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2006-03-06
Produtores de soja da região do Baixo Parnaíba, no leste do Maranhão, estão infringindo os direitos humanos ao derrubar árvores ameaçadas de extinção e destruir nascentes de água, e também ao forçar a saída de populações tradicionais de seus locais de origem. A denúncia consta de um relatório apoiado por uma rede de organizações da sociedade civil, a Plataforma DhESCA Brasil (Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais). Os relatores alertam que, se não for revertida, a degradação pode resultar em mudanças climáticas na região — uma área típica de Cerrado, próxima da Floresta Amazônica e do Semi-Árido nordestindo.

A Plataforma DhESCA Brasil divulgou em meados de fevereiro um estudo sobre a situação dos direitos humanos no país, o Relatores Nacionais em Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais. Os pesquisadores envolvidos tiveram seu trabalho financiado pelo PNUD e foram acompanhados por um assistente ligado ao Programa de Voluntários da ONU. A DhESCA Brasil tem como membros, entre diversos órgãos, agências da ONU, a Comissão Justiça e Paz de São Paulo e o Movimento Nacional de Direitos Humanos.

A visita ao Baixo Parnaíba — mais especificamente, ao município maranhense de Chapadinha, a 170 quilômetros de São Luís — foi feita por dois relatores: Flávio Luiz Valente, do direito humano à alimentação, água e terra rural, e Lia Giraldo, do direito humano ao meio ambiente. O texto no relatório foi assinado por Valente e sua assistente, a voluntária Valéria Burity.

A expansão da cultura da soja, de acordo com Valente, está causando problemas “muito graves” na região. O relator afirma que visitou as fazendas e verificou pessoalmente a “destruição do meio ambiente”. Ele também foi procurado por dezenas de famílias que se queixavam de ter sido expulsas de seus locais de origem pelos fazendeiros e de ter dificuldade de acesso a recursos florestais como sementes e frutas — destruídas pelas lavouras de soja.

”Correntão”
A principal crítica dos relatores é sobre o fato de os fazendeiros usarem o “correntão” para a derrubada de árvores. Essa técnica consiste em prender cada uma das pontas de uma grande corrente em dois tratores, que andam em paralelo. Arrastada dessa maneira, a corrente derruba árvores de todos os tamanhos e espécies, afeta cursos d´água e ameaça pequenos animais. A prática é classificada, no relatório, como uma “clara violação aos direitos humanos ao meio ambiente, à água e à terra rural”.

Vilson Ambrozi, presidente da APACEL (Associação dos Produtores do Cerrado Leste Maranhense) — que reúne os fazendeiros de Chapadinha —, admite que a maioria dos membros da entidade faz uso do correntão. “Essa é a técnica mais barata para derrubar a mata e nós temos que usar o método mais barato disponível”, afirma. Mas, segundo Ambrozi, os produtores têm autorização do IBAMA para desmatar. “Ninguém é irresponsável aqui. Não só pela preocupação com o ambiente, mas porque nos preocupamos com nossos negócios. Ninguém é louco de fazer nada fora da lei. Se com a autorização do IBAMA, já temos um monte de ambientalistas reclamando, imagine sem? Ninguém ia poder trabalhar”, declara.

O relator diz que, de fato, alguns produtores têm documentos que autorizam a derrubada de árvores para o plantio da soja. Mas afirma que o que a maioria deles tem feito vai além da permissão do órgão federal. “Quem tem autorização pode desmatar uma pequena área, controlada. Mas não tem fiscalização disso. Então eles destroem uma área muito maior do que a que o IBAMA permitiu”, acusa. Valente afirma também que o instituto não autoriza, "de maneira alguma", a derrubada de árvores ameaçadas de extinção ou a destruição de mananciais. “Eu vi árvores de espécies em extinção já derrubadas, cortadas, prontas para virar carvão. É claro que eles deixam uma aqui e ali para poderem dizer que as preservam. Mas a maioria delas vai para o chão”, afirma.

O IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) confirma que a licença de desmatamento realmente não dá permissão para que espécies ameaçadas sejam derrubadas. E as áreas de nascentes, pela legislação brasileira, são consideradas “de preservação permanente”. No entanto, não existe qualquer restrição ao uso do correntão, já que as autorizações de desmatamento não especificam qual técnica pode ou não ser usada. No relatório, Valente sugere que a prática seja proibida pelo governo federal e que o IBAMA intensifique a fiscalização das autorizações de desmatamentos para evitar abusos por parte dos produtores.

Migração - Outra denúncia feita pelo relatório diz respeito ao modo como as comunidades extrativistas locais são tratadas pelos fazendeiros. Segundo os moradores, a expansão da cultura de soja tem impedido que eles continuem a viver em seus locais de origem. Ambrozi, da APACEL, rebate essa crítica. “Ninguém morava nas áreas onde foram estabelecidas as fazendas. A população não está deixando Chapadinha por causa da expansão da soja. A população está deixando Chapadinha porque Chapadinha é pobre. Estamos em uma das regiões mais pobres do Estado mais pobre do país”.

Valente afirma que os produtores podem até não saber que havia pessoas nas terras que ocuparam, “mas isso não significa que elas não estavam lá”. “A população tradicional do Baixo Parnaíba é extrativista. Elas andam pelo território, tirando seu sustento daqui e dali. Quando a mata vira plantação de soja, elas não têm mais para onde ir nem de onde tirar suas subsistência”, afirma.

A posse das terras pelos fazendeiros também é alvo de discussões. Ambrozi afirma que todos os títulos de terras são legais. Mas, segundo Flávio Valente, há indícios de falsificações dos títulos.

Em defesa dos produtores rurais, Vilson Ambrozi afirma que os relatores responsáveis pelos estudos não visitaram as fazendas nem ouviram os fazendeiros. “Não é possível que um pesquisador faça uma acusação dessa gravidade ouvindo apenas um dos lados”, reclama. Valente afirma que convidou os membros da APACEL para todas as reuniões de elaboração do seu relatório. Em nenhuma delas eles compareceram. “Eles não podem dizer que não foi dada a oportunidade de serem ouvidos. Eles simplesmente não se manifestaram”, afirma.

O relatório recomenda que o governo federal investigue os problemas da expansão do agronegócio no Baixo Parnaíba. Na próxima quarta-feira, 8 de março, os relatores se encontram com representantes da Casa Civil e do Ministério do Meio Ambiente para apresentar suas recomendações para a região.
(PNUD Brasil, 03/03/06)

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