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2006-03-06
Embalados pela procura e preços crescentes da borracha natural no Brasil e no Exterior, produtores de todos os tamanhos estão transformando a paisagem do Vale do Rio São Patrício, em Goiás, com a plantação de inúmeros seringais para extração de látex. O cultivo das primeiras mudas começou em 1987, com apenas quatro empreendedores, e hoje alcança mais de uma dezena de municípios, como Goianésia, Jaraguá, Rialma, Nova Glória, Barro Alto, Pilar de Goiás e até a cidade histórica de Pirenópolis.

Ocupando principalmente velhas pastagens, solos exauridos pela monocultura da cana-de-açúcar e até encostas de morros desmatadas na região, cerca de dois milhões de seringueiras cobrem quatro mil hectares antigamente ocupados pelas típicas árvores retorcidas do Cerrado. “Nos anos 80 soubemos que a seringueira era rentável e adaptável ao bioma. Foi uma aposta que deu certo”, disse Antônio Fernando Ferrari, do grupo paulista Morais Ferrari, ligado à construção civil e ao agronegócio. “A seringueira se tornou um complemento à cana e uma alternativa ao gado e à soja”, explicou o arquiteto.

Apesar de ainda não existir qualquer estudo quanto aos impactos ambientais dos seringais sobre o Cerrado, bichos acuados pelo desmatamento parecem ter aprovado a presença das árvores de porte amazônico. Emas, veados, araras e outros pássaros são avistados com freqüência no interior dessas matas.

Nova monocultura
Para o diretor do Programa Cerrado da ong Conservação Internacional, Ricardo Machado, o plantio de seringueiras que encanta os goianos é mais uma monocultura (plantação de uma única espécie) apoiada pelo agribusiness nacional. “Todo o nosso agronegócio é baseado em espécies estranhas ao País ou aos biomas, como a soja e o eucalipto. Isso não é novidade no Cerrado”, disse. “É lamentável que cada vez mais se deixe de usar e pesquisar plantas nativas para se usar espécies exóticas”, salientou.

Mesmo que as seringueiras estejam ocupando apenas áreas já desmatadas ou de pastagens, o ambientalista lembra que a legislação ambiental deve ser respeitada, mantendo beiras de rios e nascentes protegidas, por exemplo. “É preciso planejamento para avançar com os seringais”, enfatizou.

Heveicultura
No Vale do São Patrício, o principal produto das seringueiras, árvores típicas da Amazônia, é o látex coagulado. São 3,5 mil toneladas anuais. Essa goma é quase que totalmente usada na fabricação de pneus e outros itens automotivos por multinacionais instaladas no Brasil. Parcela menor da produção é transformada em solas de sapatos e de tênis, além de produtos cirúrgicos e farmacêuticos, como luvas e preservativos.

A heveicultura (plantio de seringueiras) avança na região não só pelo retorno financeiro, o quilo do látex coagulado vale quase R$ 2 em Goiás e cerca de US$ 2 no mercado internacional, mas também ocupando braços oriundos das lavouras temporárias de cana-de-açúcar. Com a proibição federal da poluidora queima da cana, a colheita tem sido mecanizada em muitas fazendas. Para se ter uma idéia, uma só máquina substitui entre 80 e 100 pessoas.

Um “sangrador” pode tomar conta de até quatro hectares de seringueiras, e o trabalho de cada um deles gera outros seis empregos na cidade. Apenas em Goianésia, mil pessoas estariam envolvidas com a extração do látex, que chega a duas mil toneladas por ano. “Muitos estão voltando para o interior com a garantia de emprego no campo. É um êxodo urbano”, afirmou o agrônomo José Fernando Canuto Benesi, que trabalha há mais de 20 anos no ramo da borracha.

A seringueira tem tido tanto sucesso na região que o prefeito de Goianésia Otávio Lage Filho, o Otavinho, prometeu a instalação de uma usina de beneficiamento que compraria todo o látex produzido no Vale do São Patrício. A usina seria instalada pela Jalles Machado S.A., destilaria que pertence ao Grupo Otávio Lage. Ligado ao agronegócio, o grupo é liderado pelo pai do prefeito, o ex-governador goiano Otávio Lage de Siqueira.

Diferente da cana-de-açúcar, a cultura de seringueiras é perene. Cada árvore produz em média dos sete aos 35 anos. Em seguida, a madeira dura e pesada pode ser vendida para fabricação de móveis. Os lucros são reinvestidos em novos cultivos. Na Malásia, Indonésia e Índia, por exemplo, um hectare com seringueiras é vendido por US$ 4 mil (cerca de R$ 8,5 mil). O Japão é hoje o maior consumidor mundial de madeira de seringueiras.

Outra vantagem das seringueiras seria sua capacidade de recuperar a vitalidade dos solos. As raízes profundas e a cobertura de folhas mortas ajudam a fixar nutrientes na terra, ao contrário da soja e da cana, por exemplo. “Ecologicamente, socialmente e financeiramente, a seringueira é uma das melhores culturas para qualquer município”, disse Benesi, também membro da Câmara Setorial da Borracha do Ministério da Agricultura e diretor da Associação Paulista de Produtores e Beneficiadores de Borracha (Apabor).

Passo em falso
A Amazônia é o banco genético global da espécie Hevea brasilienses, a seringueira nativa brasileira. Graças a isso, o País chegou a ser o único e maior produtor de borracha natural do planeta até o fim do Século XIX e metade do Século XX. Os barões da borracha usavam mão-de-obra indígena e escrava e depois nordestina para a exploração do látex no coração da floresta.

Já durante a 2ª Guerra Mundial e por influência dos norte-americanos e ingleses, o Brasil recrutou seus Soldados da Borracha. Novamente milhares de nordestinos avançaram sobre as seringueiras amazônicas para suprir o conflito com borracha natural. Plantas do Cerrado como a mangaba e a maniçoba também foram usadas para extração de látex. Os lucros da borracha levaram água, luz elétrica, telefone e grandes construções como o Teatro Amazonas ao norte do País.

No entanto, essa mina de ouro se esvaiu rapidamente. Ainda em 1876, o “naturalista” inglês Henry Wickmam levou sementes da seringa para o Jardim Botânico de seu país de origem, como relata Roberto Santos no livro História Econômica da Amazônia. Em seguida, a espécie foi melhorada em colônias inglesas no sudeste asiático, como Malásia, Índia, Ceilão e Cingapura, de onde inundaram o mercado mundial com borracha cultivada. A região produz hoje 90% da borracha natural do globo.

O Brasil foi suplantado pela falta de investimentos em pesquisas e tecnologia produtiva, passando a importar a partir de 1950 cerca de 65% das mais de 200 mil toneladas que consome atualmente. As seringueiras hoje plantadas no País são clones melhorados em países asiáticos. “Ficamos deitados em berço esplêndido. É a maior vergonha nacional em relação à agricultura”, disse o agrônomo José Canuto Benesi.

O resultado foi desastroso para a economia nacional. Enquanto uma seringueira nativa da Amazônia produz no máximo 800 quilos de látex por hectare, uma espécie melhorada pelos ingleses “sangra” até 1.700 quilos por hectare, mais que o dobro do rendimento. As principais lavouras de seringueiras nacionais estão hoje em São Paulo, responsável por 57% da produção brasileira, de cerca de 100 mil toneladas, além de Minas Gerais, Goiás e Espírito Santo.

Para que o Brasil pudesse se tornar auto-suficiente e até alimentar um mercado que movimenta quase nove milhões de toneladas de borracha natural e cerca de US$ 13 bilhões anuais seria necessário o plantio de mais 250 mil hectares a cada ano. A média atual é de 15 mil hectares. “Continuaremos dependentes da Ásia”, completou Benesi.
(EcoAgência, 03/03/06) http://www.ecoagencia.com.br/index.php?option=com_newsfeeds&Itemid=53

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