Rondônia sem alternativa
2006-03-02
Por unanimidade, sem nenhuma objeção, o Conama aprovou no dia 22 de
fevereiro mudanças referentes a reservas legais em Rondônia. Quem
desmatou mais de 20% da propriedade não precisa mais reflorestar até
ter 80% das terras cobertas por mata novamente, como prevê a lei.
Basta se comprometer a recuperar, em 30 anos, metade da floresta que
um dia existiu. A decisão é inédita no Brasil.
“A questão de Rondônia virou um conflito que não tinha mais condições
de resolver”, reconhece Gilney Viana, responsável pela Secretaria de
Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente, que deu
parecer favorável à proposta. Rondônia foi o primeiro estado a elaborar
um Plano de Zoneamento Socioeconômico-Ecológico (ZSEE) para definir a
utilização do solo. Começou o processo em 1986. Mas ao dividir o seu
território em três regiões constatou que na Zona 1, onde se concentram
os centros urbanos, a indústria e as principais áreas agropecuárias do
estado, não sobrou muita floresta. Proprietários que deveriam ter
preservado 80% de mata já tinham derrubado tudo, ou quase tudo.
O que, para o governo, tem explicação. Até 2001, o limite de desmate
imposto pelo Código Florestal era de 50% na Amazônia. Depois da
aprovação da Medida Provisória 2166, a área de reserva legal subiu
para 80%. “Com isso muita gente ficou ilegal”, conta Osvaldo Pittaluga,
gerente-executivo do Ibama em Rondônia. Ao aprovar o zoneamento do
estado, em 2000, a Assembléia Legislativa considerou a área de reserva
legal de 50%. Mas a medida passou a se chocar com a lei federal e
levou o MMA a questionar o plano de zoneamento. Enquanto isso, os
proprietários aproveitaram para desmatar até onde achavam que podiam.
Depois de muita negociação entre Brasília e Porto Velho, chegou-se a
um acordo. A Assembléia Legislativa elevaria novamente a reserva legal
para 80% (o que fez no ano passado) e, em compensação, quem desmatou
mais que isso na zona 1 só teria que repor a vegetação nativa até o
patamar dos 50%. É uma alternativa prevista na mesma MP 2166 para
estados que tenham programa de zoneamento, mas que nunca tinha sido
posta em prática. “É um direito adquirido. As pessoas estavam impedidas
de fazer planos de manejo ou financiamentos por estarem ilegais”, conta
Pittaluga. Ele acredita que a decisão vai ajudar a coibir desmatamentos
no estado porque agora madeireiras poderão retirar toras de reservas
legais manejadas.
Na prática
Quanto à decisão de obrigar, durante um período de 30 anos e com
poucos fiscais, proprietários a reflorestarem metade de suas terras,
Pittaluga não acha que será difícil cumpri-la. Afirma existirem
técnicas de manejo de pasto e de reflorestamento capazes de impedir
que os fazendeiros percam dinheiro durante o processo. “Floresta em pé
também dá dinheiro”, enfatiza. E Gilney Viana diz contar com os
satélites que monitoram desmatamentos na Amazônia para apertar a
fiscalização.
“O reflorestamento vai acontecer porque cada proprietário terá que
assinar um Termo de Ajuste de Conduta e o Ministério Público vai ficar
em cima”, acredita Luis Carlos Maretto, engenheiro florestal e
conselheiro da Kanindé – uma associação que faz parte do Grupo de
Trabalho Amazônico (GTA) e que tem assento no Conama. Maretto esteve
em Brasília e votou a favor da medida. “A gente apóia porque entre
continuar na ilegalidade entre duas leis é melhor legalizar de uma
forma”, argumenta. “Vamos ficar vigilantes para que não aconteçam novos
desmates. Queremos que Rondônia sirva de exemplo”.
Para Viana, o estado pagou um preço por ser o primeiro a implantar um
programa de zoneamento e serviu como piloto para a Amazônia. Mas isso
não significa que é um exemplo a ser repetido. “Temos que encontrar
uma forma de validar mais rápido os planos de zoneamento para não
chegarmos a situações-limite como essa”, disse, referindo-se à
necessidade de reduzir a cota de reposição florestal por falta de
opção.
Onde tem vegetação amazônica em Rondônia, a reserva legal continua a
ser de 80%. A decisão do Conama, que será sancionada por decreto pelo
Presidente da República, não autoriza novos desmates. Ela apenas
permite que donos de propriedades na zona 1 que tenham desmatado além
do permitido recuperem no mínimo 50% da cobertura florestal. Quem
preservou 60% não pode desmatar mais. Mas também não precisa recuperar
uma sombra de árvore sequer.
As demais zonas do estado são compostas por unidades de conservação
(zona 3) ou terras particulares ou devolutas definidas pelo programa de
zoneamento como áreas para preservação ou atividades extrativistas
(zona 2). As duas correspondem a 50% do território de Rondônia.
Apesar da separação, no ano passado uma área devoluta bem preservada
na zona 2 foi ocupada por cerca de 12 mil imigrantes do sul do estado
e, por pressão e degradação acabou aglutinada à zona 1. A região
conhecida como Núcleo União Bandeirantes ficou como um alerta de que o
zoneamento só protege até certo ponto, e que na Amazônia há pressões
muito maiores que a força da lei. Exemplo disso era o assunto que
corria à boca miúda nas ruas de Porto Velho no dia seguinte à decisão
do Conama: “Então, agora pode desmatar?”.
(Carolina Elia, O Eco,
24/02/06)
http://arruda.rits.org.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=6&pageCode=67&textCode=15867&date=currentDate&contentType=html