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2006-03-07
A falésia do Cabo Branco é um dos orgulhos da capital paraibana, João Pessoa. Com um paredão de 40 metros de pedra calcária, o ponto turístico mais visitado da cidade já foi considerado o extremo oriental das Américas – título hoje conferido à Ponta do Seixas, localizada 3 km ao sul.

Pois é no famoso acidente geográfico que o grupo português Imperial Construções planeja erguer uma edificação arrojada: o Flat Cabo Branco. Pelo projeto apresentado à Prefeitura, o hotel terá cerca de 134 metros de extensão por 26 metros de altura.

A notícia da obra deixou moradores de cabelo em pé, foi criado até um fórum em defesa do Cabo Branco, mas os empreendedores não esperaram para discutir: mesmo sem licença ambiental, começaram a desmatar a área, que tem uma relevante reserva de Mata Atlântica ao fundo.

Equilíbrio frágil
Noves fora a resistência popular, o hotelzão não estará em terreno seguro de qualquer forma. A falésia se caracteriza pelo abrupto encontro da terra com o mar. Formam-se escarpas que ficam expostas à ação marinha erosiva. Ondas desgastam constantemente a costa, o que pode provocar desmoronamentos ou instabilidade da parede rochosa.

Além dos processos erosivos comuns a estas formações, a falésia do Cabo Branco tem sido afligida pela degradação ambiental, seja através do impacto causado pela circulação de veículos, seja pelos desmatamentos e queimadas. Recentemente, a principal ameaça tem sido o aumento do nível das marés oceânicas, o que torna sua base uma das localidades mais atingidas por estes impactos.

A obra chegou a ser embargada pela prefeitura, por não estar de acordo com o Código Municipal de Meio Ambiente, e atualmente parece abandonada. Mas obedecidos os critérios exigidos pelo Código, ela pode ser retomada. “A gestão anterior concedeu uma licença ambiental para a construção do Flat, que foi logo revogada por nós, já que desobedecia a legislação vigente. Mas obedecidas as normas, não temos como proibir a retomada dos trabalhos no local” explica Antônio Augusto de Almeida, secretário de Meio Ambiente de João Pessoa. “Como cidadão, sou contrário à construção naquela área, mas como representante do poder público não posso me opor às decisões tomadas por órgãos superiores”, defende-se.

O secretário diz que está à espera de recursos federais para dar início a estudos sobre as correntes oceânicas no Cabo Branco. A idéia é formar uma equipe de técnicos de várias áreas para ter uma noção mais precisa da dinâmica das marés que assolam o local.

Segundo Lígia Tavares, geógrafa e ambientalista, qualquer construção de vulto no Cabo Branco, antes que esses estudos e o relatório de impacto ambiental sejam concluídos, é uma irresponsabilidade que pode transformar uma das mais belas paisagens da cidade numa área arruinada. “Queremos que o Cabo Branco seja um parque para atrair o turismo e o desenvolvimento da cidade, mas tememos que a construção do flat venha a contribuir para a degradação do nosso maior patrimônio natural”, reitera.

Procurado, o grupo Imperial Construções não quis se pronunciar sobre o projeto.

Como fica
O arquiteto Aristóteles Cordeiro encomendou imagens de como ficaria a paisagem do Cabo Branco com a edificação do flat. Ele utilizou a base cartográfica da prefeitura para localizar o modelo 3D da construção proposta e gerar as perspectivas do mesmo ponto de vista das fotos. A simulação mostra o grau de interferência que a obra imporia à paisagem do Cabo Branco: um paredão com dois terços da altura da falésia, ao contrário da ocupação atual, com edificações térreas e isoladas entre si.

“O que é estranho em tudo isto é o interesse da Prefeitura no empreendimento, manifesto nas modificações na legislação urbana para permitir a construção. Na minha opinião é uma tentativa típica de criar um fato consumado, para depois utilizar como argumentos os eventuais prejuízos causados por uma proibição ou limitação do empreendimento”, opina Cordeiro.

Em dezembro, moradores do bairro criaram o Fórum em Defesa do Cabo Branco, com o objetivo de proteger a área das ameaças urbanísticas e do empreendedorismo a qualquer custo.

“A falésia do Cabo Branco é um patrimônio ambiental, paisagístico e cultural do povo paraibano, sendo a sua ocupação para fins de empreendimento privado de grande porte, fundamentado na especulação imobiliária, um ataque àquela paisagem, ao meio ambiente, à qualidade de vida e, portanto, aos moradores e amantes da cidade de João Pessoa”, argumenta Olga Tavares, professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e moradora do bairro do Cabo Branco.

Curioso é constatar que, neste caso, defender a natureza é defender sua degradação pelo vento e pelo mar. Como bem resume Magno Erasto de Araújo, professor de Geociências da UFPB, se a dinâmica costeira está trabalhando a rocha, isto segue a ordem natural das coisas. Em última instância, para proteger a falésia do Cabo Branco seria necessário afastar a ocupação humana de lá. Mesmo que isso prejudique bem intencionados projetos ecoturísticos.

Nessa luta entre Davi e Golias às avessas, o gigante não é o vilão da história.
(Carolina Queiroz, O Eco, 04/03/06) http://arruda.rits.org.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=6&pageCode=67&textCode=15917&date=currentDate&contentType=html Pendenga jurídico –ambiental pode atrasar privatização de rodovia O governo federal retomou, no final de fevereiro, o processo de privatização de sete rodovias federais, entre elas a Régis Bittencourt (BR-116), que liga São Paulo a Curitiba. O modelo de concessão adotado é em quase tudo semelhante àquele usado pelo governo Fernando Henrique Cardoso para tirar do abandono estradas como a Via Dutra e a Rio—Juiz de Fora. O vencedor do leilão se compromete a terminar obras em curso e modernizar a rodovia para em seguida assumir a sua manutenção.

No caso da Régis Bittencourt, a empresa terá um trabalho extra. Há sete anos, 30 quilômetros da estrada estão no meio de uma pendenga jurídico-ambiental que ainda não se resolveu. O trecho vai do km 337 ao km 367, na Serra do Cafezal, entre as cidades Miracatu e Juquitiba (SP). E é responsável pelo terrível apelido de “estrada da morte” que acompanha a rodovia. Só em 2004, houve 3.185 acidentes na BR-116, com 153 mortes.

Existe um consenso de que a duplicação amenizaria o problema. Mas as opiniões sobre como fazer isso são divergentes. De um lado, o Ministério Público Federal e dezenas de entidades ambientalistas defendem a construção de uma pista paralela à já existente, o que causaria menos impacto à área, um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica do estado. Mas o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT), apoiado pelo Ibama, sugere que a melhor saída seja uma pista alternativa, afastada do leito atual.

“A pista variante é completamente desnecessária. Na época, achei que o DNER [antigo DNIT] estava fazendo uma besteira e resolvi intervir. Fiz um anteprojeto para provar que é possível alargar a pista do lado direito, em vez de fazer uma outra passando por fora”, lembra o engenheiro civil Horácio Ortiz, funcionário aposentado do Departamento de Estradas de Rodagem (DER). O custo do projeto do DNIT, pelos seus cálculos, seria cerca de três vezes maior do que o necessário. “Eles, safadamente, não querem aceitar o traçado que fiz porque sairiam perdendo”, alega. Em 1999, o Ministério Público comprou a briga e entrou com ação civil pública defendendo o traçado paralelo à pista atual.

Desmatamento
Ortiz também estimou os danos ambientais do projeto do DNIT. Segundo ele, a construção de uma nova pista fora do eixo original desmataria 500 mil m² de floresta, numa Área de Proteção Ambiental (APA). “Isso criaria uma ilha de Mata Atlântica no topo da Serra do Mar”, afirma. Além disso, a construção bloquearia, no mínimo, 17 nascentes virgens da sub-bacia do Caçador/São Lourencinho, cabeceira de drenagem do Ribeira do Iguape. A estrada ainda cortaria ao meio o corredor florestal que existe entre os parques estaduais Jurupará e da Serra do Mar, o que impediria o fluxo de animais e as trocas genéticas que garantem sua reprodução saudável.

A construção de uma pista ao lado da rodovia também evita a desapropriação de terras como a da Fazenda Ecológica Itereí. A estrada alternativa proposta pelo DNIT cortaria essa propriedade, rica em biodiversidade e ponto turístico para brasileiros e estrangeiros que apreciam a natureza. A dona da fazenda, Lea Correa Pinto, preside a entidade ambientalista Terrae, uma das muitas que apóiam a ação do Ministério Público Federal. “Existem soluções tecnológicas para fazer uma rodovia sem degradar tanto. Poderiam duplicar a Régis nos moldes da Imigrantes, com bastante túneis. Não defendo a conservação só por causa da minha propriedade, mas pela biodiversidade da região, por sua importância histórica e natural”, diz Lea.

Outro lado
Coordenador de Avaliação de Impactos e Riscos do Ibama, Jorge Luiz Britto defende a viabilidade do projeto do DNIT e afirma que a proposta apoiada pelo Ministério Público também causaria impactos. “A construção de túneis requer grande quantidade de material retirado da natureza. Uma pista paralela também não é a solução adequada, porque aumenta o risco de acidentes. Do ponto de vista ambiental, a duplicação vai causar o assoreamento do ribeirão Caçador”, argumenta, lembrando que, por ter sido projetada muito perto da encosta, a estrada também poderá sofrer interdições por causa de deslizamentos de terra.

O traçado sugerido pelo DNIT, que propõe a construção de uma alternativa fora do leito atual, obteve licença prévia da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo em setembro de 1996. Impulsionado por entidades ambientalistas, o Ministério Público Federal conseguiu declarar inválida essa licença prévia, alegando insuficiência de estudos ambientais. Desde então, o MP entrou com mais duas ações civis públicas, exigindo novos estudos ao Ibama – que ficou responsável por conceder a licença prévia. “Quando assumimos o licenciamento, em 2000, pedimos toda a documentação necessária ao DNIT”, contesta Britto.

A licença prévia foi renovada pelo Ibama e tem validade até agosto de 2007. O DNIT deve obedecer algumas condições discriminadas no documento, como a apresentação de um cronograma físico e financeiro do empreendimento, incluindo as atividades de implantação dos programas ambientais. Por meio de sua assessoria de imprensa, o DNIT informou que o projeto a ser utilizado como base para o leilão das rodovias seguirá o texto do Programa de Exploração Rodoviária (PER) – um calhamaço técnico que serve de modelo para a construção de todas as estradas federais. Não quis responder, porém, o básico: se contemplará a pista paralela ou aquela fora do eixo atual. Em todo caso, a pendência só será resolvida por vias judiciais. E quem terá que encará-las é a empresa que vencer a licitação.

Caso não haja imprevistos, até maio será conhecida a concessionária responsável por administrar os 401,6 km de estrada. E por descascar esse abacaxi.
(Aline Ribeiro, O Eco, 04/03/06)
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