Quem tem medo da energia nuclear?
2006-03-09
A energia nuclear já teve um futuro promissor. Na década de 50, o desenvolvimento
da tecnologia para fins pacíficos era anunciado com orgulho. Era, nas palavras de
então, uma "energia tão barata que nem valeria a pena cobrar por ela". A realidade
se encarregou de destruir essa esperança. Os acidentes de Tree Miles Island, em
1979, e Chernobyl, em 1986, transformaram-na em medo. Tanto que, no final da
década de 90, os Estados Unidos, donos da maior rede de usinas, cancelavam os
planos para qualquer nova instalação. A Alemanha, pressionada pelo Partido Verde,
anunciava a substituição de seus reatores por outras fontes. A Suécia também.
Pois agora, com a progressiva crise do petróleo, os reatores atômicos voltaram ao
jogo energético global. E - acredite - por razões também ecológicas.
Cada vez mais pesquisas confirmam que os gases da queima de petróleo em carros e
usinas termelétricas estão alterando o clima do planeta. "Cresceu a consciência
de que a combustão de combustíveis fósseis como o petróleo contribui para o efeito
estufa", diz Ian Hutchinson, diretor do Departamento de Engenharia e Ciência
Nuclear do Massachusetts Institute of Technology (MIT). "A energia nuclear não
emite gás carbônico e produz energia em larga escala." Os reatores nucleares,
segundo Hutchinson, passaram a ser vistos como uma das principais opções para
enfrentar uma crise do petróleo, cada vez mais caro e mais sensível à
instabilidade no Oriente Médio.
O entusiasmo político pela via nuclear tem originado projetos ambiciosos. O plano
mais ousado é o da China, que pretende construir mais 30 usinas até 2020. A Índia
também anunciou oito, em cooperação com os EUA e a França. Essas novas usinas
usam uma tecnologia que promete mais segurança. Trata-se de um modelo de reator
batizado, em inglês, de pebble bed (algo como "leito de seixos"). A confiança está
no design. O urânio que alimenta o reator fica dentro de estruturas parecidas com
bolinhas de golfe, os tais seixos. Eles dissipam o calor e evitam o
superaquecimento do combustível ou seu escape - o que tornaria impossível um
acidente como o de Chernobyl. Para refrigeração, nesse novo sistema usa-se o
inofensivo gás hélio, e não água, utilizada nos reatores convencionais - que
contém oxigênio, também combustível. O único problema ainda sem solução na nova
geração de reatores é o destino dos resíduos radioativos ao fim da reação.
A solução pode estar em outro tipo de reator, chamado fast-breeder (algo como
"chocador veloz", que consome quase todo o combustível composto de urânio e
plutônio. Esse tipo de reator ainda pode aproveitar os rejeitos deixados por
outras usinas. "Há alguns em operação na França e na Rússia, mas eles ainda não
se mostraram economicamente viáveis", afirma Ricardo Galvão, diretor do Centro
Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Os reatores do tipo fast-breeder são
vistos como um caminho provável da tecnologia nuclear.
A nova geração de reatores mais eficientes levanta outro fantasma, ainda mais
apavorante que o risco de acidentes: a tecnologia empregada para beneficiar o
urânio e o plutônio para os reatores mais modernos também pode, na prática, ser
aplicada para fazer plutônio usado em bombas atômicas. Por isso, desperta
ansiedade a decisão do Irã de desenvolver pesquisas próprias para energia nuclear.
"Temos consciência de que nada substituirá o petróleo, mas também precisamos
investir em combustíveis alternativos", disse a ÉPOCA Haddad Adel, presidente do
Parlamento do Irã. Ninguém acredita que o interesse do Irã seja energético.
Afinal, o país está plantado em cima da terceira maior reserva mundial de
petróleo. Na semana passada, a Rússia se ofereceu para enriquecer o urânio para o
Irã, mas as negociações ainda estão emboladas. "Nosso país não aceitará nenhuma
proposta que não seja válida para nosso povo", afirmou Adel. Por enquanto, a
proliferação da capacidade nuclear está destinada a virar um pesadelo diplomático.
Outra questão crítica é a viabilidade econômica da via nuclear. Ninguém sabe
exatamente quanto custa um reator nuclear até ele ficar pronto. Estima-se que
saia por cerca de R$ 7 bilhões. Mesmo assim, boa parte do custo é mascarada por
subsídios estatais. Para países como Japão, China ou Rússia, pode não haver outra
opção. "Os preços do petróleo e do gás continuam subindo, e já está claro que não
vão cair. Isso pode causar um colapso na economia", diz o cientista russo Yevgeny
Velikhov, um dos principais mentores da política energética da Rússia. A energia
nuclear já representa 20% do total gerado na Rússia. No Brasil, a história é
outra. As usinas de Angra 1 e 2 fornecem apenas 3,8% da eletricidade do país.
Mais de US$ 750 milhões já foram gastos com a construção inacabada de Angra 3.
Pelo menos mais US$ 1,8 bilhão seriam necessários para deixar a usina funcionando
em 2012. "O Brasil vai precisar de todas as fontes de energia, e a nuclear deve
estar na lista", diz Edson Kuramoto, presidente da Associação Brasileira de
Energia Nuclear. Mas hoje parece uma aposta muito alta para um país com outras
opções, como reservas de gás natural, álcool e rios com potencial hidrelétrico
ainda inexplorado.
A única tecnologia capaz de dissipar todas as dúvidas sobre os reatores atômicos
é a fusão nuclear, considerada uma espécie de pedra filosofal da Física. A idéia
é produzir energia a partir de átomos de hidrogênio, obtendo, como resultado da
reação, o inofensivo gás hélio. Seria o fim dos dejetos radioativos e do temor de
material desviado para fazer bombas. Na década de 90, pesquisas em laboratório
comprovaram que, em teoria, é possível montar um reator de fusão. Mas ainda falta
provar que ele é tecnicamente viável. No ano passado, um consórcio internacional
decidiu construir um protótipo de 6 bilhões de euros (cerca de R$ 18 bilhões). A
máquina, plantada na cidade francesa de Cadarache, deverá entrar em operação em
2015. O projeto é um esforço conjunto de Coréia do Sul, Japão, Estados Unidos,
União Européia, Rússia e China. O reator é uma grande câmara de aço em forma de
pneu, com um volume equivalente a meia piscina olímpica. Dentro dele, campos
magnéticos serão utilizados para tentar fazer o gás hidrogênio chegar a uma
temperatura superior a 100 milhões de graus Celsius, seis vezes mais quente que o
núcleo do Sol. Essa é uma das principais dificuldades técnicas do projeto.
Pesquisas realizadas sugerem que só mesmo um reator de grande porte pode provar
se a fusão é de fato uma fonte de energia viável. É uma aposta pesada. Mas há
muito em jogo. Se a técnica da fusão nuclear for dominada, a era do petróleo
finalmente terá se encerrado no planeta.
Como os novos reatores de seixos prometem mais segurança
Varetas – Nos reatores comuns, o combustível nuclear (urânio) fica em varetas
metálicas que exigem um sistema impecável de refrigeração para evitar
superaquecimento
Seixos – Nos novos reatores de seixos, milhares de grãos de urânio ficam dentro
de esferas do tamanho de bolas de golfe que controlam o calor da reação nuclear
Milhares dessas esferas produzem energia sem risco de derreter o núcleo reator.
Por isso, ele precisa de menos proteção externa
O que os novos reatores não resolvem ainda é o que fazer com o lixo nuclear. A
cada três anos de operação, é preciso trocar o combustível da usina.
(Época,
06/03/06)