Hidrelétrica causa revolta no Mato Grosso do Sul
2006-03-13
Há mais de três décadas uma tragédia ambiental tem assolado os municípios de Selvíria, Aparecida do Taboado, Batayporã e Paranaíba, no Mato Grosso do Sul. A responsável por este infortúnio é a Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira (UHE), de São Paulo, que, com suas inundações anuais, continua provocando a morte de muitas espécies da fauna e da flora do Rio Paraná e destruído o seu leito com o assoreamento e a erosão.
“Acabaram com o habitat dos nossos animais e de nossas matas. A população está desolada”, desabafou José Dodô da Rocha, prefeito de Selvíria (MS), durante mais um grande protesto popular realizado, no dia 19 de fevereiro, para reivindicar da Companhia Energética de São Paulo (CESP) – responsável pela construção e funcionamento da usina –, a recuperação de todas as áreas degradadas e a indenização das famílias de agricultores afetadas pela obra.
A manifestação, que teve o objetivo de conscientizar também outras populações ribeirinhas e chamar a atenção das autoridades do país para o problema, foi uma iniciativa da Prefeitura de Selvíria e do ambientalista Francisco Ramalho, também consultor ambiental do município e organizador do evento. O grito desolado das mais de três mil pessoas que participaram do protesto, algumas delas vindas de caravanas de outras cidades vizinhas, mostrou o quanto a população está revoltada com a destruição das riquezas naturais da região.
Em operação há mais de 30 anos, a UHE de Ilha Solteira funciona até hoje sem licença ambiental. E não se fez qualquer levantamento sobre os impactos ambientais da obra no ecossistema do Rio Paraná: “Nunca fomos procurados pela CESP ou pelo Ibama para discutir sobre o assunto. Eles não podem nos dar a desculpa de que na época da construção não havia legislação ambiental”, afirma o prefeito, acrescentando que, em 1930, já existia o Código das Águas: “Nele está muito claro que se pode utilizar a água para gerar energia, desde que os danos ao meio ambiente sejam reparados”, aponta Dodô.
Francisco disse que este é o terceiro ato público realizado para alertar a CESP sobre o assoreamento, erosão e a destruição do ecossistema do Rio Paraná, provocados pela inundação das áreas próximas à usina. “Só em Selvíria, mais de oito mil hectares de terra são inundados anualmente. Já pedimos ao Ibama para avaliar os impactos, sem sucesso. Nossa gente, nossos animais e plantas não podem continuar pagando por isso”.
Ibama polêmico – A UHE de Ilha Solteira é a maior hidrelétrica do estado de São Paulo e uma das cinco do país. Localizada no Rio Paraná, entre os municípios de Ilha Solteira (SP) e Selvíria (MS), faz parte do sexto maior complexo hidrelétrico do mundo. A área da bacia hidrográfica que compõem a UHE é de 375.460 km2, com vazão média diária de mais de 27.337 m3/s. Uma das principais reclamações dos manifestantes foi sobre a omissão e atraso do Ibama no processo de licenciamento ambiental da usina. “O instituto se tornou apenas uma fábrica de multas. Há uma demora imensa quanto à conclusão da licença”, afirma José Dodô.
Em nota à JB Ecológico, a assessoria de comunicação do Ibama negou que esteja sendo omisso quanto à concessão da licença. Afirmou, ainda, que a usina tem um passivo ambiental anterior à Resolução 237 do Conama, de 1997, e que será realizada ainda este mês uma vistoria nas áreas do entorno da UHE, para estabelecer as possíveis ações de revitalização.
Em resposta à JB Ecológico, o Departamento de Comunicação da CESP ressaltou que a usina teve seu reservatório formado em 1973 e que a legislação ambiental no Brasil teve seu marco regulatório inicial em 1986. Em se tratando daqueles construídos antes desta data, a Resolução do Conama 006/87 definiu, em seu artigo 12, parágrafo quinto, que “sua regularização se dará pela obtenção da Licença de Operação sem a necessidade de apresentação de Relatório de Impacto Ambiental”.
A empresa também nega que ela tenha deixado de indenizar as famílias que tiveram suas áreas inundadas. E que, há mais de 33 anos, a companhia “procedeu, legalmente, à desapropriação destas áreas, antes de iniciar o processo de enchimento do reservatório”.
Quanto à licença de operação, a companhia confirmou que a regularização do processo ainda se encontra em andamento no Ibama. O pedido da licença – que deve ser solicitada antes do empreendimento entrar em operação, pois é ela que autoriza o funcionamento da usina - foi feito em 16 de abril de 1998.
Grito ecológico – Durante a manifestação foram realizadas apresentações de grupos teatrais e de dança, capoeira e da banda da cidade de Selvíria, composta na sua maioria por crianças e jovens carentes da região. O tema das performances foi a destruição do Rio Paraná pelo assoreamento e morte de animais e plantas.
Para Francisco Ramalho, a participação ativa da população no evento é a garantia de que eles conhecem o problema e querem soluções das autoridades: “Vi as pessoas reclamando da destruição, agradecendo por estarmos ajudando na preservação de nosso patrimônio natural. O povo sabe que com o meio ambiente não se quebra galho, se compensa recuperando”.
Rafael Bonifácio, de 30 anos, também mora em Selvíria e se diz indignado com a situação. “Nosso município é humilde, não temos condições de brigar com um gigante como a CESP. Queremos que nosso grito seja ouvido, que o meio ambiente seja preservado e que a população seja recompensada por estes danos, que também atrasaram o progresso de outras cidades ribeirinhas”.
Perdas irreparáveis - De acordo com a prefeitura de Selvíria, durante as últimas três décadas, a UHE de Ilha Solteira já faturou mais de R$ 20 bilhões. “Se 1% deste valor tivesse sido investido em meio ambiente, alguns danos à flora e fauna da região não teriam se tornado irreversíveis”, avalia o prefeito indignado.
Como a usina pertence ao estado de São Paulo e mais de 70% da área alagada está no Mato Grosso do Sul, estima-se que mais de R$ 100 milhões de ICMS deixaram de ser repassados às cidades afetadas. “Sem contar que a usina é um complexo, que também engloba a UHE Engenheiro Sérgio Motta (Porto Primavera), onde parte de sua área está dentro dos limites do nosso município”, acrescentou o prefeito.
(JB Ecológico, 13/03/06)