Pesca predatória afeta pescadores da Torotama
2006-03-08
Os pescadores da Ilha da Torotama estão sofrendo com a falta de camarão na Lagoa dos Patos. Eles alegam que não há fiscalização no local, o que permite a atuação de grandes embarcações com tipos de capturas irregulares, o que acaba inibindo a passagem do crustáceo pela lagoa.
Ontem à tarde, um encontro reuniu uma comissão de pescadores da Ilha, Associação de Moradores do local, vereadores e representantes da Capitania dos Portos, Fepam e Ibama para discutirem o caso. A Torotama possui aproximadamente 500 pescadores que dependem desta atividade.
Há 35 anos, Vilmar Soares, diz que a pesca predatória prejudica diretamente o pequeno pescador, que não encontra o que pescar. Ele, que é aposentado e conta somente com um salário mínimo todos os meses, diz que o crustáceo está diminuindo a cada safra. "É preciso que algo seja feito antes que a situação se agrave ainda mais. Estamos sem tainha, sem bagre, sem corvina. E agora nem o camarão chega aqui, tudo por causa de pescadores que fazem o trabalho de forma irregular", explica.
Ele capturou apenas 30 quilos do crustáceo com 17 redes. "Passamos a noite inteira para pegarmos somente esta quantidade", lamenta. "Quem perde são os moradores da Ilha pois o pescado movimenta renda e gera emprego, tanto para homens quanto para as mulheres que descascam o camarão", diz Soares, que vende o quilo do crustáceo a R$ 3 para indústrias de outros locais. "Em outros anos, a safra durava até os meses de maio e junho. Agora, rezamos para ter o crustáceo até o fim de março", argumenta.
Outro fator que está preocupando os pescadores que dependem exclusivamente da atividade é o valor do camarão, que caiu 50% de 2000 para cá. Nilson Gomes está ficando desiludido e diz que não utiliza mais todos os recursos para pescar. "Em outros tempos utilizávamos todos os recursos para termos uma boa pesca: óleo, boas redes e tubo de fio. Mas para isso, é preciso investirmos aproximadamente R$ 50 por dia. O valor de venda acaba não compensando o investimento.
Rede de espera
O coordenador da Secretaria Municipal da Pesca, Onedir Lilja, diz que a forma de os pescadores puxarem o crustáceo na Torotama é através das redes de espera. "É desleal pois ficamos toda a noite esperando por poucos quilos de camarão, enquanto que as grande embarcações trabalham de forma clandestina, como invasores, que se espalham pela Lagoa impedindo a passagem do camarão pela a Ilha", explica.
"Chegamos a avistar dez botes grandes no canal. Imagina o que eles não estão fazendo na Lagoa?", questiona o coordenador da pasta. Lilja diz ainda que são usados botes com redes de trolha e barcos para a pesca do camarão Sete Barbas, encontrado somente no oceano.
"A falta de fiscalização é tão grande que estão utilizando embarcações de oceano dentro da Lagoa dos Patos, o que é totalmente proibido", denuncia. "Por causa disso, a safra de camarão chegou a cair pela metade. Temos que agradecer pelas duas toneladas e rezar para que o caso se reverta às gerações futuras", diz o esperançoso Lilja.
Crescimento do crustáceo
O camarão tem seu ciclo natural com locais quase que pré-estabelecidos para o seu desenvolvimento. Lilja explica que há habitats naturais, importantes para as próximas safras. "Eles crescem e seguem em direção a locais como a ilha da Feitoria e o Saco do Rincão.
Mas com a pesca predatória, o camarão não está seguindo seu ciclo natural pois é capturado no meio do caminho por redes de prancha, barcos com grande infra-estrutura e próprios para a atividade em alto-mar. Este é o principal fator que está terminando com a pesca artesanal", esclarece Lilja. "Eles matam as espécies fora de hora. São anchovetas e cascudos. Mas nós sabemos que isso são anchovas e corvinas em crescimento", conclui.
Pesca predatória
Eles dizem que a pesca irregular acontece pois as grandes indústrias se aproveitam de pessoas que estão desempregadas para realizar esta prática ilegal. "Quem sai perdendo, mais uma vez, são os pescadores que não conseguem arrastar o camarão e ainda perdem espaço para pessoas que não têm nenhum conhecimento sobre a prática.
Em outros anos não haviam bons negócios mas tínhamos uma ótima produção. Agora não há o que pescar mas temos muitas ofertas de negócios", diz Lilja. "Nossos pescadores precisam de representantes políticos que conheçam de perto este exercício. Não adianta elegermos pessoas que acham a pesca bonita e coisa e tal: é preciso mobilização pela nossa atividade", conclui.
Ele conta que o descaso com o meio ambiente é notório, já que pescadores da Torotama encontraram três mil toneladas de cascotes e resíduos jogados pela Lagoa. "Eles têm compradores em outros estados que não respeitam o tamanho mínimo para o crustáceo e o pescado". Jandir da S. Rocha diz que se preocupa com o futuro de seus filhos e netos.
"A tecnologia utilizada pelos pescadores irregulares é tão alta que já existem redes com luzes, chamando a atenção do crustáceo embaixo da água, atraindo o camarão. Como iremos competir com eles? Precisamos de uma fiscalização mais árdua para as grandes embarcações e não para os pequenos, pois não somos nós que estamos acabando com o crustáceo nem realizando a pesca predatória", desabafa. "Não adianta autuar este pessoal com multas. É preciso recolher o material e as embarcações para que pensem duas vezes antes de realizar qualquer tipo de pesca ilegal", diz.
Os pescadores contam ainda que desde cedo é possível escutar o barulho dos motores das grandes embarcações trabalhando:, "tem dia que eles passam todo o tempo, não há como competir", diz Lilja. "Eles estão acabando com o pescador", diz Rocha que há anos realiza a atividade na Ilha da Torotama e está revoltado com a falta de fiscalização na Lagoa dos Patos. "De que adianta nos darem seguro-desemprego todos os anos? Queremos condições para trabalhar e isso inclui uma maior fiscalização na Lagoa", completa. O pescador diz ainda que muitos fazem empréstimos e, como não conseguem ganhar com a safra, acabam no Sistema de Proteção ao Crédito (SPC).
(Mônica Caldeira/Agora online, 08/03/06)