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2006-03-14
O químico, especialista em Genética, Flávio Lewgoy, foi o principal responsável pela rejeição do projeto de duplicação da Riocell, já aprovado pelo Governo do Estado, no início dos anos 90, e depois adiado. Em dezembro de 2002, sob o comando da Klabin, ante uma nova proposta de duplicação, o ambientalista pretendia acionar o Ministério Público do Estado para entrar com uma ação civil pública contra o projeto. Sua posição contrária à duplicação da Aracruz não o impediu de reprovar a invasão das instalações da Aracruz Celulose na madrugada de quarta-feira (8/3) por um grupo de mulheres ligadas a Via Campesina. “Podem me criticar, dizendo que estou indo contra a minha biografia, mas tenho certeza que José Lutzenberger também reprovaria. Não se trata de ecoterrorismo, mas vandalismo puro.”

JÁ - Qual sua avaliação desse episódio em que a Via Campesina atacou instalações da Aracruz?
Flávio Lewgoy - A gente sabe a versão que está sendo divulgada. É uma violência irracional, condenável. Uma ação dessas impressiona muito mal. Podem me criticar, dizendo que estou indo contra a minha biografia, mas tenho certeza que o Lutzenberger também reprovaria. Não é dessa maneira que se consegue apoio para a causa. Para que invadir a sede do laboratório e destruir tudo? Não se trata de ecoterrorismo, mas vandalismo puro, crime pelo código penal. Não é assim que se combate a idéia do empreendimento. A nova fábrica vai sair da mesma maneira, só que agora com mais respaldo da opinião pública. Claro, para o meio ambiente não é nada bom, tem a questão do ecossistema do pampa. Mas não cabe um ato desses. Isso é dar argumentos para o adversário, que ficou de vítima.

JÁ - Que lhe parece a instalação de uma nova planta da Aracruz em Guaíba?
Lewgoy - A última vez que eu estive lá faz anos, ainda era Riocell. O que eu vi foi uma Borregaard melhorada. Estão melhorando aos poucos, envenenando menos o ecossistema aquático e terrestre. Eles lançam efluentes aéreos, no solo e principalmente no Lago Guaíba, onde continuam sendo os mais importantes poluidores. Estive revisando o último EIA/Rima, ainda da duplicação, de 2002, é o que eu tenho aqui. O que me interessa basicamente é o chamado AOX, que são aqueles organoclorados. Então, realmente, não é uma coisa que se possa despejar num lago que é um manancial, que já está bastante poluído, praticamente em estado pré-crítico, quer dizer, praticamente não tem mais condições de auto-regeneração. Se levarmos em consideração as secas periódicas, a poluição por agrotóxicos, principalmente herbicidas nos arrozais, poluição por esgoto in natura. Até o esgoto tratado, que é um eufemismo para dizer cocô, assim, menos fedorento e com menos possibilidade de ter bactérias e outras coisas mais... O ecossistema do Guaíba está num estado muito ruim, qualquer coleta de peixes dá anomalias morfológicas importantes – perda de escama, coluna vertebral deformada, um monte de má formações. E isso já tem 15 anos ou mais. Esse ecossistema está muito comprometido, não deveria receber mais nada, mas segue recebendo despejos industriais de diversas empresas, tem, por exemplo, a siderúrgica em Sapucaia, o Pólo Petroquímico...

JÁ - Tudo isso em relação ao Lago.
Lewgoy - Sim, mas tem a poluição atmosférica. A Riocell tem uma termelétrica que não é pequena. A energia é para eles, mas a poluição fica com a área metropolitana. Eles não têm precipitador eletrostático, poluem a atmosfera. Agora, paradoxalmente, à medida que eles foram aumentando a capacidade, melhoraram a eficiência da caldeira de carvão, de maneira que a poluição foi diminuindo, mas não foi eliminada.

JÁ - Retomando a questão dos efluentes, essas substâncias não são numa quantidade mínima?
Lewgoy - O AOX é medido em quilograma por tonelada produzida (kg/tona AD). Segundo eles – eu não tenho outra referência – houve uma redução considerável. E com a planta 2, seriam 40g/ton AD de efluente final. Como eles pretendem operar com 1 milhão e 400 mil toneladas... Multiplica isso por 40g, é uma baita de uma carga. Ou seja, multiplicando a tonelagem por esse mínimo aqui (0,04 kg), vai dar uma coisa assustadora. Isso, após a entrada em operação da linha 2. Só que eles ainda não puseram em operação a linha 2.

JÁ - Mas não terá linha 2. O projeto é uma nova planta, que vai triplicar a produção.
Lewgoy - Pelo que sei, não entraram com nada até agora, nem pedido, nem preliminares. Eles estão projetando para 2011, temos pela frente cinco anos. Mas esse EIA/Rima [da duplicação] esteve em análise na Fepam. É um estudo bem feito, dá a bibliografia, com isso eu posso calcular que esse projeto não serve para nós. Despejar no nosso lago, não mesmo! Agora, pelo que eu sei, a triplicação não ficaria aqui em Guaíba.

JÁ - Não?
Lewgoy - Não despejariam efluente no Lago Guaíba, eles sabem que isso é inviável. A fábrica não seria em Guaíba, seria em Pelotas ou Rio Grande. O despejo do efluente seria no mar, na costa... Essa é a informação que eu tenho. Mas tudo por enquanto é especulação.

JÁ - E a proposta de utilizar o sistema ECF light no branqueamento?
Lewgoy - O processo está sofrendo evolução. Tem três tipos de branqueamento, que é a origem dos poluentes. Tem o ECF, livre de cloro elementar; TCF, que seria o ideal, totalmente livre de cloro – não tem dióxido de cloro nem cloro elementar, somente oxigênio nas várias formas, ozônio, oxigênio injetado mesmo e produtos químicos, muitos. E o ECF light. Eles não estão pensando em usar TCF por causa do gasto, que para eles é realmente importante. O custo relativo do ECF é 100, do ECF light é 125 e do TCF é 180 (ver quadro no fim do texto). O projeto deles é com ECF light, que é um pouco mais caro que o ECF e com rendimento mais ou menos igual. O TCF tem alto custo e alto consumo de energia, mas a melhor qualidade ambiental. Eles que dizem a fibra do TCF é quebradiça, não serve.

JÁ - Essas informações todas com base no EIA/Rima da duplicação?
Lewgoy - Exato. É uma barbaridade o despejo de organoclorados, os AOX. São cancerígenos. As dioxinas, que são um dos AOX, são venenos em quantidades incrivelmente baixas. Precisaram inventar novas unidades para eles: trilionésimo de grama, quadrilionésimo de grama. E a argumentação deles é que as dioxinas atingiram quantidades extremamente baixas. Mas a verdade é que não são medidas. E além das dioxinas tem outros organoclorados, dezenas, talvez centenas, todos nocivos à saúde. A toxicologia moderna não aceita o argumento de que as quantidades são baixas. Porque a água de consumo, leite, refrigerantes, tudo isso é com água tratada do rio. Então, são décadas de ingestão de microvenenos que no fim de contas vão causar danos bem palpáveis.

JÁ - Que tipo de danos?
Lewgoy - Olha, má formação congênita, várias formas de câncer, várias formas de degeneração da matéria cortical do cérebro, como Alzheimer, Parkinson... Tudo isso são efeitos dessas substâncias.

JÁ - Para atenuar o impacto, seria melhor o TCF ou o ECF light?
Lewgoy - O melhor seria não ter despejo nenhum. O TCF ainda é o menos danoso, mas eles não querem. O TCF tem inclusive o menor teor de dioxina na polpa do papel. Claro, ninguém come papel, mas há muitas aplicações. Exemplo, os absorventes femininos que estão em contato direto com a mucosa da vagina. São feitos de celulose.

JÁ - Qual a saída? Lewgoy - Veja, eu uso muito papel. É aí que entra nossa cumplicidade, estamos amarrados à forma de vida da civilização ocidental. E o que está acontecendo é uma coisa bem antiga. O primeiro mundo está colocando no terceiro as fábricas de alto consumo energético e dano ambiental. E aqui o pessoal baba de gozo. “Ah, vamos fazer estrada para vocês, vamos colocar energia elétrica...”. Tudo isso tinha que ser repensado. O Rio Grande do Sul tem tanta potencialidade, produtos agrícolas... Não dá para sintetizar grãos, sintetizar carnes, sintetizar água. E nós temos água. A China, que é o maior pesadelo produtivo do mundo, não tem, estão bebendo aquela água que o “diabo” perfurou. Os rios deles são poluídos. Nós exportamos nossa água, em forma de grãos. Mas está bem, a maior produção ainda está na nossa mão.

O Lutzenberger que falava da importância do pequeno agricultor, da agricultura familiar. Acho que o processo não deveria ser feito com essas espécies que demandam enormes superfícies. Por enquanto não dá para imaginar um mundo sem papel, mas isso contribui para a devastação planetária. E o lago já está com uma recuperação muito difícil, bota mais uma fonte de poluição e o estado fica crítico, irrecuperável. Quer dizer, o rio Tâmisa era irrecuperável, mas... Se bem que ali eles botaram um dinheiro firme, coisa que aqui nós não temos.

JÁ - Há esses projetos de financiamentos internacionais, o Programa Socioamental para tratar esgotos de Porto Alegre, o Pró-Guaíba, que está parado...
Lewgoy - São iniciativas bem razoáveis, já é alguma coisa. Mas como você acabou de dizer, o Pró-Guaíba está parado. É tanta coisa para avaliar que nós precisaríamos de uns 20, 30 especialistas em tempo integral trabalhando. Quem é que vai pagar isso? Tem que ser um cara aposentado como eu, que acumulou uma vida de estudos para poder dizer alguma coisa de algum setor e dê alguns palpites sobre o geral.

Comparação entre os branqueamentos ECF, ECF-Light e TC, segundo alguns parâmetros indicadores de eficiência*
Parâmetro: ECF | ECF-Light | TCF
Custo Relativo: 100 | 125 | 180
Rendimento (%): 96 | 95,5 – 96 | 95
Consumo de Energia: baixo | médio | alto
Qualidade Ambiental: bom | médio | alto
Fechamento Parcial do Circuito: difícil | fácil | fácil
Organoclorados retidos na polpa após branqueamento: < 150 ppm de AOX | < 30-50 ppm de AOX | < 20 ppm de AOX
* Fonte: Colodette et all (2001)
** Tabela obtida no Estudo de Impacto Ambiental do projeto de duplicação da Riocell (2002), encomendado pela Klabin para a EcoÁguas – engenharia do meio ambiente.
Por Guilherme Kolling, Jornal Já

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