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2006-03-13
Hoje, 80% dos gases emitidos pelo Brasil na potencialização do efeito estufa vêm de queimadas. Luiz Gylvan Meira Filho é um dos pesquisadores brasileiros mais conceituados no meio científico internacional e está entre as grandes autoridades mundiais sobre as alterações climáticas por interferência humana. Ele falou com exclusividade à Gazeta Mercantil sobre estudos e ações voltadas para diminuir o impacto das alterações no clima da Terra e a colaboração do Brasil neste cenário. Atualmente, 80% dos gases emitidos pelo País na potencialização do efeito estufa são oriundos de queimadas e já somos responsáveis por 3,5% dessas emissões mundiais.

Em seu vasto currículo, esse doutor em astrofísica pela Universidade do Colorado (EUA), engenheiro pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), traz, entre outras ocupações, a direção-geral do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a primeira presidência da Agência Espacial Brasileira (AEB), da qual foi também fundador.

No ano de 2003 assumiu o cargo de conselheiro científico sênior da Secretaria da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e atualmente é presidente dos Grupos de Negociação dos Artigos três (metas de redução de emissões dos países industrializados) e 12 (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), ambos do Protocolo de Kyoto. É também professor visitante da Universidade de São Paulo (USP).

Gazeta Mercantil - O senhor trabalha no projeto que prevê a formulação de ferramentas públicas para diminuir os efeitos do aquecimento global. Quais as propostas?

Luiz Gylvan Meira Filho - É meu programa de trabalho no Instituto de Estudos Avançados (IEA), da USP. As Nações Unidas, o Painel Intergovernamental da ONU ou mesmo os cientistas publicam estimativas de quais serão as mudanças no clima como resultado de todas as emissões globais. Mas o formulador de políticas públicas não tem ação direta sobre as emissões globais. No máximo terá atuação em alguns casos sobre as emissões de um setor ou uma fábrica. É essencial que um tomador de decisão incorpore o julgamento de qual será o efeito de sua ação sobre a mudança de clima e a eficácia deste procedimento. Essa ferramenta para a tomada de decisão está concluída e já pode ser utilizada.

Gazeta Mercantil - E o que mais?

Meira Filho - A segunda parte é muito mais complicada, pois trata da formulação sistemática do processo decisório em relação à mudança de clima. Na realidade, as pessoas, as empresas e os governos do mundo têm que saber o quanto de inação, adaptação e redução de emissões se tem que fazer. Isto implica em julgamentos sobre custos e valores de danos a serem evitados. Daí aparecerá uma série de problemas a ser discutido de uma maneira muito clara. Neste caso, em particular, vale a percepção de qual o fator de aversão e o valor atribuído ao fato de se evitar um dano ambiental daqui a 40 anos. Isto será trazido para o presente e então compararemos aos custos atuais em reduzir o impacto dessas emissões. Isto ajudará a equacionar o problema de uma forma objetiva.

Gazeta Mercantil - E passa por todas as esferas do poder?

Meira Filho - Evidente que todas as esferas do poder, principalmente a procuradoria, devem se envolver.

Gazeta Mercantil - O senhor coordena no Brasil o projeto Basic. Do que se trata?

Meira Filho - É um consórcio internacional feito com a China, Índia, África do Sul e do Brasil que querem um maior intercâmbio para buscar um diálogo especial sobre como devem ser nossas abordagens nas negociações para o futuro regime de Mudança Global do Clima. Pois é premente que pensemos na segunda fase do Protocolo de Kyoto.

Gazeta Mercantil - O senhor está com uma grande interface tanto com os pesquisadores da Índia quanto da China. O novo relatório da Word Watch Institute afirma que se esses países mantiverem o ritmo atual de crescimento existirá uma crise iminente de recursos naturais e uma conseqüente crise econômica global. Como isto é tratado neste painel que o senhor coordena?

Meira Filho - Pelo projeto Basic, estive no mês passado em Pequim com cientistas chineses estudiosos da questão. Eles colocaram a situação de outra forma, diferente da WWI, não em termos de uma crise de recursos naturais, mas como algo relativo ao momento. Um dos exemplos apresentados foi o alto consumo de aço, que naturalmente deve atingir um limite porque eles estão construindo infraestrutura. Uma vez estabelecido o limite, esse consumo não é mais necessário.

Gazeta Mercantil - Alguns estudiosos criaram o termo "Economia Ecológica", que estaria substituindo a industrial. E estaríamos numa fase de transição para uma nova ordem mundial. Como o senhor analisa isso?

Meira Filho - O Protocolo de Kyoto inovou mundialmente ao criar vários mecanismos, como o do desenvolvimento limpo, que cria na prática uma forma de atribuir valores à redução do gases do efeito estufa e, portanto, gera o chamado comércio de crédito de carbono. A força motriz desta atribuição de valor é a limitação de emissões por vontade política dos governos. (...) Eu não gosto destas denominações como "economia ecológica" em substituição à industrial. A indústria é necessária. O que ocorrerá cada vez mais é a introdução das emissões nas equações de custo das economias, isto em todas as indústrias e acontecerá muito rapidamente.

Gazeta Mercantil - Vemos uma nova expansão agrária, que tem avançado sobre a mais importante reserva natural do planeta, a Amazônia. Qual a dificuldade para a implementação das medidas ambientais estabelecidas nos acordos internacionais no Brasil?

Meira Filho - Primeiro é preciso se estabelecer com clareza, até por questão de ordem legal junto a Convenção do Clima, quais os programas nacionais para limitar as emissões. Faz parte de um programa ter metas e isso ainda não é feito de forma sistemática no Brasil. O Fórum Brasileiro Sobre Mudança Global do Clima, presidido pelo professor Luiz Pinguelli Rosa, recomendou ao governo o estabelecimento de metas quanto à marcha do desmatamento sobre a Amazônia. Isso ainda não foi feito. Eu não acredito em programas que não tenham metas.

Gazeta Mercantil - O embate entre a Agricultura e o Meio Ambiente sobre o avanço da agropecuária na Amazônia Legal chega a ser preocupante?

Meira Filho - Preocupa sim. O Ministério do Meio Ambiente tem feito um excelente trabalho na questão da extração de madeira e na manutenção das áreas de conservação. O ministro Roberto Rodrigues me disse pessoalmente que está preocupado com as mudanças climáticas. O mesmo me foi confirmado pela direção da Embrapa. Esse problema deverá ser tratado pelo Ministério da Agricultura para que as ações cheguem além do controle da retirada de madeira e da preservação das áreas de conservação.

Gazeta Mercantil - Pode haver uma pressão externa ainda maior sobre o Brasil para aumentar as ações de preservação da Amazônia?

Meira Filho - Eu não vejo essa pressão. O maior interessado em controlar isso é o próprio Brasil. Não podemos esquecer que um dos efeitos mais importantes na mudança climática global é exatamente sobre a nossa floresta amazônica, que teria suas bordas transformadas em savanas.

Gazeta Mercantil - O cientista James Lovelock, criador da Hipótese de Gaia, afirma que o aquecimento global já é algo irreversível e que as medidas mitigadoras não teriam mais efeito. Qual sua opinião a respeito desta avaliação?

Meira Filho - Ele tem razão quanto à mudança global que estamos vivendo. Hipoteticamente, se hoje tivéssemos uma máquina que retirasse da atmosfera todos os gases do efeito estufa e trouxesse os valores da atmosfera para a Era Pré-Industrial, ainda assim, (...) os oceanos que já esquentaram vão continuar quentes e esfriando muito devagar. A parte superficial na faixa de 20 a 30 anos e na profunda, cerca de 500 anos. Neste sentido o Lovelock tem toda razão e a comunidade científica sabe disso. Já quanto à ineficiência das medidas mitigadoras, não é exatamente como foi colocado. Temos que trabalhar muito para evitar que o clima mude e se comprometa no futuro à vida no planeta. É uma questão de sobrevivência, precisa ser feito.

Gazeta Mercantil - O senhor acredita que já haja uma consciência plena do problema no meio empresarial e industrial?

Meira Filho - Eu diria que especialmente neste meio existe essa consciência, pois são pessoas práticas, acostumadas a resolver problemas sem emoções. Eu diria que todas as grandes empresas estão conscientes da necessidade desse esforço.

Gazeta Mercantil - Tanto no primeiro mundo como nos países emergentes?

Meira Filho - Num mundo globalizado tanto faz. Podem-se ver ações tanto na Petrobras como na Vale do Rio Doce, aqui mesmo no Brasil, que são iguais a qualquer outra empresa mundial. Aqui em São Paulo temos um ótimo exemplo disso, a Fiesp sabe muito bem da importância de se combater os níveis de emissão dos gases do aquecimento global.
(GM, 13/03/2006)

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