, mas que um anúncio como o feito pelo ministro
em Londres deveria ser precedido de um debate mais amplo. “Acredito que o governo
fez estudos cuidadosos antes de propor isso. Mas, se foi assim, deveria ter
disponibilizado esses estudos para discussão”, afirmou.
(IstoÉ, 13/03/06)