Projeto do Gasoduto do Sul pode esbarrar no impacto ambiental
2006-03-07
O grande Gasoduto do Sul, de cerca de 8 mil quilômetros de extensão, pelo qual os governos de Argentina, Brasil e Venezuela estão se batendo para atender às necessidades energéticas desde o Caribe até o pampa, provoca polêmicas por seu elevado custo e impacto ambiental. Organizações ecológicas, pesquisadores e ex-funcionários da área energética da Venezuela questionam a viabilidade do projeto, devido a problemas de fornecimento, rentabilidade e impacto ambiental.
"Venezuela, Brasil e Argentina devem aprofundar com suas equipes técnicas a viabilidade deste projeto, porque acredito que se torna muito difícil sustentar seus custos, sua rentabilidade e outros aspectos econômicos", advertiu à AFP Eli Habalian, pesquisador da área petrolífera da Universidade de Carabobo e membro do Instituto do Petróleo.
Um gasoduto de mais de 3 mil quilômetros deixa de ser rentável diante da alternativa do gás liquefeito transportado em navios petroleiros, afirmam os analistas internacionais, e os defensores do gasoduto respondem a este questionamento com o argumento do desenvolvimento de zonas afastadas, como o sul da Venezuela ou o nordeste do Brasil.
O vice-chanceler venezuelano para a América Latina afirma que, "paralelamente ao fornecimento de energia, o projeto levará em conta o aspecto social como pilar importante, pois contribuirá de modo determinante para o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida das comunidades por onde passar".
Foram previstos investimentos de US$ 20 bilhões para fornecer 2,150 bilhões de pés cúbicos por dia para cobrir as necessidades energéticas de Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Venezuela, segundo dados oficiais venezuelanos.
Técnicos argentinos, venezuelanos e brasileiros encerraram na quinta-feira um encontro de dois dias a portas fechadas em Caracas, onde foram analisados pontos "complexos" para definir aspectos tributários, rota, comercialização e financiamento com a assistência de ministros destes três países.
Os resultados da reunião de Caracas serão apresentados ao presidente venezuelano, Hugo Chávez, ao brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, e ao argentino Néstor Kirchner, que prevêem lançar o projeto dia 7 de julho, possivelmente na cidade venezuelana de Puerto Ordaz, a 550 quilômetros de Caracas.
Habalian afirmou que não há certeza quanto à capacidade da Venezuela de cobrir a demanda de gás no projeto, bem como os altos custos implícitos na extração do gás venezuelano, o que se traduzirá em preços muito mais altos do que o da Bolívia, a grande exportadora sul-americana.
O ministro de Energia venezuelano, Rafael Ramírez, calculou recentemente o preço do gás que o gasoduto sul-americano transportará superior aos US$ 5 por milhão de BTU (Unidade Térmica Britânica), frente aos US$ 3,30 que o Brasil paga à Bolívia por BTU.
Na quinta-feira, Ramírez disse que a Venezuela defende a entrada no projeto da Bolívia, país em que eclodiram críticas sobre o impacto do supergasoduto em seus mercados naturais, como Brasil, Chile ou Argentina.
Outro problema são as reservas de gás da Venezuela. Para Víctor Poleo, professor da Universidade Central na área de petróleo, o país possui sobretudo reservas de gás associado "que não cobrem as necessidades do projeto". "A Venezuela tem 137 trilhões de pés cúbicos de gás e mais de 80% são de tipo associado, ideal para ser usado no gasoduto, localizado nas costas e que já está comprometido para o mercado interno e externo", explicou Poleo. "Como dizem alguns críticos, acho que está sendo feita uma oferta fantasiosa e isto vai contra a idéia do gasoduto", acrescentou.
A Venezuela apóia com empresas transnacionais grandes projetos de gás ao largo das penínsulas de Paraguaná (oeste) e Paria (leste) e em frente ao delta do Rio Orinoco (leste) que começarão a produzir em 2010.
Organizações ecológicas lançaram seu alerta sobre o impacto ambiental do projeto, bem como sobre as conseqüências para as comunidades indígenas. Para Alexander Luzardo, o gasoduto significa "um ecocídio" na Amazônia venezuelana, ao sul do país, onde começaria o projeto, pois "implica criação de uma trilha e na instalação de tubos em uma zona tropical selvagem, considerada patrimônio mundial da humanidade". O projeto "faz parte de uma idéia desenvolvimentista que ameaça zonas e comunidades indígenas", ressaltou Luzardo.
O gasoduto, que será administrado por uma empresa formada pela estatal argentina Enarsa, a brasileira Petrobras e a venezuelana PDVSA), partirá da cidade venezuelana de Puerto Ordaz até Manaus, onde se dividirá em dois ramos, um rumo ao nordeste brasileiro e outro para Brasília e Rio de Janeiro, de onde seguirá para o Uruguai e a Argentina.
(Gazeta Mercantil, 06/03/06)