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2006-03-13
O segurança João Fernandes Guides guarda, "há uns dez anos", quatro pneus em sua casa no Jaraguá, na capital paulista. "Deixo na garagem para não encostar o carro na parede." Detalhe: atualmente Guides nem tem automóvel. "Minha esposa insiste para eu jogar fora e penso em fazer isso."

É por usos e costumes como esse que o controle do destino dos pneus velhos, crucial para a proteção do meio ambiente, vai muito além de uma questão de legislação ou de boa vontade dos responsáveis. Neste ano, pelo menos 45 milhões de pneus serão descartados e substituídos por novos. Eles deveriam ser recolhidos por fabricantes e importadores e entregues para reciclagem, conforme prevê resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). As empresas admitem que vão cumprir no máximo 20% dessa meta, pois muitos pneus não estarão disponíveis porque ficam nas mãos dos consumidores. E ninguém sabe onde vão parar.

Um suposto passivo de 100 milhões de pneus velhos, citado por entidades ambientais, não existe mais, afirmam grandes fabricantes. Elas informam que nos últimos quatro anos recolheram e destruíram essa quantidade de carcaças. A constatação das fabricantes, que devem ser multadas pelo terceiro ano seguido por não cumprirem a meta do Conama, mostra que o Brasil, apesar de ter uma das mais avançadas e rigorosas normas sobre pneus inservíveis, tem dificuldade em controlar o destino das peças retiradas de carros, motos e bicicletas.

O negócio da reciclagem cresceu no País a partir de 2002, quando a Resolução 258 do Conama entrou em vigor, mas a destinação dos pneus, produto de difícil biodegradação e foco de doenças como a dengue, ainda é um sério problema. Carcaças são estocadas de forma irregular, algumas nas casas dos consumidores.

A gerente de projetos da Secretaria de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Gricia Grossi, admite que o órgão não tem dados sobre o passivo atual de pneus, mas acredita ser ainda grande. "Não concordo com ajustificativa das fabricantes em relação à dificuldade de localizar pneus." Falta, em sua opinião, campanha de esclarecimento à população, incentivo para a entrega e melhor logística de coleta.

Estudo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) em 11 Estados conclui que metade dos pneus substituídos não tem destinação correta: 36,9% dos clientes ficam com os pneus e 17,3% têm destino desconhecido ou vão para usos diversos, como balanços infantis e amparos de garagens. Este ano, o IPT fará nova pesquisa para saber o que o consumidor faz com as peças levadas para casa.

REFORMA
Parte dos pneus volta a circular depois de um processo de reforma que pode ser a recapagem, a recauchutagem ou a remoldagem. A parcela destinada à reciclagem vira matéria-prima para outros produtos como asfalto de borracha, cada vez mais usado em rodovias.

A meta do Conama para este ano é recolher 5 para cada 4 pneus novos fabricados. Em 2004, 7 empresas, entre as quais Pirelli, Goodyear, Firestone e Michelin, foram multadas em R$ 20 milhões por não cumprirem a meta, mas estão recorrendo na Justiça. A multa de 2005 ainda não foi emitida, mas deve superar esse valor.

Além da produção nacional, que atingiu 53,4 milhões de unidades em 2005, o País recebeu 10,5 milhões de pneus usados importados, principalmente da Europa. A importação é proibida, mas empresas de reforma têm obtido liminares. Os importadores também foram multados em R$ 5,7 milhões, dos quais R$ 3,8 milhões estão sendo cobrados da BS Colway, a maior remoldadora do País.

Segundo o secretário-executivo da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip), Walter Tegani, a entidade criou em todo o País 175 centros de coleta, os Ecopontos, mas o volume entregue é muito abaixo da meta do Conama. "No ano passado investimos R$ 26 milhões no processo de transporte, trituração e destinação de pneus e ainda assim conseguimos recolher metade do previsto." A Anip reivindica meta próxima a 11 milhões de unidades,com base nas vendas ao mercado de reposição e no volume de pneus disponíveis para coleta. "Mudanças estão sendo estudadas, mas dificilmente serão aplicadas este ano", avisa Ruth Rodrigues Tabaczensqi, assessora técnica do Conama.

Foi a Anip que solicitou ao IPT o estudo sobre a destinação dos pneus e tem usado o resultado - indicando que só 26,5% dos produtos descartados estão disponíveis para coleta e destinação final - para pedir a redução das cotas. "A meta atual é inexeqüível", reforça o presidente da Goodyear, Chris Corcoran.

Com dados diferentes do Conama, o pesquisador do IPT Carlos Alberto Leite calcula em 22 milhões o volume de pneus descartados todo ano. Só 1% vai para os Ecopontos. "O pneu é propriedade do consumidor e não pode ser retirado."

A Porto Seguro recolheu entre novembro e fevereiro 5 mil pneus. Uma campanha dava camisetas em troca da carcaça.

UE quer enviar lixo para o Brasil
Dar destino ambientalmente correto aos pneus velhos é preocupação mundial . A gerente de projetos da Secretaria de Qualidade do Ministério do Meio Ambiente, Gricia Grossi, lembra que nenhum processo, mesmo os aprovados pelo Conama, como a reutilização do pó de borracha misturado ao asfalto é isento de problemas ambientais. No mundo, a produção anual de pneus é estimada em 1 bilhão de unidades. Nos cálculos de Gricia, volume igual é descartado. Só a Europa produz mais de 200 milhões de inservíveis ao ano. Normas ambientais da região proíbem, a partir de julho, o descarte em aterros.

Na visão de Gricia, a necessidade de encontrar destinação para esses pneus pode ser a justificativa da União Européia para entrar com queixa contra o Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) para que o País libere a importação de pneus remoldados. "Seria uma forma elegante de mandar o lixo para nós", diz. Há dois projetos de lei em discussão no Congresso. Um transforma em lei o decreto que proíbe a importação de usados, o que acabaria com a onda de liminares obtidas por empresas de reforma. Outro libera a entrada. A decisão cabe ao presidente Lula, que terá de enfrentar, além da OMC, membros de sua base parlamentar. O projeto de liberação é do senador Flávio Arns, do PT do Paraná, sede da BS Colway.

Em São Paulo, uma montanha reaproveitada por mês
Uma montanha com 800 toneladas de produtos estocada no pátio da Utep - Unidade de Tratamento Ecológico de Resíduos de Pneus, em Guarulhos, na Grande São Paulo, é triturada mensalmente. Os resíduos viram compostos para pisos de quadras esportivas, asfalto e combustível para fornos de cimenteiras. Parte é exportada.

"Para nós, não falta matéria-prima", afirma Silvio Zambello, diretor e um dos sócios da Utep. Ele recebe pneus de carcaceiros e de prefeituras que recolhem o produto nas ruas. Criada há três anos, a empresa tem 21 funcionários e exporta cerca de 200 toneladas por mês de granulados e pó de borracha para a Inglaterra e o Peru.

Após a Resolução 258, publicada pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) em 1999, que entrou em vigor em 2002, o número de empresas cadastradas para recolher e destruir pneus inservíveis passou de 4 para 43, informa Zilda Maria Veloso, técnica do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)".

Um número desconhecido de empresas atua no mercado informal. O setor movimenta cadeia que envolve, além de fabricantes, revendedores, reformadores, borracheiros, sucateiros, picotadeiras e laminadores. No sistema de reciclagem, máquinas retiram os fios de aço dos radiais. Outro equipamento corta a borracha em pedaços e um terceiro transforma as peças em granulados de diferentes espessuras ou em pó.

Um dos fornecedores da Utep é o Comércio de Pneus Via Leste, da zona leste da capital paulista, que faz coleta nas ruas, entre borracheiros e transportadoras. "Alguns são recuperados e revendidos, outros vão direto para a reciclagem", afirma Ivo Francisco dos Anjos, no ramo há pelo menos 20 anos. Antes das empresas de reciclagem, o destino dos inservíveis eram aterros, lembra ele.

A CBL, recicladora de São Bernardo do Campo (SP), processa cerca de 48 mil toneladas de pneus por ano. Com o resíduo, produz solas e saltos de sapato, tubulação para águas pluviais, chips (pedaços) de pneus, granulado, cintas para sofás e placas de borracha.

A Borcol, fabricante de tapete automotivo, chegou a ter 4 milhões de pneus em seu pátio, em Sorocaba (SP). Após fiscalização, fez acordo com a Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip), que instalou no local uma máquina de picotar e o estoque passivo foi praticamente eliminado.
(O Estado de S. Paulo, 12/03/06)

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