Estudo conclui que Mata Atlântica em SP está com “saúde abalada”
2006-03-07
A Mata Atlântica do estado de São Paulo está com a saúde abalada. E a ameaça não
se restringe àqueles pequenos trechos de floresta confinados em cantos de fazenda.
As grandes reservas e parques públicos, cuja função é proteger as maiores porções
que sobraram, também estão a perigo.
Foi o que concluiu um estudo recente da Unesp de Rio Claro. Pesquisadores fizeram
o levantamento da população de aves e mamíferos de grande porte em cinco parques
e uma estação ecológica do estado. Em todos os locais analisados, os números
referentes à densidade, à biomassa e ao tamanho das populações se mostraram
alarmantes. “Existe um pré-conceito de que as florestas extensas e contínuas são
bem preservadas. O trabalho reafirmou que isso não é verdade”, afirmou Mauro
Galetti, membro do Laboratório de Biologia da Conservação (LaBIC) da Unesp e
coordenador da pesquisa.
O Parque Estadual Jurupará, entre os municípios de Piedade e Ibiúna, é o que
apresenta as piores condições. Dentro da unidade, em um raio de 1 km², vive uma
média de 4,78 animais. No que diz respeito à biomassa (soma da massa de animais
por km²), a situação é tão ruim quanto. “Chegamos ao valor de 9,24 kg por km², o
que é muito pouco”, explica Rodrigo Nobre, mestrando em Ecologia de
Agroecossistemas pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP),
que participou do levantamento.
Entre as reservas pesquisadas, a fauna está em melhor situação na Estação
Ecológica Juréia-Itatins, no litoral sul. Mas ainda longe do ideal. São 122,54
animais por km². “Lá temos uma grande quantidade de macacos-pregos, o que
contribui para o a concentração total elevada”, explica Nobre. Alguns pontos da
Estação Ecológica estão mais ameaçados, devido ao grande impacto das populações
caiçaras que habitam a região. A caça e a retirada de palmito ilegal também são
intensas, o que contribui ainda mais para a degradação da fauna.
No quesito biomassa, o Parque Estadual da Serra do Mar lidera o ranking, com
403,65 kg por km². O local concentra os animais maiores e, conseqüentemente, mais
pesados. “A presença maciça de queixadas é responsável por este dado”, observa
Nobre. Foi no Parque Estadual Carlos Botelho, na região sudoeste, que os biólogos
encontraram a maior diversidade de animais. “A região abriga espécies importantes,
como o muriqui, a jacutinga e o sagüi-da-serra-escura, que fazem parte da lista
de espécies brasileiras em perigo de extinção”.
Efeitos da ocupação
Nada menos que 70% dos parques do estado de São Paulo são habitados de forma
irregular. Os efeitos da ocupação sobre a saúde da fauna são incontestáveis.
Falar em convivência harmônica entre humanos e a natureza “é como falar para uma
metástase não virar um câncer”, diz o professor Mauro Galetti.
Um exemplo são espécies vegetais como o palmito juçara, avidamente procurado
pelos mateiros e imprescindível para a sobrevivência de animais que se alimentam
de frutos. Os que dependem dessa palmeira para sua alimentação correm sérios
riscos de extinção, como mostra o estudo. “É um efeito cascata. Onde não tem
alimento, não tem bicho. Assim, deixam de existir os agentes dispersores,
responsáveis pela manutenção da mata”, explica Galetti, lembrando que quase 90%
das árvores da Mata Atlântica dependem de animais para se disseminar.
Dois mil quilômetros
Realizado entre 2002 e 2005, o estudo envolveu oito pesquisadores e resultou em
duas dissertações de mestrado e monografias. Foram mais de 2 mil quilômetros
percorridos dentro dos parques estaduais Carlos Botelho, da Ilha do Cardoso, de
Ilha Bela, do Jurupará, da Serra do Mar (porção norte), além da Estação Ecológica
Juréia-Itatins. Essas regiões são as que mais apresentam riscos à fauna quando o
assunto é caça. “Por outro lado, significam uma última chance de sobrevivência
para espécies como o muriqui, a onça e a anta no estado”, comenta Galetti.
Nove espécies de mamíferos foram escolhidas para entrar na pesquisa: quatro
primatas, dois roedores, um carnívoro e dois ungulados (cateto e queixada). São
animais conhecidos como cinegéticos, ou seja, os preferidos dos caçadores. O que
o estudo analisou foi o impacto da presença ou ausência desses bichos na mata,
uma vez que todos eles têm papel fundamental para a manutenção da floresta. Em
sua maioria frugívoros, contribuem essencialmente no processo de dispersão das
espécies vegetais ao carregarem as sementes de um lugar para o outro – seja por
meio das fezes ou levadas no próprio corpo.
Para a obtenção dos índices de densidade e biomassa de cada parque, os
pesquisadores levaram em conta critérios como tamanho da área analisada,
distância em que se encontra do oceano, pressão de caça e porcentagem de
cobertura vegetal. O método utilizado durante o estudo chama-se, na linguagem
técnica, transecção linear, que nada mais é que a relação entre o número de
encontros visuais com cada espécie e a distância total percorrida nas trilhas e
estradas. Durante os três anos de pesquisa, foram avistadas 428 aves e 297
mamíferos.
Nem um guarda
“Em todo o período da pesquisa não vimos um guarda sequer”, lamenta o professor
Mauro Galetti. Ele acredita que o maior gargalo da preservação ambiental é o fato
de a Polícia Militar não entrar no mato.
Luiz Roberto Numa de Oliveira, diretor da Divisão de Reservas e Parques Estaduais
do Instituto Florestal, não dispõe de argumentos para contestar a afirmação de
Galetti. “Nós realmente não temos capacidade operacional suficiente,
principalmente em relação a recursos humanos”, diz. Ele garante que a situação
vai melhorar. “Conseguimos negociar a contratação de mais 120 guarda-parques e
350 trabalhadores braçais”, informa. Os novos funcionários ficarão responsáveis
por 90 unidades de conservação no estado. Ainda assim, o diretor admite que a
quantidade não será satisfatória. “Precisaríamos de mais uns 150 para conseguir
montar equipes de prevenção. Hoje temos ferramentas adequadas, como aeronaves
para sobrevôos constantes. Mas só é possível constatar os danos depois de
ocorridos”.
Oliveira não conhece ainda o estudo da Unesp, mas concorda com a necessidade de
um sistema que otimize a conservação das áreas. “Em parceria com o WWF, estamos
montando um projeto para melhorar a preservação. Depois de implementado, teremos
condições de dizer que a nossa fauna está sendo protegida de forma efetiva”. Que
seja breve, pois há cada vez menos fauna a proteger.
(Aline Ribeiro, O Eco,
04/03/06)
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