Brasil define posição liberal para Protocolo de Cartagena
2006-03-10
O presidente Lula interveio na disputa política interna em que se transformou a
definição da posição brasileira no Protocolo de Biossegurança de Cartagena e
decidiu defender o uso da expressão "pode conter" para identificar organismos
geneticamente modificados no transporte internacional. A reunião sobre o
protocolo está marcada para a próxima semana, em Curitiba.
A decisão, segundo apurou o jornal Valor, foi comunicada aos ministros Dilma Rousseff
(Casa Civil) e Roberto Rodrigues (Agricultura) na noite de sexta-feira (03/03),
em reunião no Palácio do Planalto. Lula atendeu integralmente ao lobby do
agronegócio, mas deve despertar pesadas críticas e manifestações contrárias de
ONGs ambientalistas e movimentos sociais que defendiam a adoção da expressão
"contém" para as cargas de transgênicos. O presidente amparou-se numa decisão
prévia, onde oito ministérios votaram pelo "pode conter" e derrotaram três pastas.
Hoje (10/03), o Itamaraty começará a negociar com um grupo de 25 países a proposta
brasileira, que deve desagradar aos países africanos e, sobretudo, à União
Européia. Até agora, os diplomatas trabalhavam numa proposta alternativa para
usar o "contém" em cadeias produtivas onde fosse segregar grãos ou sementes e
"pode conter" para os demais segmentos. As regras do protocolo envolvem interesses
comerciais de 132 nações participantes da Convenção da Diversidade Biológica da
Organização das Nações Unidas (ONU), em vigor desde 1992.
Marcado por uma profunda divisão interna, o Brasil travou as discussões sobre o
protocolo na última reunião, em junho de 2005, em Montreal (Canadá). Agora, como
anfitrião das discussões, o país foi pressionado a rever sua postura conservadora
e a apresentar uma posição definitiva sobre o tema. No Canadá, o Brasil bloqueou
as negociações preocupado com o uso do acordo como barreira não-tarifária - a
mesma tese das indústrias exportadoras de grãos e sementes. E acusou a União
Européia de liderar um boicote ao país. Só a Nova Zelândia defendeu a posição do
Brasil.
As divergências nos bastidores do governo reeditaram a mesma briga travada entre
ambientalistas e defensores do agronegócio nas negociações da nova Lei de
Biossegurança. De um lado, estão os ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento
e da Ciência e Tecnologia. De outro, estão Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário
e Secretaria da Pesca.
Em vigor desde 2000, o protocolo também prevê identificação dos transgênicos e
criação de mecanismos para responsabilizar e compensar danos causados ao ambiente
e à saúde. Como o texto se aplica ao comércio, armazenagem, identificação e uso
de todos os transgênicos que podem afetar a biodiversidade e a saúde, a oposição
brasileira pode ter conseqüências. A UE, maior compradora de produtos agrícolas
do país, quer as regras. E a China também ratificou o protocolo.
(Valor
Econômico, 09/03/06)