Crise no setor madeireiro legalizado leva a desestímulo na busca pela certificação florestal
2006-03-02
Florestas com planos de manejo reconhecidos internacionalmente são garantias de respeito ao binômio desenvolvimento econômico e conservação do meio ambiente. Mas essa iniciativa correta e bem vinda está sofrendo o pior desgaste dos últimos tempos, em função da crise que se abateu sobre o setor madeireiro, responsável por milhares de demissões nos últimos meses.
Para o empresário Odivan Carlos Cargnin, diretor administrativo e financeiro da Celulose Irani, não há motivos suficientes que justifiquem as certificações ambientais por parte das empresas, posto que os processos para obtê-las demandam investimentos. Segundo ele, não existe uma diferenciação clara no mercado mundial que valorize mais os produtos certificados e “conter custos é a única coisa que depende somente da decisão do empresário”.
Na avaliação de Cargnin, a atual taxa de câmbio está levando setores de produtos com menor valor agregado - como o madeireiro, moveleiro, calçadista e têxtil - a uma das maiores crises da história. Segundo ele, a balança comercial é puxada por alguns setores como minério de ferro, aço e derivados de petróleo, que tiveram expressivos aumentos dos seus produtos em dólar. “Todos os demais setores, que não tiveram a mesma sorte, estão à deriva. E, com eles, o emprego de milhares de trabalhadores”, lamenta.
“O setor madeireiro, em especial, encontra-se na situação mais delicada”, diz, lembrando que a cotação do dólar, abaixo da linha dos R$ 2,20, é um agravante para a sustentabilidade das empresas. “Os que, de alguma forma, resistiram até agora não conseguirão manter suas atividades”, prevê. “E a única saída é fechar as portas”.
Odivan ainda questiona a medida do governo que isenta de tributos o ingresso de recursos estrangeiros, derrubando ainda mais o valor do dólar. Segundo ele, as reclamações já começaram a surgir em outros setores também. “O próprio Ministro do Desenvolvimento já se manifestou a respeito. Mas a equipe econômica parece não perceber a realidade”, diz. “Talvez, somente percebam quando surgirem os dados do desemprego de 2006. Aí, já será tarde”.
O diretor da Berneck Aglomerados, Álvaro Rose, confirma que a situação é mais crítica para os que trabalham com base na exportação. A empresa, de propriedade do presidente do Sindicato da Indústria da Madeira do Estado do Paraná, está arcando com prejuízos para manter suas exportações e investiu num produto com custos mais baixos de produção como forma de suplantar essa dificuldade.
Florestas sob ameaça
A crise do setor madeireiro legalizado evoca reflexões que transcendem o mercado empresarial. Elas dizem respeito ao futuro das florestas brasileiras em áreas privadas. Se o Governo, com políticas errôneas, desestimula as empresas a operarem não só legalmente, mas com manejos que garantem a continuidade e saúde das florestas, o mercado tende a ser suprido pelos que não se sujeitam às mesmas leis – ou seja, os grileiros de áreas públicas, os desmatadores cujas práticas não honram nenhum compromisso ambiental.
O superintendente executivo do Fórum Nacional das Atividades de Base Florestal, Fernando Castanheira Neto, confirma que, enquanto houver compradores, o setor madeireiro sobreviverá – mas não os empresários. “Estes tendem a buscar o plano B”. Não se sabe é a que custo para as florestas, já que os certificados debatem-se em meio à quebradeira, enquanto os ilegais continuam operando, livres dos custos impostos pelo respeito à legislação.
É essa a realidade a que o Governo Federal não vem dando a devida atenção. Ninguém deixará de comprar portas e janelas, mesas e armários; a construção civil tampouco pode prescindir de madeira, no processo de erguer residências, por exemplo – do palacete à casa mais humilde. Porém, ao penalizar as empresas legais, a atual política econômica está alimentando o risco de um “apagão florestal” que favorece mercados paralelos, ou seja, a procedência não confiável.
“Se a parte social fosse levada em consideração, o setor teria outro prestígio”, diz Castanheira, registrando que, com milhares de empregos, a indústria madeireira fixa o homem no campo, isso fora o fato de responder por 4,5% do Produto Interno Bruto. Para ele, a política ambiental do Brasil nada tem de “ambiental”. “Querem internalizar recursos de fora para aplicar aqui, é uma política econômica”, avalia.
Um dos exemplos de decisão errada – em seu entender – foi a proibição do corte de araucárias, árvore que ocorre no sul do país, hoje ameaçada de extinção. “Retirar o valor de uso da araucária é condenar a espécie nas áreas privadas”, diz. “A estratégia de conservação tem que envolver o setor privado, que também tem interesse em que haja mais e mais araucárias”.
No Sul, o delegado regional do trabalho do Paraná, Geraldo Serathiuk, dá a dimensão do colapso. Dos 5365 novos postos de trabalho abertos pelo setor madeireiro e mobiliário em 2004, 4209 foram fechados em 2005, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – Caged - do Ministério do Trabalho. A expectativa é que esses números tenham aumentado nestes primeiros meses de 2006, ainda não contabilizados.
Ele aponta os problemas enfrentados pela indústria do papel e celulose também, em proporções bem menores. Em 2004, foram criados 1973 novos postos de trabalho com a contrapartida de 1176 fechados em 2005.
Para Serathiuk, a cadeia produtiva da indústria madeireira tem vários entraves. “As pessoas se apegam à queda do dólar e aos juros elevados”, diz, “se fossem somente esses não teríamos outros setores crescendo e exportando”. Ele cita outros problemas enfrentados pelo setor que podem ter refletido nessa crise, como a falta de estoques que gerou o “apagão florestal”.
O delegado afirma já ter conversado com alguns personagens envolvidos que podem auxiliar na busca por uma solução, como o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná - Fiep -, Rodrigo da Rocha Loures, e com o presidente do Instituto Ambiental do Paraná - IAP -, Rasca Rodrigues. Ele propõe a realização de um seminário, ou uma atividade comum com todos os atores, para um diagnóstico mais amplo, do qual devem participar sindicatos, federações e secretarias estaduais e federais. Serathiuk estima promover essa ação ainda no início deste mês de março.
O encontro teria como um dos objetivos discutir formas de socorro social aos trabalhadores das regiões paranaenses que dependem dessa atividade como Rio Negro, General Carneiro e municípios próximos à Guarapuava. As demissões iniciaram em maio do ano passado e, para muitos, o auxílio do seguro desemprego já expirou.
(AmbienteBrasil, 25/02/06)