Aracruz deve triplicar produção em Guaíba
2006-02-24
Guaíba deve ser o destino da nova planta da Aracruz. O empreendimento será anunciado até o final de março pela empresa, após a apresentação de estudos para os acionistas (Lorentzen, Safra, Votorantim e BNDES). A fábrica terá capacidade para produzir 1 milhão de toneladas de celulose ao ano, num investimento de 1,2 bilhão de dólares.
Com isso, a produção total no município gaúcho vai saltar das atuais 430 mil toneladas ao ano para 1 milhão e 430 mil toneladas de celulose ao ano. "Com a nova planta, poderemos otimizar a antiga e chegar até a 1,5 milhão de toneladas", acredita o diretor de Operações, Walter Lídio Nunes. O negócio vem sendo muito bem preparado, há três anos, com uma estratégia de máximo cuidado para evitar combates como o que a empresa travou com ambientalistas, índios e políticos no Espírito Santo.
Um dos passos nesse jogo de xadrez foi um recuo estratégico: quando a Aracruz comprou a Riocell da Klabin, em 30 de maio de 2003, estava em tramitação o pedido de licença ambiental para a duplicação da planta de Guaíba. A proposta era rejeitada por ecologistas. Mas o Governo do Estado já contabilizava o projeto entre os investimentos que havia atraído para o Estado. Numa de suas primeiras manifestações no Rio Grande do Sul, o diretor-presidente da empresa, Carlos Aguiar, descartou a ampliação da fábrica, com a explicação de que precisava antes ter matéria-prima, isto é, floresta plantada. Jogou a idéia da duplicação em Guaíba para as calendas, acalmando as Organizações Não-Governamentais ambientalistas.
Logo depois, deu início à expansão das plantações florestais. Paralelamente, mantinha acesa a esperança de que o Estado receberia uma nova fábrica da Aracruz. Mas sempre passando a impressão – e nisso colaborou a imprensa – de que o novo investimento ocorreria na Metade Sul, parte mais empobrecida do Estado, sem especificar que poderia ser em Guaíba. Nesse meio tempo, chegaram ao Rio Grande do Sul Votorantim Celulose e Papel, em 2004, e Stora Enso, em 2005, com projetos de florestamento e plantas de celulose na Metade Sul. Os investimentos, que vão ultrapassar 2 bilhões de dólares, diluíram o foco sobre a Aracruz.
Essas três empresas, aliás, são simultaneamente sócias (em empreendimentos no Espírito Santo e Bahia) e concorrentes (no mercado internacional de celulose de eucalipto). Ou, seja, não se deve duvidar de que, nos bastidores, troquem informações privilegiadas sobre suas decisões. São todas indústrias gigantescas, mas a Aracruz é a menor das três.
E somente agora, em 2006, volta a admitir e dar mostras que pretende investir sim em Guaíba, como ficou claro na cerimônia de 12 de janeiro, quando se inaugurou a modernização e ampliação da fábrica, que passou dos 400 mil para 430 mil toneladas de celulose ao ano. Resumo da ópera: em menos de três anos, a empresa ao invés de duplicar vai mais que triplicar a produção na sua sede gaúcha. E com o apoio do Governo do Estado, Prefeitura de Guaíba, e menor resistência de ONGs ambientalistas.
Duplicação foi contestada
No dia 13 de dezembro de 2002, dois ambientalistas históricos do Rio Grande do Sul estiveram reunidos com a equipe de transição do então governador eleito, Germano Rigotto. O químico, geneticista e ex-professor da UFRGS, Flávio Lewgoy, e o ex-presidente da Agapan, Celso Marques, entregaram um documento com reivindicações e sugestões para a política ambiental do Estado.
Um dos temas era a duplicação da Riocell – a Klabin havia protocolado na Fepam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental) em novembro de 2002 o estudo de impacto ambiental para aumentar a sua produção de 400 mil para 860 mil toneladas de celulose ao ano. Os ecologistas se posicionavam contra o empreendimento e ameaçavam acionar o Ministério Público para ingressar com uma ação civil pública contra o projeto.
Mas o governo não foi solidário com os representantes do movimento ambientalista gaúcho. Pelo contrário. Ainda em 2003, no seu primeiro ano de mandato, já contabilizava o R$ 1,4 bilhão que a Klabin iria gastar entre os investimentos atraídos para o Estado. Ou seja, não só apoiava como propagandeava a empreitada.
Recuo estratégico
A Riocell, controlada pelo grupo Klabin, foi comprada pela Aracruz em 30 de maio de 2003, num negócio de 610,5 milhões de dólares. Dias depois, jornais do centro do país, como Folha de S. Paulo e Gazeta Mercantil noticiavam que a empresa deveria executar o projeto de duplicação da capacidade de produção de celulose, após obtenção da licença ambiental.
A informação foi passada pelo presidente do Banco Safra, Carlos Alberto Vieira – os acionistas do Banco Safra detêm um terço do capital votante e 20,5% do total das ações da Aracruz. O plano era investir entre 500 milhões e 600 milhões de dólares para atingir, em 2006, 800 mil toneladas de celulose ao ano.
Mas logo em seguida, no dia 5 de junho de 2003, o diretor-presidente da Aracruz Celulose, Carlos Aguiar, tratou de afirmar que o grupo primeiro faria uma avaliação, com duração de seis meses, para decidir se levaria adiante o projeto de aumento da produção da Riocell. O objetivo era fazer o inventário das florestas da companhia no Estado.
Antes desse prazo, em 3 de setembro de 2003, diretores da empresa deram uma coletiva de imprensa, em que o presidente descartou a possibilidade de duplicação da fábrica. Motivo: falta de matéria-prima florestal disponível. A declaração foi confirmada ainda em setembro, quando a Aracruz solicitou à Fepam o cancelamento da análise do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da duplicação de sua unidade no Estado.
Especulações na imprensa
A primeira nota na imprensa falando de possíveis investimentos da Aracruz na Metade Sul do Estado saiu em 20 de setembro de 2003. A colunista de Zero Hora, Ana Amélia Lemos, publicou que "o deputado Erico Ribeiro (PP), em visita à Aracruz Celulose, no Espírito Santo, foi informado de que a empresa pode instalar uma unidade na Metade Sul, para reflorestamento e produção de madeira".
Depois disso, ao longo de 2004, as especulações passaram a abordar uma nova planta de celulose da empresa. Em março, por exemplo, os jornais começaram a publicar que o Rio Grande do Sul era um dos candidatos ao investimento de 1,2 bilhão de dólares que a Aracruz faria numa nova fábrica.
O diretor de Operações da empresa, Walter Lídio Nunes, destacou em março e em maio, numa audiência na Assembléia Legislativa, que o Estado apresentava "vocação florestal e boas condições na Metade Sul", sempre deixando claro que a companhia estava estudando o melhor local para o investimento.
A freqüência de notas e notícias sobre a localização da nova planta aumentou em 2005. E a tendência – ou a quase certeza – de que se fosse no Estado seria na Metade Sul foi ainda mais exposta, com a vinda de VCP e Stora Enso, e as declarações de representantes do Governo de que a região teria uma nova matriz econômica.
O anúncio da nova fábrica foi sendo adiado. Primeiro noticiou-se que a definição sairia no início de 2005, depois até o final do primeiro semestre, até o final do ano... A demora, atribuída aos estudos, já era comentada, até que se estabeleceu uma nova data: março de 2006, segundo dirigentes da empresa e Governo do Estado.
Mas a grande possibilidade de que Guaíba seja o destino da fábrica só foi exposta dois meses antes, em janeiro, quando foi inaugurada a ampliação e modernização da unidade gaúcha da Aracruz.
Por Guilherme Kolling