Vida selvagem inexiste em ecoturismo brasileiro
2006-03-09
Sou um entre milhões de ecoturistas que são atraídos primariamente pela vida
selvagem. Somos um grupo heterogêneo que inclui observadores de aves que querem
adicionar a espécie de número 9 mil à sua “life-list”, fotógrafos com pretensões
mais ou menos profissionais e todos aqueles que querem ver ao vivo o que faz boa
parte da programação do Discovery Channel. Ter aquela sensação de descoberta que,
se eu pudesse engarrafar, me faria milionário.
Este não é o tipo de ecoturista habitual no Brasil. Aqui, ecoturismo quase sempre
acaba em cachoeira, topo de morro ou praia. Há poucos lugares onde a vida
selvagem é o maior atrativo. O Pantanal certamente é o principal destino de quem
quer ver bicho. Os parques nacionais de Emas e Bonito também, com a ênfase na
fauna aquática do último. Os pontos onde baleias jubartes e francas se concentram,
em Abrolhos e Santa Catarina, podem ser incluídos nessa categoria.
Eu poderia acrescentar vários destinos habituais que atraem observadores de aves,
como Itatiaia, Iguaçu e a Serra da Canastra, mas, realisticamente, o que atrai o
grosso dos visitantes a esses lugares é cachoeira. Ou o visual do alto de uma
serra. Os bichos são coadjuvantes, em geral como acessórios dos jardins de hotéis
e pousadas, como podemos ver em Itatiaia ou Foz do Iguaçu.
Essa situação é o oposto do que ocorre em países que têm no turismo o ponto forte
de sua economia, como África do Sul, Botsuana, Tanzânia e Quênia. Cachoeiras,
praias e mesmo a beleza e cultura dos povos locais estão bem abaixo na lista do
que atrai turistas. A fauna selvagem, tanto os grandes animais da savana africana
como a espetacular fauna marinha (tubarões-brancos na África do Sul, recifes de
coral na Tanzânia e no Quênia), é que sustenta boa parte da economia.
Bom exemplo
Cheguei há pouco das ilhas Falklands e descobri que naquele arquipélago de 2.400
habitantes (quase o mesmo que a entupida Fernando de Noronha) o turismo é a
indústria que mais cresce. Mais que a pesca e certamente muito mais que a
centenária, mas estagnada, ovinocultura. Turismo nas Falklands significa 30 mil
pessoas chegando em navios de cruzeiro ou por avião ao longo de quatro meses para
ver colônias de albatrozes, pingüins, biguás e elefantes marinhos, entre outros.
Não há cachoeiras e as praias têm águas frias demais. Propriedades que se
dedicavam a criar ovelhas estão derrubando suas cercas enquanto seus donos se
tornam empresários de pingüins.
As Falklands têm um passado negro com relação à fauna. Mais de meio milhão de
pingüins foram mortos e fervidos para extrair seu óleo. O único mamífero
terrestre nativo, a raposa warrah, foi extinto. É uma revolução que o mesmo
pingüim que só servia como fonte de óleo hoje tenha mais valor vivo como atração
turística. E que a indústria pesqueira seja controlada para permitir que as
populações de aves marinhas se recuperem.
Das cinco espécies de pingüins que nidificam nas Falklands, minha favorita é o
rockhopper. Por alguma razão essa espécie estabelece suas colônias próximas a
falésias e precipícios que despencam no mar, o que faz as aves terem que saltar
de rocha em rocha (daí o nome) para descer ao mar e para retornar aos ninhos. Os
pingüins não se abalam com o perigo nem com a distância. Um dos espetáculos mais
impressionantes é o retorno dos pingüins vencendo ondas enormes que os martelam
contra as rochas até se agarrar e escalar paredão acima. Se Nietzsche conhecesse
os rockhoppers, eles seriam o modelo de seu super-homem.
Na panela
Infelizmente, aqui no Brasil a fauna silvestre é encarada antes como fonte de
proteína para determinadas parcelas da população do que como fonte de inspiração,
ou como um ativo financeiro que pode ser explorado sem que seja consumido. O pior
é que há quem defenda com unhas e dentes esta exploração, que além de
economicamente burra (compare o preço de 1 kg de carne ou frango com o de um
cartucho de espingarda), não tem nada de sustentável.
Não estou falando aqui da caça esportiva manejada de forma científica. Sabemos
muito bem que sem ela os banhados no Rio Grande do Sul, por exemplo, já teriam
sido totalmente transformados em anti-econômicos arrozais. O problema é a caça de
subsistência, encarada como direito das populações rurais pobres, e que alguns
grupos “tradicionais” defendem como sua prerrogativa cultural. Embora
teoricamente seja permitida apenas sob autorização especial e seguindo um manejo
tecnicamente elaborado, na prática ela ocorre de forma ampla, geral e irrestrita.
Como publicado este ano, a maior parte das apreensões de animais feitas pelo
Ibama no Amazonas é de bichos destinados à panela, não aos “biopiratas” que nossa
ministra do Meio Ambiente gosta de demonizar.
A ineficaz Lei Ambiental de 1998, ao extinguir o dispositivo que considerava a
caça ilegal como crime inafiançável, ajudou a piorar uma situação que já era ruim.
Mas que poderia melhorar com a simples proibição do comércio de pólvora e
espoletas, já que o grosso da caça (e boa parte dos assassinatos no campo) é
feito com armas de soca ou munição recarregada. Mas ninguém se importa com isso
nos ministérios do Meio Ambiente e da Justiça.
O fato é que grande parte das florestas brasileiras está vazia. Vazia de bichos.
Nossos bosques tinham mais vida. Você pode caminhar por dias em florestas na
Amazônia, no Cerrado, na Caatinga ou na Mata Atlântica sem ver nenhum animal de
médio ou grande porte. A maioria já foi para a panela ou abasteceu o mercado de
peles, couros, banha e bichos de estimação. Menos visível que o escândalo do
desmatamento que deixa a terra nua, essa catástrofe não é menos importante, pois
afeta também áreas supostamente protegidas.
O Parque Nacional do Iguaçu, uma das grandes arrecadações dentre o sistema
brasileiro de Unidades de Conservação, teve suas queixadas extintas pelos
caçadores locais. Que assim eliminaram o prato principal das ameaçadas
onças-pintadas, que agora procuram comida nas fazendas próximas, gerando
conflitos que sempre acabam mal para os gatos. Expedição recente ao longo de 52
km do rio Floriano, no coração selvagem do parque, achou 26 acampamentos com
restos de animais. E isso acontece no parque mais rico do país.
Amazônia vazia
É da Amazônia que vem as melhores estimativas do tamanho do estrago. Estudo feito
pelo biólogo Carlos Peres, publicado em 2000 (Conservation Biology 14: 240-253),
sugere que a população rural da floresta amazônica brasileira (na época estimada
em 8,1 milhões de pessoas) consumia algo como 23,5 MILHÕES de mamíferos, aves e
répteis por ano. Não é surpresa que seja muito incomum achar uma localidade
amazônica com concentrações de araras, capivaras, cervos, queixadas, mutuns e
ariranhas como as facilmente encontradas em locais protegidos no Pantanal.
Quando morei em Rondônia tive a oportunidade de visitar a Reserva Extrativista
Estadual Pedras Negras. Para chegar lá foram necessárias oito horas de voadeira
rio Guaporé acima a partir de Costa Marques, famosa pelo Forte Príncipe da Beira.
Pedras Negras estava iniciando um projeto de ecoturismo de base comunitária com
apoio do WWF que visava atrair turistas estrangeiros interessados em experimentar
a Amazônia selvagem. Fui à reserva a convite da coordenadora do projeto para
palpitar.
A viagem foi interessante, com várias aves aquáticas nas brancas praias do
Guaporé e ocasionais araras atravessando entre o Brasil e a Bolívia. Mas vi um
único jacaré que rapidamente sumiu de vista. Foi o único animal maior de toda a
viagem. Na reserva extrativista, onde o plano de utilização feito segundo os
modernos métodos de consenso e participação dos atores sociais proíbe a caça de
animais ameaçados e quelônios, as primeiras fotos que fiz foi de uma família
consumindo um cervo-do-pantanal para o jantar (ganhei o crânio como presente. A
espécie é globalmente ameaçada) e de uma tartaruga-da-amazônia sendo retalhada
viva como preparação para ir para a panela. Meu lado turista não considerou
nenhuma visão muito inspiradora.
Conversando com os moradores sobre o que existia para me mostrar decidimos fazer
uma observação noturna de jacarés-açus, que seriam especialmente grandes e
confinados na região. Vimos apenas um pequenino e apavorado jacaré-tinga que não
permitiu aproximação.
No dia seguinte saímos de canoa pelo grande pantanal do Guaporé. Esta grande
planície de inundação ocupa milhares de quilômetros quadrados tanto no Brasil
como na Bolívia e é em tudo similar ao Pantanal Matogrossense, mais ao Sul.
Exceto que não vi jacaré ou mamífero algum. Apenas algumas poucas garças e araras
a distância.
O problema é que a caça de subsistência realizada pelos moradores locais,
pescadores profissionais que exploram o rio e toda a sorte de predador bípede sem
penas que freqüenta a região, eliminou uma fauna que já foi extremamente
exuberante. Não havia muito o que ver além da cara do povo local. Como turista me
senti muito decepcionado. Mas a experiência foi muito educativa, pois presenciei
um fenômeno generalizado.
Praticamente todos os estudos sobre a sustentabilidade da caça de subsistência
realizados na Amazônia, tanto com grupos indígenas como com seringueiros,
caboclos ou ribeirinhos, mostrou que a caça retira mais animais do que as
populações animais podem repor. Ou seja, não é sustentável. Isso ocorre em terras
indígenas, reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentado. Em
geral é necessária a intervenção de biólogos para que os sapientes povos da
floresta passem a ter padrões de exploração sustentável. O que por sinal
contraria o paradigma que diz que estes povos são conservacionistas natos para os
quais podemos entregar nossas florestas sem pestanejar.
Para a fauna, a tal “etnogestão da biodiversidade” (será que quem criou o termo
tem senso do ridículo?),entusiasticamente vendida pelo MMA, significa ser
massacrada para ir para a panela ou para virar matéria-prima de balangandãs. Não
é novidade que os pacotes destinados à Amazônia incluem a “focagem noturna de
jacarés” e a “pesca de piranha” exatamente para mostrar alguma fauna a turistas
decepcionados que acreditavam que encontrariam uma floresta onde árvores se
curvam sob o peso de macacos e araras e uma onça pode ser vista a cada curva de
rio.
Outra estratégia para diminuir a frustração é manter animais semidomesticados
junto aos alojamentos, o que alimenta o comércio ilegal de animais silvestres,
como já vi em Marajó. Ou fazer passeios em locais onde animais apreendidos pela
fiscalização são recuperados, o que é mais decente. Nenhum desses expedientes
seria necessário se boa parte da Amazônia não fosse de florestas vazias. Claro
que há exceções, em geral em áreas militares de acesso restrito como a Serra do
Cachimbo (com fauna espetacular graças ao campo de provas da Aeronáutica) ou
alojamentos isolados e bem protegidos, como no rio Cristalino. Mas você tem que
saber onde procurar.
Espingardas em punho
Na Caatinga há uma guerra de extermínio contra tudo que se move em curso desde
que Garcia D Ávila construiu seu castelo e começou a queimar o sertão para criar
gado. Seu melhor símbolo é a facilidade com que se vê dezenas de pessoas com
espingardas em punho que caminham despreocupadas nas estradas, coisa rara ou
inexistente em outras regiões. Lembro de estar trabalhando com colegas do Ceará
no sul daquele estado e encontrarmos um grupo de pombas asa-branca. Este é um
bicho peba com ampla distribuição que pode ser visto às dezenas nos jardins do
Plano Piloto de Brasília, no campus da UNICAMP e mesmo na minha cidade natal,
Santos.
Meus colegas tiveram orgasmos ornitológicos múltiplos ao verem os pombos. Porque
o bicho, vagabundo em outros lugares, foi praticamente extinto no Ceará devido à
caça persistente com espingardas, estilingues e arapucas. Caça que eliminou
praticamente todas as espécies de maior porte e interesse gastronômico,
transformou a tarefa de determinar a fauna original do estado (e de toda a
Caatinga) num exercício que demanda arqueologia. Ou seções espíritas.
O Parque Nacional Serra da Capivara é um dos melhores exemplos que conheço sobre
o impacto da caça sobre a fauna da Caatinga. Em 1991 trabalhei no parque, que
ainda era uma entidade virtual, existindo apenas no papel. Como é normal no
sertão nordestino, parte significativa da população masculina da região estava
engajada em matar qualquer animal silvestre que encontrasse. Ver um reles mocó,
cotia, veado ou jacu era como acertar na loteria. Devo ter visto cinco ou seis
jacus em um ano.
Como muitos devem saber, a ong gestora do parque, a Fundação Museu do Homem
Americano, conseguiu fazer o Parque da Serra da Capivara ser uma das melhores
unidades de conservação da América Latina , apesar das resistências de setores
do IBAMA e do MMA, incomodados por uma ong que consegue fazer o que o governo tem
sido notoriamente incapaz. Hoje, graças a um plano de fiscalização eficiente, é
possível ver 50-60 jacus juntos nas fontes de água manejadas pelo parque, com
cotias, mocós, tatus, veados e macacos ao seu redor. A nota triste é a extinção
local das queixadas, das quais talvez 20 ainda existiam em 1991. A proteção
chegou muito tarde para elas.
Devo notar que o sucesso da Serra da Capivara acontece apesar do Piauí ser um
país com leis diferentes. No Brasil o portador de uma arma não registrada e/ou
sem porte está cometendo um crime inafiançável. Mas no Piauí os delegados nem
registram boletins de ocorrência sobre isso, nem os juízes mantém os infratores
engaiolados até o julgamento.
O sucesso do controle da caça na Capivara me lembra o que vi no Chile alguns anos
atrás. Surpreendido pelo número e mansidão de coscorobas, curicacas e
cisnes-de-pescoço-preto na região de Valdívia, perguntei a razão a um colega
local. A resposta foi que o governo militar havia retirado a maior parte das
armas de circulação a fim de reprimir a oposição armada. O resultado foi uma
dramática redução da caça, uma nova geração que cresceu sem a cultura do uso de
armas e a recuperação das populações de animais que estavam à beira da extinção.
Imagino que a violência urbana também deve ter diminuído. Pena que nossos
generais não seguiram o exemplo chileno.
Quando um visitante estrangeiro me pergunta onde pode ver mamíferos na Mata
Atlântica eu recomendo que faça a trilha da Pedra Grande, no Parque Estadual da
Cantareira. Isso fica dentro da cidade de São Paulo, e de lá posso ver os
arredores de meu apartamento no Centrão. Mas também é possível ver cotias, pelo
menos três espécies de macacos, bichos-preguiça, jacus, macucos, tucanos e
esquilos com facilidade. Facilidade muito maior do que é possível encontrar essas
espécies em locais como a Estação Ecológica Juréia-Itatins, ícone das áreas
protegidas da Mata Atlântica, ou o Núcleo Picinguaba do Parque Estadual da Serra
do Mar. Ou no Parque Estadual da Ilha do Cardoso. A caça crônica realizada pelas
“populações tradicionais” que ocupam essas áreas teoricamente protegidas se
encarregou de dizimar as populações animais.
Estado lamentável
Os melhores dados sobre a situação da fauna na Mata Atlântica de São Paulo estão
sendo obtidos pela equipe de Mauro Galetti, do Departamento de Ecologia da UNESP
de Rio Claro. Parte das conclusões, apresentadas no Congresso da Sociedade de
Biologia da Conservação em julho passado, mostra o lamentável estado da fauna da
Mata Atlântica paulista [link artigo Aline desta semana].
Isto é triste porque São Paulo já foi uma referência como sistema estadual de
meio ambiente e de unidades de conservação. Certamente o fato do estado mais rico
e populoso da federação ter ainda 13% de cobertura por habitats naturais, que
inclui boa parte da Mata Atlântica que resta no planeta, é extremamente positivo.
Mas algo de podre acontece sob as árvores. O panorama geral é deprimente, com a
grande maioria das reservas mostrando extinções locais, populações animais muito
reduzidas e com os palmitos eliminados. Essa detonação está associada às
atividades de caça e extrativismo realizadas por comunidades que vivem tanto no
interior como no entorno das reservas. Estas incluem de bairros inteiros a
aldeias indígenas, algumas das últimas fruto de invasões recentes (a moda atual
começou em São Paulo) apoiadas pela Procuradoria da República.
Enquanto até o início da década de 1980 a forma de criação das unidades de
conservação era a tradicional (desapropriar e retirar os ocupantes), a
redemocratização foi acompanhada pela popularização das lorotas antropológicas
sobre povos tradicionais como mantenedores e geradores da biodiversidade e
melhores conservacionistas do que os imperialistas eurodescendentes. Essa
pseudociência politicamente correta encontrou eco na Secretaria de Meio Ambiente
de São Paulo. O resultado são unidades de conservação que, ao invés de estarem
cheias de bichos e turistas apreciando-os, estão cheias de gente detonando-as e
são um verdadeiro programa de índio para visitar.
A grande exceção ao padrão de detonação encontrado por Galetti e seu grupo é um
parque criado nos velhos tempos. Embora o Parque Estadual de Carlos Botelho tenha
sofrido extração seletiva de madeira e retirada de carvão antes de virar uma
reserva, hoje tem a fauna mais exuberante da Mata Atlântica paulista. Ou talvez
do planeta. Por dois motivos. Não tem moradores no seu interior (embora os
Guaranis invasores do vizinho Parque Intervales agora o assediem para caçar e
furtar palmito) e teve um diretor que por mais de 30 anos levou seu trabalho a
sério. O imortal Dr. Bento é autor de uma das minhas verdades politicamente
incorretas favoritas. Em suas palavras: “Educação ambiental??? O que funciona é o
cacete ambiental!!!”. As robustas populações de muriquis e jacutingas do parque,
as maiores do planeta, são um dos resultados.
O interessante em São Paulo é que algumas das reservas mais defaunadas, como
Juréia e Picinguaba, são considerados “exemplos” de gestão moderna que leva em
consideração os interesses das “populações tradicionais” e onde foram enterrados
milhões, vindos de projetos como o PPMA-KfW, em reuniões participativas, planos
de gestão e a tradicional dobradinha evento social-produção de papel que
caracteriza projetos “modernos” de conservação da natureza, que pouco se importam
com resultados objetivos.
É claro que se as populações animais fossem usadas como indicadores de sucesso
destes projetos (aumentaram ou diminuíram? houve extinções?) os gestores
passariam a gastar o dinheiro naquilo que importa e não em fingir que algo foi
feito. Mas quem pergunta para os bichos se um projeto ambiental está funcionando?
Não deixa de ser irônico que macacos, cotias e tatus estejam mais seguros na
capital paulistana do que na Juréia. Um novo projeto de estímulo ao ecoturismo
nos parques paulistas está se iniciando. Espero que este inclua a proteção das
áreas e acabem as cenas deprimentes como a venda de palmito e aves silvestres no
estacionamento da Caverna do Diabo, em pleno Parque Estadual de Jacupiranga. A
Polícia Ambiental paulista seria muito mais útil se tivesse destacamentos fixos
patrulhando o interior dos parques do que checando a origem da lenha das
pizzarias.
Por conta própria
O ecoturismo tem sido vendido como a solução para a economia estagnada ou
decadente de várias regiões. E seu foco em geral são parques e outras áreas
protegidas onde visitantes podem não apenas nadar em belas cachoeiras ou caminhar
em praias relativamente desertas, mas também ter seu “momento Discovery Channel”
ao ver um grupo de muriquis, ou descobrir jacarés tomando sol. Ou ver aquela ave
especial que só ocorre ali. Ou uma árvore milenar coberta de orquídeas.
Mas qual o potencial turístico da favela em meio a árvores na qual parte do
Parque Estadual Intervales se transformou após a invasão por índios Guarani? Qual
o estímulo para que um visitante retorne a uma Amazônia onde só verá animais
semidomesticados? A troco de quê alguém visitará um Pantanal transformado em
carvoarias e pastagens? A destruição contínua da fauna e da natureza brasileira é
a destruição de algumas das melhores razões para que o país seja visitado. A
menos que queiramos continuar como paraíso do turismo sexual. Ou talvez do
turismo de aventura baseado na fuga de balas perdidas.
Infelizmente o ônus de parte dos problemas sociais brasileiros é sempre lançado
sobre a natureza, em um processo de degradação estúpida. Populações eternamente
presas na armadilha da pobreza gerada pela falta de educação e alta natalidade,
que não conseguem colocação em um mercado de trabalho cronicamente deprimido, mas
sempre exigente de qualificação, têm na extração não sustentável de recursos
naturais sua fonte de sobrevivência. O resultado é destruição ambiental e de um
patrimônio que poderia gerar renda sem ser consumido.
Graças à recusa governamental em fugir do paternalismo barato de dar esmolas, à
aversão ao cumprimento da lei e à inércia endógena de alguns grupos sociais,
resta à natureza arcar com sua sobrevivência. E não faltam os ecoburocratas que
acham que a função das unidades de conservação é fornecer proteína para os
parques antropológicos que pululam no país.
Este processo não acabará bem nem para seringueiros e caboclos da Amazônia nem
para os caiçaras e Guaranis que exterminam a fauna dos parques paulistas. Comer o
último muriqui e cortar o último palmito podem matar a fome do momento, mas não
tirará ninguém da miséria nem trará a dignidade de ser membro de uma cultura
vencedora e auto-suficiente, e não mendicante. Mas as extinções são para sempre.
* Fábio Olmos é biólogo e doutor em zoologia e atua como consultor ambiental
para a iniciativa privada, governos e ONGs
(Jornal do Meio Ambiente, 08/03/06)
http://www.jornaldomeioambiente.com.br/JMA-index_noticias.asp?id=9556