Bolívia investiga brasileiros por grilagem
2006-03-01
O governo da Bolívia montou uma força-tarefa para fiscalizar terras e investigar brasileiros que estariam fazendo grilagem na área de fronteira, desmatando ilegalmente e invadindo terras indígenas. A situação preocupa os produtores brasileiros legalmente instalados no país, responsáveis por metade da produção de soja boliviana. Donos de mais de 400 mil hectares de terras, eles temem que o governo adote políticas hostis. Este mês, o presidente, o esquerdista Evo Morales, sugeriu uma iniciativa de distribuição de terras.
"Todas as atividades de estrangeiros em territórios ilegalmente ocupados foram paralisadas", disse o vice-ministro de Terras da Bolívia, Alejandro Almaraz, que coordena a força-tarefa. Ele entretanto não soube precisar quantos brasileiros são acusados de práticas ilegais na Bolívia.
Entidades sociais bolivianas denunciam ainda que os brasileiros estariam envolvidos em atos de violência e trabalho escravo.
Os fiscais vão investigar a posse ou tentativa de venda ilegais de 600 mil hectares de terras com matas e em áreas de reserva. A maior parte dessas terras estaria dentro do limite de 50 km da fronteira, área em que a Constituição da Bolívia veta a concessão ou a venda a estrangeiros. Os focos principais de grilagem e venda ilegal estariam no Departamento (Estado) de Santa Cruz, na fronteira com o Mato Grosso do Sul, e no Departamento de Pando, no extremo norte da Bolívia, fronteira com o Acre e Rondônia.
Parte dessas terras estaria também em zona de proteção ambiental do ecossistema do Pantanal ou em territórios dos índios ayoreos, uma das últimas grandes etnias sul-amazônicas a entrar em contato com a sociedade não-indígena.
Segundo ativistas bolivianos, um mercado negro de terras vem se desenvolvendo em Santa Cruz, estimulado sobretudo pela ampliação descontrolada da fronteira agrícola. O ex-deputado Miguel Urioste diz que, nos últimos quatro anos, a soja de Santa Cruz foi responsável pelo aumento de 350 mil hectares na área plantada.
O Fórum Boliviano para Meio Ambiente e Desenvolvimento (Fobomade), ONG que estuda projetos de desenvolvimento sustentável, diz que a falta de fiscalização faz com que o plantio de soja cresça em áreas de preservação natural. E que suspeita que muitas dessas plantações sejam de soja transgênica, cultivadas sem permissão.
Por outro lado, há cerca de cem produtores agrícolas brasileiros que se instalaram legalmente no país, estimulados pelo governo de Santa Cruz. Eles são considerados pelo empresariado local como inovadores e teriam levado para a Bolívia técnicas agrícolas importantes, que contribuíram para tornar a soja o item mais importante da pauta de exportação boliviana depois do gás natural.
Hoje, a agroindústria representa 44% da economia de Santa Cruz. O Departamento produz ainda cerca de 30% do PIB boliviano (que chega no total a US$ 10 bilhões).
O paranaense Nilson Medina, por exemplo, é considerado o "rei da soja" na Bolívia. Naturalizado boliviano, ele é dono de cerca de 7 mil hectares de terra. "O presidente Evo Morales é conciliador", afirma Medina. Ele diz não temer uma política xenófoba por parte do novo governo.
No início da campanha eleitoral, o então candidato Evo Morales foi incisivo, dizendo que as terras no país tinham de ser só de bolivianos. Mas abrandou o tom, passando a falar de terras improdutivas.
No começo deste mês, Morales esteve no jantar de posse da nova diretoria da Cainco (principal entidade empresarial boliviana), em Santa Cruz. Pediu que os grandes proprietários de terras "usassem o coração", permitindo que terras não produtivas sejam usadas pelos bolivianos que não têm onde plantar. O novo governo ainda não definiu sua política fundiária.
(Valor Online, 24/02/06)