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2006-03-02
A Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Mato Grosso do Sul ataca outra vez. Não se ouvia falar dela desde o ano passado, quando o governo Zeca do PT engasgou com aquela história mal contada das usinas de álcool no Pantanal, que o ambientalista Francisco Ancelmo de Barros conseguiu sustar na última hora, pondo fogo no próprio corpo. Agora ela reaparece, mandando dois carros de Campo Grande a Bonito, para fiscalizar uma chácara de 2,5 hectares, onde o promotor Luciano Furtado Loubet constrói sua casa de campo a 10 quilômetros da cidade. Tamanho aparato para tão pouca terra mostra que, por trás da operação, havia dedo grande.

A briosa equipe trouxe de lá um auto de infração, com multa de R$ 5 mil. Valor irrisório, se Loubet não valesse muito mais como o promotor que consertou Bonito, fazendo o que raramente se faz no Brasil. Num país acostumado a atacar velhos problemas com novos projetos, ele aplicou ao pé da letra as leis ambientais que estão em vigor, mas não vigem. E essa fórmula, numa comarca onde um promotor pode exercer condignamente o cargo atendo-se a resolver processos sobre briga de bêbado em boteco, não deixa de ser uma revolução.

Formoso Vivo
Ele flagrou nada menos que 75 fazendas descumprindo o Código Florestal nas bordas do rio Formoso, que é de longe o maior patrimônio do município. Com suas águas cor de piscina deslizando mansamente num leito estável de calcário, Bonito virou a capital do turismo no Centro-Oeste. Antes que essa vocação despontasse, o Formoso estava a serviço da pecuária, cujos pastos ruminavam o próprio rio. Com os laudos na mão, Loubet passou a oferecer aos proprietários negociar, em troca da multa, termos de ajustamento de conduta que consertassem os estragos, recompondo para começo de conversa as matas ciliares que mantêm o Formoso cristalino.

Faltava muda de espécies nativas para tanta margem degradada? Loubet ofereceu a saída, criando um viveiro municipal às custas dos próprios infratores. Não havia experiência em recomposição florestal? Para isso está ali a Fundação Neotrópica, que comprou a briga do Ministério Público, dando origem a uma parceria chamada Formoso Vivo. Com aperto de um lado e apoio de outro, os fazendeiros acabaram aderindo ao programa. Bom e barato, o Formoso Vivo já foi replicado em 24 comarcas da região.

Estaria tudo nos conformes em Bonito, se não tivesse desembarcado em Mato Grosso do Sul a política social do governo petista, ameaçando emparedar em assentamentos de sem-terra os limites do Parque Nacional da Serra da Bodoquena e a bacia do rio da Prata, tão espetacular quanto o Formoso. Onze fazendas locais já foram vistoriadas para desapropriação pelo Incra. Como sempre, com bafo de depredação ambiental e indícios de superfaturamento. Numa dessas fazendas, o preço subiu R$ 9 milhões, espantando a juíza Luciana Buriascu de Oliveira Melo, numa pendenga judicial em que a propriedade, inflacionada pelo Incra, superou ao mesmo tempo as expectativas do credor e do devedor. A Secretaria Estadual de Meio Ambiente fez sua parte na promoção da mixórdia, dispensando os projetos dos relatórios de impacto ambiental.

Loubet reagiu, aliando-se aos promotores de Porto Murtinho, Jardim e Nioac, além da procuradora da República Gerusa Burmann Viecili, para recomendar que os assentamentos cumpram a lei. Ou seja: que a decisão caiba ao Ibama, por afetar um parque nacional, que o chefe da Serra da Bodoquena seja ouvido e, na pior da hipóteses, que antes de mais nada se faça o EIA-Rima. Tudo isso em janeiro. No fim do mês, os fiscais da secretaria entraram em sua chácara. Cismaram com a casa. Ela fica a 100 metros do rio. O Código Florestal exige um mínimo de 30 metros. As leis municipais, 50. Um técnico do Ibama, Miguel Braga Bonilha, que acompanhou a diligência, recusou-se a assinar o auto de infração. Por quê? “Porque não vi irregularidades”, diz ele. Multado por cumprir a lei em dobro, Loubet não porá fogo no corpo, como Francisco Anselmo. Mas pode pôr fogo no circo.
(Marcos Sá Corrêa, O Eco, 24/02/06)
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