(29214)
(13458)
(12648)
(10503)
(9080)
(5981)
(5047)
(4348)
(4172)
(3326)
(3249)
(2790)
(2388)
(2365)
2006-03-03
Detectada na América do Sul no começo da década de 90, o Limnoperma fortunei é uma espécie nativa da China e do sudeste asiático. Ela veio parar do outro lado do planeta por meio de grandes embarcações que chegam todos os dias nos portos. Conhecido popularmente como mexilhão dourado, esse molusco bilvalve em pouco tempo se espalhou por todo continente e hoje representa não apenas uma ameaça ambiental, mas uma questão de importância econômica para o Brasil.

A espécie exótica tem sido apontada como responsável por alterar ecossistemas aquáticos, obstruir tubulações de captação de água, sistemas de resfriamento de usinas hidrelétricas e indústrias, e até por danos a motores de embarcações. Devido à dimensão do problema, o Ministério de Minas e Energia criou uma campanha nacional de combate ao mexilhão dourado, que conta com o apoio de instituições e centros de pesquisa de todo o país. A Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec) faz parte dessa força-tarefa e, desde 2001, desenvolve um projeto para a prevenção, o monitoramento e o combate do Limnoperma.

Essa espécie invasora chegou primeiramente à Bacia do Prata (Buenos Aires) por meio da chamada água de lastro, que é usada para garantir a flutuação das embarcações. Quando não estão transportando carga, os navios enchem o lastro com água doce e assim garantem o equilíbrio em alto mar. Ao chegar aos portos, essa água é despejada no mar e todos os organismos trazidos de outras regiões penetram no ecossistema marinho.

A introdução de organismos exóticos no ambiente natural é uma das principais causas de extinção de espécies nativas e, também, de alterações no ambiente aquático. As modificações podem ocorrer de forma menos relevante, se o invasor se adaptar à comunidade preexistente ou encontrar inimigos naturais. Mas, no caso do mexilhão dourado, o ambiente natural é completamente alterado.

“Por ser uma espécie invasora, uma das características principais do Limnoperma é a ampla resistência à variedade de fatores ambientais, e, por isso, é tido como um alto competidor dentro do ecossistema”, afirma Mônica Campos, pesquisadora e coordenadora do projeto do Cetec. O mexilhão possui características que facilitam a dispersão, a colonização e a estabilização do molusco em diferentes ambientes, tornando-o um componente dominante em todos os ecossistemas que invade. Além disso, a espécie possui uma rápida maturação sexual, um ciclo reprodutivo relativamente rápido e uma forte capacidade de dispersão. O mexilhão apresenta ainda o chamado comportamento gregário, ou seja, os indivíduos formam camadas, um crescendo ao lado ou sobre o outro.

Um outro aspecto importante é que, por ser um organismo exótico, ou seja, oriundo de outra área geográfica, ele não encontra no novo ambiente inimigos naturais (parasitas e predadores). Esse fato contribui significavelmente para a sua manutenção no novo ecossistema.

Risco ambiental
A chegada de espécies invasoras ao Brasil está associada, desde o início, à falta de controle e fiscalização sobre as diversas atividades de origem antrópica, principal vetor de dispersão do Limnoperma fortunei. Os organismos invasores, como o mexilhão dourado, que chegam a outros ambientes por meio da água de lastro, se espalham por todo o continente através das pequenas embarcações e por meio de atividades humanas. Desde a introdução da espécie na América Latina, esse pequeno invasor atingiu uma ampla distribuição por todo o continente, com densidades que superam 100 mil indivíduos por metro quadrado. “Essa é uma questão relativamente recente e, por isso, ainda não foram encontradas técnicas definitivas para solucionar o problema”, explica a coordenadora.

A colonização do Limnoperma fortunei atingiu o sistema de bacias hidrográficas Paraná-Uruguai, e atualmente já se encontra em seus formadores, como na Bacia do Rio Paranaíba, que faz a divisa do Estado de Minas Gerais com Goiás. O processo de dispersão e instalação do mexilhão em outros ecossistemas tem gerado uma série de problemas ambientais, como o desaparecimento de espécies nativas e o aparecimento de novas no espaço que ele coloniza. A espécie é comumente encontrada associada a substratos rígidos como píer e pilar de pontes, nos cascos das embarcações (onde o adulto se fixa).

Muitas vezes, ele cresce por cima de conchas ou algas, e até de macrófitas (plantas aquáticas). Crescendo sobre as plantas, o Limnoperma abafa o seu sistema radicular, matando-as. O resultado é o desaparecimento de algumas macrófitas e outros seres, simultaneamente ao aparecimento do invasor. Por ser um organismo filtrador e se utilizar desse processo tanto para sua respiração quanto para a digestão de alimentos, o mexilhão modifica toda a comunidade planctônica, realizando a seleção de espécies em todo o ambiente. A seleção acontece quando o organismo filtra as partículas em suspensão daquele ecossistema, aumentando a transparência e a quantidade de luz no ambiente. Essa mudança favorece o crescimento de macrófitas submersas e outros organismos que não apareceriam no local em condições normais.

Os peixes também podem ser prejudicados por essa espécie invasora, já que muitos se alimentam do mexilhão. É muito comum encontrar o trato digestivo das espécies de peixe totalmente preenchido com bivalves, o que mostra que aquilo não foi realmente assimilado por eles. As conchas (valves) permanecem inteiras, e acabam por ferir o trato digestivo, com sua borda mais cortante. Isso acaba favorecendo o aparecimento de doenças e fragilizando os indivíduos.

Questão econômica
Em maior e menor escala, o mexilhão dourado tem prejudicado vários tipos de indústrias que utilizam a água dos rios em seus processos, tornando-se, dessa forma, um problema econômico muito importante. Os danos decorrentes do invasor atingem todo o setor elétrico brasileiro, como as usinas hidrelétricas e até as estações de abastecimento e tratamento de água.

As larvas do Limnoperma fortunei atingem as instalações industriais ainda durante os primeiros estágios de desenvolvimento. Elas se fixam em todo o tipo de substrato duro como metal, plástico, cimento e até madeira. Em qualquer lugar em que a larva planctônica se fixa, transforma-se numa pós-larva e começa a se desenvolver para o estágio adulto, formando uma colônia com vários indivíduos. É uma espécie que cresce em camadas, obstruindo todo o diâmetro de tubulações, filtros bombas, canalizações, condensadores e turbinas (chamado de macrofouling).

Esse processo gera uma perda de carga no sistema da usina e um superaquecimento, já que mexilhões não vão direto para a tubulação que alimenta a usina, mas para a tubulação da água de resfriamento da máquina. Essas são tubulações menores que necessitam constantemente limpeza para a remoção de organismos. Para isso, a máquina tem que ser parada, gerando prejuízo para empresa, além de implicar em um aumento de homem/hora para a manutenção da mesma.

A questão não está vinculada apenas às usinas hidrelétricas, mas a quaisquer indústrias que façam uso da água bruta. A espécie invasora já é problema, por exemplo, nas estações de tratamento e abastecimento de água para a piscicultura, que utiliza, muitas vezes, alevinos oriundos de áreas que já estão contaminadas com o mexilhão. A própria piscicultura sofre as conseqüências da disseminação dessa espécie. É prejuízo, também, para a agricultura que utiliza água canalizada ou irrigação. “Essa é uma questão econômica muito séria, e por isso o problema tem ganhado tamanha dimensão”, completa Mônica.

Força-tarefa
No Brasil, é tudo muito novo, mas o mexilhão dourado já alcançou usinas hidrelétricas como a Itaipu e a Porto Primavera. Além disso, já foi constatada a presença do molusco na região do Pantanal brasileiro e nas captações de água no Estado do Rio Grande do Sul. Apesar da rápida dispersão, ainda não foi encontrada uma fórmula para combater a espécie. Existe uma série de técnicas químicas, físicas, biológicas que podem ser utilizadas, mas nenhuma é por si só a solução do problema. O que é conhecido tem sido desenvolvido pela América do Norte, nos EUA e Canadá, para controle e combate de uma espécie que é similar ao Limnoperma, o mexilhão zebra. O organismo pertence a outra família, mas suas características o aproximam do mexilhão dourado. Muito do que se conhece das técnicas de combate foi trazido de experiências desses países.

A força-tarefa nacional tem o objetivo de garantir a manutenção, o controle e a prevenção dos ecossistemas contra as espécies invasoras. Por recomendação dessa força-tarefa, foi utilizada como medida a cloração. O cloro é a substância mais barata e eficaz que é empregada de forma geral para o controle do mexilhão. Esse agente químico tem sido utilizado ainda em caráter experimental por algumas das empresas hidrelétricas do país e apresentado resultados.

Mas alguns inconvenientes já foram detectados, como a corrosão que provoca nas tubulações, causando prejuízo para as empresas. Outro ponto negativo na utilização do cloro é a questão de geração de trialometanos em presença da matéria orgânica. Essas são substâncias tóxicas e cancerígenas, geradas no contato do agente químico com matérias orgânicas. A pesquisadora do Cetec afirma que essa não é uma solução definitiva, nem a forma de controle mais recomendada, pois leva ao comprometimento da saúde pública.

As empresas estão sempre buscando formas alternativas como ozônio, as remoções do organismo com jato de água e até a limpeza mecânica com a retirada de material. De acordo com a coordenadora, um outro problema decorrente dessa proliferação é a disposição final do material retirado. “São retirados caminhões e caminhões de valvas mortas que precisam ter uma destinação final apropriada, pois a própria valva é um material tóxico em potencial”, completa.

Segundo Mônica Campos, a arma principal contra o mexilhão dourado ainda é a prevenção. “Uma vez instalada no ambiente, aquela espécie invasora altera profundamente o ecossistema, que dificilmente volta a ser o que era antes”, garante. O projeto desenvolvido pela equipe do Cetec começou com a Cemig, e voltou-se para a questão da detecção, o levantamento, o diagnóstico do Limnoperma na região de Minas. Dentro desse projeto, a equipe elaborou uma cartilha, que é utilizada pela Cemig para ajudar na educação ambiental. Eles estudaram o reservatório de Volta Grande, localizado no Rio Grande, área com grande risco de contaminação. Nessa região, eles realizaram o levantamento de dados e informações necessárias e definiram metodologias de monitoramento do ecossistema.

A primeira parte do projeto foi toda feita em nível laboratorial, pois o organismo não estava ainda instalado no reservatório. Ela se constituía no levantamento, diagnóstico e primeiras pesquisas para o controle do organismo. Foi necessária uma licença junto ao Ibama para a equipe do Cetec coletar e transportar essa espécie invasora para uma área não-contaminada e cultivar sobre normas de biossegurança. O mexilhão foi cultivado no laboratório e usado em uma série de testes para saber o limite de tolerância da espécie e as faixas limites à sobrevivência (PH, oxigênio, cálcio). Além disso, foram feitos ensaios para avaliar a aderência do Limnoperma em diferentes tipos de materiais e recobrimentos (no caso da tinta).

Um dos focos do projeto do Cetec é a pesquisa com de tintas anti-aderentes, técnica que pode ser bastante eficiente para o combate. O objetivo é encontrar uma substância à qual o mexilhão não consiga aderir e, assim, não se multiplique. O problema é que muitas dessas tintas podem ser tóxicas para outros organismos. Por isso, é preciso pesquisar uma tinta que seja ambientalmente limpa. A equipe também avaliou algumas substâncias químicas tóxicas para o invasor e menos tóxicas para outras espécies representantes da biótica aquática. De acordo com a coordenadora, a intenção é encontrar uma substância que atue especificamente no mexilhão dourado. Nessa fase, os ensaios em laboratório são essenciais.

A próxima etapa é transferir os testes para o campo. “Com a segunda etapa do projeto, teremos uma dimensão melhor da eficiência das substâncias e materiais que estamos testando”, completa.

Hoje, além da Cemig, o Cetec está envolvido em outras parcerias, como a com a Embrapa Pantanal para a identificação de tintas antiaderentes ou antiincrustantes que possam ser utilizadas nas embarcações que trafegam na hidrovia do Pantanal. O Cetec tem uma participação em um projeto de aplicação experimental de um agente químico em escala real em uma das usinas da Companhia Energética de São Paulo (Cesp). Em Minas Gerais, ainda não existem usinas contaminadas com o mexilhão dourado, mas já estão sendo realizados monitoramentos em parceria com a Cemig.

A chave para a questão é a educação ambiental, a articulação entre os vários setores da sociedade, centros de pesquisa e as universidades e também o empenho dos órgãos de governo e fiscalizadores. “É necessária a integração de todos os setores para gerar tecnologias de controle, metodologia e monitoramento e ajudar a difundir a questão da prevenção”, completa a coordenadora.

Por Bárbara Freire
(Minas Faz Ciência – Revista da Fapemig nº 24, Fev 2006)
http://revista.fapemig.br/materia.php?id=256

desmatamento da amazônia (2116) emissões de gases-estufa (1872) emissões de co2 (1815) impactos mudança climática (1528) chuvas e inundações (1498) biocombustíveis (1416) direitos indígenas (1373) amazônia (1365) terras indígenas (1245) código florestal (1033) transgênicos (911) petrobras (908) desmatamento (906) cop/unfccc (891) etanol (891) hidrelétrica de belo monte (884) sustentabilidade (863) plano climático (836) mst (801) indústria do cigarro (752) extinção de espécies (740) hidrelétricas do rio madeira (727) celulose e papel (725) seca e estiagem (724) vazamento de petróleo (684) raposa serra do sol (683) gestão dos recursos hídricos (678) aracruz/vcp/fibria (678) silvicultura (675) impactos de hidrelétricas (673) gestão de resíduos (673) contaminação com agrotóxicos (627) educação e sustentabilidade (594) abastecimento de água (593) geração de energia (567) cvrd (563) tratamento de esgoto (561) passivos da mineração (555) política ambiental brasil (552) assentamentos reforma agrária (552) trabalho escravo (549) mata atlântica (537) biodiesel (527) conservação da biodiversidade (525) dengue (513) reservas brasileiras de petróleo (512) regularização fundiária (511) rio dos sinos (487) PAC (487) política ambiental dos eua (475) influenza gripe (472) incêndios florestais (471) plano diretor de porto alegre (466) conflito fundiário (452) cana-de-açúcar (451) agricultura familiar (447) transposição do são francisco (445) mercado de carbono (441) amianto (440) projeto orla do guaíba (436) sustentabilidade e capitalismo (429) eucalipto no pampa (427) emissões veiculares (422) zoneamento silvicultura (419) crueldade com animais (415) protocolo de kyoto (412) saúde pública (410) fontes alternativas (406) terremotos (406) agrotóxicos (398) demarcação de terras (394) segurança alimentar (388) exploração de petróleo (388) pesca industrial (388) danos ambientais (381) adaptação à mudança climática (379) passivos dos biocombustíveis (378) sacolas e embalagens plásticas (368) passivos de hidrelétricas (359) eucalipto (359)
- AmbienteJá desde 2001 -