Eduardo Athayde
O Brasil está no centro das atenções internacionais quando o assunto é biocombustível. Foi alvo de rasgados elogios do presidente americano George Bush pelo uso do álcool e das novas tecnologias "flex fuel" e foi apontado pelo WWI (Worldwatch Institute) como "Arábia Saudita dos biocombustíveis". Abatido pelas pesquisas, Bush afirmou, em inesperado discurso, que os EUA "sofrem de um vício em petróleo que precisa ser combatido".
Parece que os orixás da Bahia já previam. O mesmo dendê que ferve a moqueca e frita o acarajé pode também mover os trios elétricos no Carnaval. O biotrio, trio elétrico de última geração, movido a biodiesel, conquista o folião e atrai a atenção de investidores, transformando o Carnaval da Bahia numa vitrine de negócios sustentáveis, econegócios geradores de lucro social, econômico e ecológico integrados. Lançado por Ivete Sangalo, com apoio da Universidade Estadual de Santa Cruz e Universidade Livre da Mata Atlântica, no Carnaval de 2005, o biotrio já está fazendo escola. Neste ano, outros dez biotrios usarão biodiesel. No ano passado, Salvador recebeu mais de 2 milhões de foliões, uma densa massa humana animada por 95 trios e carros de apoio movidos a petrodiesel, poluente.
Atraídos pelas ondas de energias limpas, estiveram recentemente no Brasil os donos do Google, gigante da internet, interessados nos investimentos em energias renováveis. Na mesma época, chegaram executivos de Bill Gates, que, além da Microsoft, é sócio majoritário da agressiva Pacific Ethanol e quer liderar a produção de biocombustíveis. Disfarçados de turistas, dirigentes dessas transnacionais circularam pelas ruas de Salvador. Neste ano, até Bono, do U2, está na boa terra com Gilberto Gil, primeiro ministro da Cultura que entendeu a importância de "ressuscitar no chão nossa semeadura". Bono, Gates e "os Googles", globalmente antenados, poderão ligar as suas imagens mundiais à contagiante folia da Bahia.
Os seis dias de Carnaval da Bahia são um hiato positivo entre notícias negativas sobre o Brasil que dominam a imprensa internacional. Registrando a folia baiana de 2005, que consumiu 16 milhões de litros de cerveja e 9,3 milhões de litros de água num circuito de 25 quilômetros, estavam na Bahia 2.986 profissionais das maiores redes de comunicação do mundo, nacionais e estrangeiras. Entre elas: as americanas CNN e CBS; BBC, de Londres; Nippon, japonesa; RAI, italiana; Directv, Euro TV.
Foram 283 horas de transmissão de TV, sendo 122 horas internacionais. Acrescente ainda todos os principais jornais nacionais e os maiores estrangeiros: "The New York Times", "Le Monde", "Corriere della Sera", "Washington Post" e "El País". E mais 176 sites e portais, 45 revistas e 65 produtoras de vídeo. É uma janela para o mundo, geradora de mídia espontânea (gratuita) de causar inveja a qualquer país ou governo.
"Há riscos e oportunidades de negócios (derivados das mudanças climáticas) influenciando investimentos das corporações ao redor do mundo", afirma Lester Brown, fundador do WWI, que desembarca no Brasil logo depois do Carnaval. Brown e Ted Turner, fundador da rede de comunicação CNN, lideram um time internacional de novos especuladores sustentáveis com patrimônios avaliados em cerca de US$ 30 trilhões, interessados em multiplataformas de econegócios e que, receosos dos crescentes impactos negativos, filtram seus investimentos, exigindo das companhias informações sobre o consumo energético e o desempenho das suas emissões.
Sintonizada com o nervosismo da demanda internacional, a Petrobras assinou contratos com quatro usinas fornecedoras de biodiesel, calibrando a pressão do mercado interno e beneficiando cerca de 60 mil famílias de agricultores familiares de Minas Gerais, Pará, Piauí e São Paulo, Estados produtores de mamona, dendê e soja, usados na produção do biocombustível.
A Bahia, maior produtora de mamona do país, deu um passo à frente, articulando cooperações com a Califórnia, usando a força da sua natureza lúdica para fisgar investidores atraídos pelos encantos do entretenimento. Se aproveitarem a dica dos biotrios e usarem biodiesel, os sistemas de transporte coletivo dos centros urbanos transferirão recursos que hoje financiam o petrodiesel para as lavouras das plantas oleaginosas, ajudando a despoluir as cidades.
A auto-suficiência em petróleo, meta conquistada, é menos importante hoje do que foi no passado. O desafio agora é gerar excedentes para exportar energias renováveis por meio de econegócios que melhorem a qualidade do ambiente urbano, com geração de ocupação e renda no campo, alimentando as economias rurais e redistribuindo riquezas. Exemplos de políticas ambientais defendidas nas Metas do Milênio da ONU para grandes centros urbanos, concentradores de riquezas e poluição -viciados em petróleo. Há coisas que só a magia da Bahia pode fazer. Em breve, o "Guinness", o livro dos recordes, poderá incluir mais um registro do Carnaval da Bahia: "Maior festa popular de energias limpas do mundo", anexando ao recorde de "maior festa de rua do planeta", já conquistado. Eduardo Athayde, administrador e pesquisador, é diretor do WWI (Worldwatch Institute no Brasil). (www.wwiuma.org.br)