Laboratório em Belo Horizonte é o único na América latina que faz análises da água
2006-03-07
Além de “refrescar o calor”, a água que vem das chuvas alimenta rios e
reservatórios de água subterrânea. São esses reservatórios, também chamados de
aqüíferos, que abastecem as nascentes dos rios e também podem ser explorados pelo
homem. A irrigação de lavouras é uma das formas de utilização desses
reservatórios. Para se evitar problemas ambientais e econômicos, é preciso
realizar estudos que indiquem o quanto um aqüífero pode ser explorado.
Único na América Latina, o Laboratório de Trítio do Centro de Desenvolvimento da
Tecnologia Nuclear (CDTN), localizado em Belo Horizonte, atua nesse sentido, ao
determinar a taxa de recarga do aqüífero, ou seja, em que proporção o mesmo é
realimentado pela chuva. Outro trabalho importante procura identificar a idade da
água, ou seja, se ela é nova ou velha. Tais informações são importantes para se
ter certeza de que não ocorra exploração não-racional, a qual pode gerar grande
redução da quantidade de água ou mesmo o desaparecimento do reservatório.
Os principais requisitantes das análises são grandes empresas, sobretudo do ramo
mineral, pesquisadores de centros tecnológicos, de universidades e de
organizações participantes do Projeto Guarani. Além do Brasil, o Laboratório de
Trítio realiza análises originadas de toda a América Latina, mas principalmente
do Uruguai. Atualmente, o Laboratório analisa cerca de 40 amostras por mês, um
valor que já está aquém da demanda. A expectativa é de dobrar esse número, com a
aquisição de mais um equipamento, de forma a atingir a plena capacidade da
infra-estrutura do Laboratório.
Análise da água
As análises são feitas para determinar o teor de trítio da água. Recordando as
aulas de Química do ensino médio, o trítio é um isótopo do hidrogênio, ou seja, é
um átomo composto de um elétron e um próton – semelhante ao hidrogênio mais comum,
simbolizado por 1H – mas que possui dois nêutrons em seu núcleo (o 1H não possui
nêutrons em seu núcleo). O símbolo do trítio é: 3H ou T. Então, se o trítio é
“semelhante” ao hidrogênio, ele está presente em algumas moléculas de H2O, a água,
que passa a ser representada por THO, por exemplo. Esse isótopo é formado nas
altas camadas da atmosfera, por radiações cósmicas. Assim, dizemos que o trítio é
radioativo porque emite essa radiação.
Qual a relação entre o teor de trítio da água e a taxa de recarga do aqüífero,
bem como a idade do mesmo? A água que vem das chuvas, trazendo uma quantidade
natural de trítio, penetra no solo e atinge o reservatório de água subterrânea. O
trítio possui uma meia-vida de 12,2 anos, e sua radioatividade decai ao longo do
tempo. Dessa forma, a cada 12,2 anos, a quantidade de átomos de trítio numa certa
porção de água cai para a metade. Assim, se a água possui baixo teor de trítio,
trata-se de uma “água velha”, que se infiltrou no solo há muitos anos.
Segundo o pesquisador responsável pelo Laboratório de Trítio, Zildete Rocha,
“todas as águas podem ser exploradas dentro dos limites do aqüífero”. Ele explica
que, para saber a quantidade adequada para exploração, deve-se avaliar a taxa de
recarga (a quantidade de água, oriunda das chuvas, que realmente chega ao
reservatório, descontada a porção que evapora e a que escoa pela superfície) e o
volume de água do aqüífero. Para determinar a taxa de recarga do aqüífero, o
trítio é aplicado na superfície do terreno e é feito um acompanhamento, ao longo
do tempo, de sua concentração em camadas cada vez mais profundas do solo. Aliado
a isso, são medidas as precipitações pluviométricas do local. Quanto à água que
já se encontra no aqüífero, saber se ela é velha é um indício de que a taxa de
recarga é relativamente baixa. Por outro lado, se ela é nova, significa que a
entrada de água no aqüífero é recente, o que pode significar uma taxa
relativamente alta de reposição.
Após a avaliação, o Laboratório de Trítio emite um Certificado de Análise de
Trítio nas águas. Esse documento não visa permitir ou proibir a exploração de um
aqüífero, mas destina-se à avaliação dos hidrogeólogos da instituição ou do
projeto solicitante.
A água encontrada na superfície dos reservatórios apresenta em média um teor de 3
unidades de trítio (3 TU, em linguagem técnica), enquanto as águas subterrâneas
costumam apresentar valores abaixo deste, aproximando-se de zero. Apenas a título
de comparação, Rocha explica que, no Brasil, as águas de chuva possuem de 2 a 3
TU. Já no hemisfério norte, a média observada é de 8 a 20 TU, devido às explosões
nucleares ocorridas na década de 60 do século passado. Na época, o teor de trítio
alcançou valores da ordem de 1 mil TU. Porém, conforme afirma o pesquisador, a
perturbação ambiental provocada por essa elevação do teor de trítio, do ponto de
vista radiológico, não foi significativa. Por outro lado, isso permitiu o
desenvolvimento das pesquisas em hidrologia, como os processos de datação de água.
Um “Titanic” na cidade
O Laboratório de Trítio teve sua construção iniciada em 1998, mas entrou em pleno
funcionamento há três anos. Ele pertence ao CDTN, que está vinculado à Comissão
Nacional de Energia Nuclear (CNEN), e localiza-se no campus da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. Quando de sua construção, o
Laboratório foi avaliado pela Agência Internacional de Energia Atômica, que até
hoje contrata seus serviços e indica-lhe muitos clientes estrangeiros.
O trabalho desenvolvido recebe apoio de organismos e laboratórios internacionais
da Áustria e da Espanha, por exemplo, além de trocas de experiência com
pesquisadores da Alemanha, Áustria, Nova Zelândia e França. De acordo com Rocha,
todo o saber referente ao processo de análise de trítio é nacional, mas o
trabalho de intercâmbio e cooperação científica é muito importante para manter o
conhecimento sempre atualizado. Apesar de a tecnologia ser desenvolvida
nacionalmente, os equipamentos utilizados são importados dos países que possuem
tecnologia mais avançada, pois, segundo o pesquisador, o foco do Laboratório não
é a fabricação de maquinário nessa área.
Como forma de proteger o processo de análise da radioatividade natural cósmica ou
terrestre, o compartimento responsável pela etapa mais sensível do processo está
totalmente imerso em água. Trata-se de uma caixa envolta em água por todos os
lados, com uma proteção externa à água. Devido a isso, a mesma recebeu o nome de
“Titanic”. Alem disso, outro cuidado foi com relação à escolha do local para a
construção do Laboratório, que está bem posicionado em relação a outras fontes de
radiação do CDTN, como o Laboratório de Irradiações Gama. No campus da UFMG, o
prédio está “adequadamente distante” em relação ao reator e outras fontes de
radiação, conforme explica o pesquisador responsável.
Projeto Aqüífero Guarani
O Aqüífero Guarani é o maior manancial de água doce subterrânea transfronteiriço
do mundo. Está localizado na região centro-leste da América do Sul, e ocupa uma
área de 1,2 milhão de km2, estendendo-se pelo Brasil, Paraguai, Uruguai e
Argentina. Sua maior ocorrência se dá em território brasileiro
(2/3 da área total), abrangendo os Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas
Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
O Projeto Aqüífero Guarani é uma ação conjunta entre o Brasil, Paraguai, Uruguai
e Argentina, a fim de estruturar um marco legal e institucional para a gestão dos
recursos do aqüífero. Para tal, as principais linhas de ações são: o
estabelecimento de medidas de controle da extração de água; a criação de um banco
de dados comum para os recursos do aqüífero; a implementação de mecanismos que
impeçam a poluição das águas subterrâneas. Trata-se de uma ação preventiva, de
preservação do Aqüífero para a posteridade. De acordo com Zildete Rocha, o
objetivo do projeto é “pensar o uso racional dessas águas, cujo risco de
contaminação é maior nas regiões mais industrializadas”. Com recursos do Banco
Mundial, o Projeto Aqüífero Guarani está em andamento há cerca de quatro anos e
sua coordenação possui sede no Uruguai.
(Revista Minas Faz Ciência, 05/03/06)