Madeireiras usam parceria para explorar área
2006-03-02
A parceria com os Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS) tocados pela irmã Dorothy Stang foi uma forma encontrada pelas madeireiras de atuar legalmente na chamada Terra do Meio. A região é formada por grandes glebas de colonização do Incra dos anos 70, com farto financiamento da Sudam, cujos contratos de exploração previam o desmatamento de 50% da floresta, como determinava a lei da época. Todos ficaram obrigados a recompor a mata a partir de 1999, com a elevação da reserva para 80% da área.
Assim, os madeireiros que querem agir segundo a lei não podem esperar matéria-prima das grandes glebas de 3 mil hectares. É aqui que entram irmã Dorothy e seus assentamentos ecologicamente corretos. A lei permite o desmatamento de 3% ao ano de cada gleba, que tem apenas 100 hectares, para garantir a sobrevivência dos assentados. Essa divisão cria um grande volume de árvores disponíveis para corte. Por outro lado, a lei obriga as madeireiras a plantar oito mudas nativas por metro cúbico de madeira cortada. Bastava madeireiros e assentados se entenderem. No começo, eles se estranharam, lembra Leivino Ribeiro, presidente da Associação Madeireira dos Municípios de Anapu e Pacajá (Ammapa), que reúne 22 das 30 pequenas e médias madeireiras da região, com faturamento médio de R$ 150 mil ao ano e 2 mil empregos diretos. Mas logo fizeram as contas e concluíram que tinham mais a ganhar juntos do que a perder.
As negociações começaram já em 2002, ano de fundação da Ammapa, lembra Ribeiro, que em seu escritório em Anapu tem várias fotos com a missionária americana, e mostra acordos firmados com Dorothy Stang, que assinava em nome da Comissão Pastoral da Terra de Xingu.
Ao custo de R$ 300 mil, a Ammapa montou um viveiro de 600 mil mudas de 87 espécies de árvores, estimulada pela irmã Dorothy. No PDS Esperança, onde a missionária foi assassinada, 200 mil mudas foram plantadas; no PDS Virola, outras 40 mil. E o plantio continua. Na safra de agosto de 2004 a janeiro de 2005, foram extraídas cerca de 10 mil árvores dos assentamentos, calcula Ribeiro, gerando uma receita de R$ 600 mil para 1.300 agricultores. Além disso, diz ele, a Ammapa abriu nos assentamentos 90 quilômetros de estradas para escoar madeira e tudo o mais que eles venham a produzir. Agora, a Ammapa tem tentado, por enquanto sem grande sucesso, aprovar no Ibama planos de manejo sustentável de floresta - tanto em nível comunitário (com os assentados de irmã Dorothy) como empresarial (em áreas administradas pelas madeireiras). Esses planos prevêem a abertura de picadas na mata a cada 50 metros, para numerar, medir, identificar e colocar placas nas árvores. Outro cuidado é o corte dos cipós antes da derrubada das árvores para evitar que arrastem outras - o "efeito dominó". Apesar de todo o controle, o Ibama tem sido econômico nessas autorizações.
Já o reflorestamento e o corte em áreas previamente desmatadas têm sido aprovados com mais freqüência. O Ibama registra a saída das mudas do viveiro e acompanha, ano a ano, a poda das árvores, cujo mapeamento é fixado por GPS (posicionamento global por satélite). Numa das antigas glebas de pasto e café abandonadas em Anapu, a madeireira Agroindustrial H.P. está plantando 45 mil mudas de mogno, pau-brasil e ipê, que serão preservadas, e paricá e sumaúma, que dentro de 10 a 12 anos serão cortadas para a produção de compensados. O empreendimento tem 18 funcionários, todos com carteira assinada e salários entre R$ 500 e R$ 600, segundo José Carlos Pereira da Silva, auxiliar de engenheiro florestal. Até agora, o Ibama não aprovou o plano de manejo da floresta nativa apresentado pela empresa.
"Não vou dizer que 100% das madeireiras de Anapu fazem tudo certo", admite Ribeiro. "Há madeireiras e madeireiras. Com a morte da irmã, poderá haver mais fiscalização. Isso vai ser bom."
(O Estado de S. Paulo, 27/02/06)