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2006-03-10
Apesar de reduzidas, as chances de a gripe aviária chegar ao Brasil não devem ser descartadas. Segundo especialistas reunidos nesta quarta-feira (8/3), na sede da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em São Paulo, o maior risco da chegada da doença é por meio das aves migratórias.

“Não sabemos se haverá uma pandemia de proporções mundiais, mas hoje as chances são muito maiores do que em 1997, quando surgiu a cepa do H5N1 [vírus causador da doença]. Por conta disso, estamos nos preparando”, disse José Cerbino Neto, coordenador do Centro de Internação do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

A influenza aviária é uma zoonose transmitida basicamente entre aves silvestres e que, eventualmente, pode atingir seres humanos. Os casos de infecção humana em países da Ásia e Europa têm ocorrido devido ao manuseio de fezes e sangue de aves infectadas. A variante mais temida do vírus causador da doença, o H5N1, foi identificado pela primeira vez em 1997, em Hong Kong, e já matou 92 pessoas.

Por enquanto, a gripe aviária ainda não é transmitida entre pessoas, muito menos pelo consumo de carne de aves infectadas, pois o processo de cozimento dos alimentos elimina o vírus. A grande preocupação é que mutações genéticas do vírus possam tornar a doença contagiosa entre seres humanos.

Segundo Cerbino Neto, o conhecimento clínico sobre a doença no país ainda está em construção, com base nos cerca de 180 casos em humanos registrados até agora em todo o mundo. “Temos poucas descrições para chegar a um quadro completo de como essa doença poderá se apresentar no Brasil. O conhecimento muda a cada novo caso descrito”, explica. “Não necessariamente o vírus que possa causar uma pandemia mundial será o mesmo que hoje está provocando a gripe aviária. Ele pode sofrer muitas mutações até se tornar um vírus pandêmico.”

A principal precaução adotada mundialmente é um plano de prevenção desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). No Brasil, esse plano está sendo gerido pelos ministérios da Saúde e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. A idéia é fazer com que todos os Estados adotem medidas de acordo com suas realidades regionais.

“A preparação para uma possível pandemia mundial da doença está dividida em seis fases, que vão desde a fase interpandêmica até a de pandemia instalada. O Brasil está atualmente trabalhando na fase 3 da OMS, que corresponde à ocorrência de casos esporádicos fora do nosso continente”, conta Cerbino Neto. Isso quer dizer que devemos hoje contar com um aparato máximo de biossegurança para o diagnóstico e tratamento de casos importados, pois ainda não há registros de transmissão dentro do país.

Ariel Mendes, professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, ressalta que ainda não foi confirmado nenhum caso no país e que só no Estado de São Paulo são analisadas em média três suspeitas por semana da doença em animais. “Quando maior é a exposição do problema na mídia, maior o número de casos suspeitos. Essas análises servem para testar a estrutura de defesa instalada no país”, conta.

Capacidade nacional
O governo federal liberou R$ 30 milhões ao Instituto Butantan para a construção de um laboratório que deverá produzir vacinas para a doença a partir de 2007. “O Butantan será a primeira instituição brasileira a produzir a vacina humana para a influenza aviária. A princípio, serão produzidas vacinas para as outras variantes de vírus que mais circulam em todo o mundo, o H3N2, o H2N1 e o H1N1, que não têm a mesma patogenicidade do H5N1”, disse Edison Luiz Durigon, professor titular do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP).

O instituto também possui uma cepa do H5N1 e produzirá experimentalmente uma vacina para o vírus em pequena escala, algo em torno de 20 mil doses, para servir de estoque estratégico em caso de emergência. No caso de uma pandemia, primeiro será preciso esperar a mutação do H5N1 e identificar qual o tipo de vírus que poderá ocorrer no Brasil.

“Só após a mutação será possível formular uma nova vacina para a realidade brasileira. Como ainda não temos o vírus instalado no país, a aplicação da vacina em humanos será apenas para casos selecionados ou para eventuais surtos”, disse Durigon. Imigrantes asiáticos que possam chegar ao Brasil infectados, brasileiros que precisam viajar para países endêmicos e virologistas que lidam diretamente com as pesquisas seriam alvo das doses produzidas pelo Butantan.

O pesquisador também acredita que todo o estado de alerta que se criou para uma possível pandemia mundial da doença é totalmente justificável. “Temos que estar preocupados, apesar de não ser preciso entrar em pânico, pois o H5N1 pode nunca se adaptar ao homem. O que preocupa é o alto grau de letalidade do vírus, além da sua fácil adaptação em células de mamíferos, o que o torna um forte candidato a se tornar pandêmico”, afirmou Durigon.

Segundo o professor da USP, atualmente o Estado de São Paulo tem 22 laboratórios especializados em virologia. “Desse total, sete contam com equipamentos de seqüenciamento de vírus capazes de diagnosticar o H5N1 em no máximo três dias”, disse. Esses laboratórios foram criados com auxílio da Rede de Diversidade Genética de Vírus (VGDN), da FAPESP.
Por Thiago Romero , Agência Fapesp

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