UFMG desenvolve turbina eólica com tecnologia nacional e de baixo custo
2006-03-02
Quem, quando criança, nunca brincou com um cata-vento? O que parece apenas um brinquedo infantil pode ser a base para a geração de uma energia alternativa e viável. Com o objetivo de desenvolver uma tecnologia nacional para aproveitar o potencial eólico brasileiro, professores do Departamento de Engenharia Mecânica do Centro de Estudos Aeronáuticos da UFMG desenvolveram uma turbina eólica de médio porte, medindo sete metros de diâmetro e com capacidade para gerar 10 quilowatts de potência.
Sob a coordenação dos professores Marcos Vinicius Bortolus e Rogério Pinto Ribeiro, o projeto teve início em 1997 e conta com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). A idéia era criar um equipamento de baixo custo e adequado às condições do vento em Minas Gerais, visto que as turbinas existentes até então eram inadequadas ao clima brasileiro, pelo fato de serem importadas de países de clima frio como a Alemanha e a Dinamarca.
A matéria-prima da turbina é um material “projetado na natureza” para tal fim: a madeira. Conforme o professor Ribeiro, uma árvore está submetida à carga de vento de forma semelhante a uma turbina eólica. O projeto da UFMG utiliza uma madeira nacional denominada frejó, considerada uma das melhores do mundo. Outro fator que contribui para o baixo custo é a simplicidade do processo de fabricação, que utiliza conhecimentos adaptados da aeronáutica. Com isso, qualquer cidade pequena no Brasil que disponha de uma marcenaria pode tornar-se auto-suficiente na produção da turbina.
O professor Bortolus lembra que a técnica dos moinhos de vento é conhecida há muitos séculos, e que o desenvolvimento da aerodinâmica de aviões, a partir do século XX, tornou possível criar sistemas mais eficientes de máquinas eólicas.
Brincando com o vento
Como funciona uma turbina eólica? De forma semelhante a um cata-vento.
O vento, que é massa de ar em movimento, ao passar pelo brinquedo, faz com que suas pás girem. Nesse caso, o interesse é puramente lúdico. Com relação à turbina eólica, o torque existente em seu eixo pode ser usado de duas formas: para bombear água para irrigação, ou para gerar energia através da adaptação de um gerador elétrico. Apenas a título de comparação, na hidrelétrica, a água passa pela turbina, que aciona um gerador. Na máquina eólica, o ar faz o papel da água ao fluir pela turbina.
O desenvolvimento da turbina eólica da UFMG leva em consideração a irregularidade do vento em Minas Gerais ao longo do ano, pois utiliza um mecanismo que varia o ângulo das pás de acordo com a intensidade e a direção do vento, de forma a otimizar seu aproveitamento. Em geral, a aplicação de turbinas eólicas é mais vantajosa em regiões de altitudes elevadas, de ventos mais intensos. Com efeito, justamente nessas regiões são encontradas as comunidades que não possuem acesso a energia, devido ao difícil acesso e alto custo da rede elétrica. Nesses locais, as energias alternativas tornam-se essenciais.
Uma vez gerada energia, essa irregularidade dos ventos mineiros pode ser resolvida com o armazenamento de energia. Em pequenas comunidades, podem-se usar sistemas de baterias de baixo custo, de uso automotivo. Segundo Ribeiro, esse sistema pode ter sua manutenção feita pela própria comunidade, por meio de transferência de conhecimento por parte dos pesquisadores. Para Bortolus, a questão das associações comunitárias para gerir a energia é mais política e social do que tecnológica. Ele destaca o Programa Energia para Todos, da Cemig, que visa difundir formas alternativas de energia para comunidades que não possuem acesso.
As formas alternativas de energia requerem estudos de acordo com as condições de cada local. Os professores apostam na combinação de sistemas de energia, a exemplo da ilha de Fernando de Noronha, que associou o sistema de geração eólica com o diesel. Para melhorar o sistema, o diesel pode ainda ser substituído pelo biodiesel.
Antes de ser montada, a turbina eólica em questão passou por uma série de ensaios qualitativos, com o objetivo de avaliar sua integridade estrutural. No laboratório, uma série de garrafas plásticas foi afixada ao longo das pás da turbina, representando a força do vento em condições extremas. Já com a turbina montada, procurou-se avaliar se o nível de vibrações é adequado. Conforme o professor Ribeiro, “se a distribuição de massa não for bem feita, ela pode vibrar muito. Como um ventilador, se uma parte da pá se soltar, ele vibra todo”. Segundo os pesquisadores, o funcionamento da turbina está satisfatório, e o próximo passo é avaliar a geração de energia por meio de um gerador elétrico. A turbina, que esteve montada próximo ao galpão do Centro de Estudos Aeronáuticos da UFMG, está desmontada atualmente, para realização de testes.
Parcerias para levar energia a todos
Inicialmente, o projeto do Centro de Estudos Aeronáuticos da UFMG restringia-se apenas à construção de uma turbina eólica. Recentemente, o projeto associou-se à Cemig, com a finalidade de implantar o sistema eólico nas regiões em que a rede elétrica não chega. A operacionalização mais efetiva dos estudos está dependendo da aprovação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), prevista para o mês de fevereiro de 2006.
A parceria estabelecida com a Cemig prevê a atuação de pesquisadores do Departamento de Engenharia Elétrica da UFMG. O objetivo é construir um gerador elétrico adaptável ao eixo da turbina, além de pesquisar a questão da transferência da energia gerada para a rede elétrica. No caso da turbina eólica de médio porte, essa possibilidade é pouco interessante, porque a potência é baixa. No caso de um parque eólico, com cerca de 50 turbinas, a viabilidade é maior.
Outro aspecto dessa iniciativa conjunta é o desenvolvimento de metodologias de mapeamento de diversas regiões de Minas Gerais, sob a coordenação de outra equipe de pesquisadores do Departamento de Engenharia Mecânica da UFMG. Segundo o professor Bortolus, “do mesmo modo que há necessidade de a tecnologia ser desenvolvida por nós, há também necessidade de procedimentos de mapeamento e de análises mais refinadas”. O professor Ribeiro explica que é necessário estabelecer uma padronização tanto para a realização dos estudos quanto para a apresentação dos resultados. Ele afirma, ainda, que o conhecimento já está bem consolidado;
a dificuldade “é usar esse conhecimento para desenvolver a tecnologia, mas uma tecnologia adequada às condições locais”.
A energia eólica no mundo
- Estima-se que apenas 2% da energia dos ventos pode ser convertida em formas de energias utilizadas. Esse número, que parece ser inexpressivo, é 100 vezes maior que toda a capacidade de energia instalada no mundo.
- A maior turbina operando no mundo atualmente localiza-se na Alemanha, possui 112 metros de diâmetro e gera 4,5 megawatts de potência.
- A China prevê a instalação de 50 mil turbinas de pequeno porte nos próximos dez anos.
- O potencial eólico brasileiro é da ordem de 140 gigawatts, valor comparável ao da Alemanha. Porém, nossa capacidade instalada é 300 vezes menor.
Por Márcia Romano
(Minas Faz Ciência – Revista da Fapemig nº 24, Fev 2006.)
http://revista.fapemig.br/materia.php?id=264