Novo rumo para a Amazônia
2006-02-23
A história da Amazônia sempre se confundiu com a história de suas lutas
eternas. Pela terra, pela madeira, pela preservação da floresta... Ambições
muito distintas e que custaram caro para a floresta (nos últimos 30 anos
encolheu 17%) e para os que ali perderam a vida. Nesse contexto, é
difícil imaginar que algum dia pudesse existir consenso entre ambientalistas
e madeireiros, por exemplo. E é exatamente isso que está acontecendo, para
assombro de muitos.
O ponto pacífico capaz de unir esses dois principais antagonistas, além
de militantes de ONGs, pesquisadores, movimentos sociais e indígenas e
também governos de estados como Acre, Amazonas e Pará, tem nome e
número. É o Projeto de Lei (PL) nº 4.776/2005, que trata da Gestão de
Florestas Públicas. Ambicioso, o PL tem dois motores principais: minar
a grilagem de terras (problema antigo na Amazônia) e permitir a
concessão das áreas para exploração sustentável, mediante licitações
públicas e pagamento de royalties. Também cria o Serviço Florestal
Brasileiro (SFB), que fiscalizará o cumprimento dos contratos de concessão,
enquanto o Ibama segue responsável pela fiscalização ambiental e pela
implementação dos planos de uso sustentável da floresta.
O texto acaba de ser aprovado pelo Congresso e aguarda sanção
presidencial, que deve acontecer dentro de um mês. Pela mudança que
propõe, o projeto está sendo considerado o grande legado de Lula para a
Amazônia. Ao mesmo tempo que representa um inédito e histórico consenso
entre quem pensa e vive a Amazônia, ele carrega o desafio de se fazer
cumprir, enquanto suscita críticas e muita desconfiança.
As florestas públicas representam 75% da Amazônia e sempre foram
suscetíveis à ação de grileiros. De acordo com o diretor do Programa
Nacional de Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA),Tasso de
Azevedo, o objetivo da nova lei é que essas áreas permanceçam "florestas
e públicas". Ele é um dos principais idealizadores do projeto, cujo texto
passou por 14 meses de ampla discussão entre os interessados em todas
as instâncias na Amazônia até chegar à Câmara, no início de 2005.
O PL determina que as florestas públicas jamais poderão ser vendidas e
prevê três formas possíveis de gestão (uso) dessas áreas: em unidades
de conservação, em uso comunitário e em concessões pagas, baseadas em
processo de licitação pública.
A respeito das concessões a empresas, tema que deu margem a muita
confusão, Azevedo esclarece:
– Antes de autorizar qualquer concessão, o governo fica obrigado a fazer
a destinação comunitária. Aplicando-se todos os filtros da lei, nos
dez primeiros anos teremos não mais de 13 milhões de hectares (3% da
Amazônia) sob concessão. Para alcançar isso, terá de haver outros 25
milhões de hectares em manejo comunitário. Cada vez que se beneficia
uma empresa, beneficiaremos em dobro a comunidade.
É sintomático que o projeto tenha apoio das principais organizações
sociais da Amazônia, como o Grupo de Trabalho Amazônico, a Confederação
dos Povos Indígenas da Amazônia Brasileira, a Confederação Nacional
dos Trabalhadores da Agricultura e o Conselho Nacional dos Seringueiros,
entre outros tantos.
A idéia de ter territórios especialmente protegidos para populações
locais na Amazônia não é nova. Há mais de 20 anos, em 1985, acontecia o
primeiro Encontro Nacional dos Seringueiros, em Brasília, e seringueiros
liderados por Chico Mendes oficializaram esse anseio.
Duas décadas depois, Marina Silva, herdeira moral da luta do seringueiro
assassinado, é a ministra do Meio Ambiente. Em entrevista à Carta
Capital , ela diz que esse PL é um novo paradigma para a Amazônia.
Agora, Marina Silva e o MMA esperam que o presidente Lula sancione o PL
da Gestão das Florestas Públicas – e que vete pelo menos duas das três
emendas propostas pelo Senado.
Antes disso, o projeto passou pelo crivo dos deputados. A presidente
da Comissão da Amazônia da Câmara, Maria Helena (PSB-RR), considera que
a lei trouxe mudanças importantes. Ainda assim, Maria Helena se preocupa
com o critério de concessão de florestas para empresas ditas nacionais,
mas de origem estrangeira. "De fato, só empresa nacional pode, mas
empresa nacional agora é tudo", analisa. Desde 1995, a legislação
brasileira praticamente não distingue empresa brasileira de estrangeira.
No Senado, o tema gerou declarações inflamadas. No início de fevereiro,
Mozarildo Cavalcanti (PTB-RO), ligado à bancada ruralista e principal
opositor da nova lei, foi um dos primeiros a pedir a palavra. Disse que
o PL serviria à "pirataria imperialista". O senador falou à Carta
Capital :
– Continuo temendo que isso ocorra. Falar em "gestão" é muito sofisticado,
porque isso é aluguel. E esse projeto traz riscos, pois não sabemos
quem estará governando o Brasil daqui a 20 anos.
Mozarildo também não está confortável com ambientalistas que defendem o
PL:
– Fica esse cabo-de-guerra, de um lado os colegas de Deus, que dizem
que discutiram com o setor. Mas não discutiram com o Congresso. Quem
são os colegas de Deus? Esses ecoterroristas. Organizações internacionais
como o WWF e o Greenpeace não defendem necessariamente os interesses do
Brasil. Se as emendas do Senado não passarem, entrarei com ação de
inconstitucionalidade.
A senadora Heloísa Helena também é contra o projeto. Na tribuna, garantiu
que haveria um esquema internacional com o objetivo de limitar a soberania
da Amazônia. À Carta Capital , a senadora complementou as críticas:
– O projeto é uma proposta lesiva ao patrimônio da Amazônia. A
precariedade dos organismos de fiscalização permitirá que as concessões
sejam usadas para ocultar a exploração ilegal dos bens da floresta. Na
prática, o controle da floresta por até 40 anos poderá ser de grandes
madeireiras asiáticas ou qualquer multinacional. Isso significa um risco
à soberania. Mais uma vez, o Estado brasileiro abre mão da riqueza
nacional, privatizando a gestão do território e da sua biodiversidade.
É válido dizer que uma leitura minuciosa dos 86 artigos do PL esclareceria
quase a totalidade das desconfianças levantadas no Senado. De todo modo,
ao fim da sessão foi acatado o pedido do líder do PFL, Agripino Maia (RN),
que acrescenta três emendas ao texto.
Uma delas determina que as nomeações do diretor-presidente e demais
diretores do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), órgão a ser criado, terão
de passar pelo crivo dos senadores. Dos três, essa é vista com bons
olhos pelos especialistas consultados, pois torna o Senado co-responsável
pela integridade da diretoria do SFB.
Porém, as outras duas emendas têm aspectos que, no entender de especialistas,
podem desvirtuar a lei. Organizações ambientalistas como o Greenpeace
Brasil pediram, em carta oficial, o veto ao presidente.
Uma dessas emendas estipula a criação de um Conselho Gestor ao qual o
SFB se subordinaria. Esse conselho teria representantes de seis ministérios
além do MMA. A outra emenda prevê que concessões de terras em áreas
maiores que 2500 hectares terão de ser aprovadas no Senado (além das
instâncias da lei). Essa emenda condiciona a concessão em áreas de
fronteiras à aprovação do Conselho de Defesa Nacional, ponto bem-aceito.
Tasso Azevedo, do MMA, explica à Carta Capital por que o
ministério pedirá o veto dessas emendas:
– No caso do Conselho Gestor formado por ministérios, porque o Legislativo
não pode interferir em área administrativa que é do Executivo, e também
por que esse conselho não prevê a participação da sociedade civil e
isso diminui a transparência. Quanto à emenda que determina aprovação
do Senado para as concessões de terra maiores do que 2500 hectares,
pediremos o veto porque isso traria entraves sem refletir em progressos,
e também porque não se trata de concessão de "terras", e sim em concessão
de uso da floresta.
O parecer do MMA tem respaldo entre especialistas. No entender de Mauro
Armelin, coordenador de Políticas Públicas da ONG WWF Brasil, deixar a
decisão de áreas para as concessões no Senado "tiraria a análise do campo
técnico, que é cartesiano, e passaria para o campo político, que é
complexo, com prejuízos evidentes para a preocupação ambiental".
O ambientalista diz que, no início da discussão desse PL, as ONGs mais
ativas na Amazônia (como o Instituto Ambiental – ISA, o Greenpeace e a
própria WWF) eram contra. Mas, quase um ano e dezenas de encontros e
seminários depois, o projeto amadureceu e ganhou muitos defensores. "É
um avanço, sem dúvida. Agora temos de trabalhar para que não vire apenas
mais uma lei", diz Armelin, e destaca: "Um dos principais méritos desse
PL é a regularização. Ao mostrar que uma área è pública, o grileiro não
tem mais como invadi-la. Lutar contra grileiros sempre foi um processo
complicado".
Não custa lembrar que a missionária Dorothy Stang foi brutalmente assassinada
há um ano, no Pará, porque lutava contra quadrilhas de grileiros. A
grilagem de terras sempre alimentou um ciclo criminoso de desmatamento
ilegal e revenda de terra devastada para ruralistas. E o desmatamento
ilegal é o principal concorrente dos madeireiros legalizados.
O ex-banqueiro brasileiro John Forgach, especialista em investimentos
ambientalmente sustentáveis, desistiu de tentar lucrar com madeira
certificada no Brasil (depois de administrar fundos na Amazônia durante
cerca de dez anos). Hoje, investe em florestas na Costa Rica e dá aulas
sobre investimentos sustentáveis na Universidade de Yale (EUA). Pessimista,
faz seu prognóstico:
– Sempre tive minhas dúvidas sobre esse projeto, pois o sistema de
concessão de exploração florestal falhou em praticamente todos os países
onde a impunidade legal rege. Mais uma vez, me parece, uma boa intenção
baseada num bom conceito será mal regulada e mal implementada,
resultando em danos irreversíveis ao meio ambiente e à sociedade.
Tasso Azevedo, do MMA, reconhece o desafio do governo e explica quais
serão as primeiras ações:
– Primeiro vamos cadastrar todas as florestas públicas. Depois, criar
os modelos de contrato entre governo e empresas, trabalhar na
regulamentação da lei (durante o ano de 2006). Também teremos de fazer
do SBF um órgão leve e eficiente. E o maior de todos os desafios é a
fiscalização. O PL prevê mecanismos e recursos para isso.
Diferentemente de Forgach, os empresários que lidam diretamente com o
setor madeireiro legalizado estão confiantes. Eles participaram das
discussões sobre o PL e Justiniano Netto, diretor-executivo da
Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará
(Aimex), explica a posição do setor:
– O projeto não é perfeito, ms contempla nossos interesses. Ele é bom
porque prevê solução da questão fundiária para os planos de manejo que
estão suspensos, e também dá mais responsabilidade para os estados na
questão ambiental. Com isso, trará estabilidade para o setor. Se o
governo se aparelhar e começarem as concessões, em três a cinco anos teremos
resultados.
O Pará produz 45% da madeira exportada da Amazônia. Segundo Justiniano, é
possível multiplicar por cinco o valor das exportações dos produtos florestais (não apenas
madeira) sem necessariamente aumentar a quantidade de madeira exportada. Em 2004,
as exportações alcançaram quase US$ 1 bilhão:
– Para isso, precisamos de investimento, e investimento só vem com a estabilidade. Apesar
das dificuldades, nos últimos anos, 80% das empresas da Aimex investiram, no entanto,
90% delas não prevêem novos investimentos nos próximos cinco anos. E isso pode mudar
se a nova lei mudar nossa expectativa.
É interessante notar como diferentes setores, ligados à Amazônia por razões distintas, têm
a perspectiva de que o projeto de lei possa reverter o descompasso histórico entre
preservação ambiental e desenvolvimento econômico da região. Paulo Moutinho, acadêmico e
coordenador de pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia
(Ipam), fala a respeito:
– Esse plano de Gestão das Florestas Públicas é extremamente bem-vindo, pois pela
primeira vez se coloca numa perspectiva coerente de política pública para a questão do uso
das florestas. É óbvio que passará pelo gargalo de vários desafios. Um deles é o poder de
fiscalização, que melhorou, mas ainda é precário. Por isso mesmo, foi uma decisão acertada
não fazer concessões em larga escala de início, para poder avaliar o modelo. Isso, bem como
outras mudanças, veio da grande participação e discussão com a sociedade.
O engenheiro agrônomo Adalberto Veríssimo, fundador do Instituto do Homem e Meio
Ambiente da Amazônia (Imazon) é uma das principais referências sobre a região. Didático,
ele ajuda a desfazer a cortina da fumaça formada sempre que o assunto é o futuro da
Amazônia:
– A lógica desse processo é uma aliança inédita entre os setores social, ambiental e privado.
Ele representa um grande sensoi e é muito favorável ao setor comunitário e ambiental. Para o
setor privado, se a implementação não for ágil e as licitações demorarem, será ruim.
Veríssimo faz, também, uma avaliação interessante sobre as parcerias entre governo e
terceiro setor (nas auditorias independentes, por exemplo):
– O governo é lento, mas o terceiro setor já está apto para trabalhar. Se esse projeto fosse
aprovado há dez anos, a Amazônia não estaria preparada. Agora, o desafio é os governos
dos estados e o governo federal correrem contra o relógio para criar uma estrutura mínima de
técnicos.
A ministra Marina Silva aposta que essa corrida já começou. O presidente Lula deu uma a
amostra prática de como o novo modelo de gestão amazônica pode funcionar. No último dia
13, decretou a criação do primeiro Distrito Florestal Sustentável do Brasil, onde será iniciada
a implementação da nova lei. A área tem 19 milhões de hectares (equivalente a quatro vezes
o estado do Rio de Janeiro). Desse total, para se ter idéia, no máximo 4 milhões poderão ser
concessões pagas.
Também está prestes a entrar em funcionamento uma nova tecnologia de monitoramento em
tempo real da floresta: o sistema Deter. Com satélites capazes de identificar o
desmatamento antes que se formem clareiras (monitorando estradas clandestinas e trilhas
de arrastamento de árvores, por exemplo), o Deter, desenvolvido pelo Inpe, em parceria com o
Imazon, deverá ser um importante aliado na fiscalização.
Um novo paradigma para a Amazônia será realidade quando todos os interessados puderem
trabalhar juntos. Ao que parece, isso nunca esteve tão perto de acontecer. Também, ao que
parece, a Amazônia nunca foi tão nossa.
Militares não vêem risco na soberania
Um dos erros cometidos durante a tramitação do projeto de lei de concessão de florestas
públicas, admite a deputada Maria Helena (PSB-RR), foi o alijamento do Exército da
discussão. Símbolo da presença do Estado na região amazônica, os militares tiveram um
papel secundário na formulação das novas regras. Serviram, no máximo, para tirar dúvidas
de um ou outro parlamentar. Na Amazônia, o Exército mantém 124 unidades em 54
localidades:
Pioneiras na tese da internacionalização da Amazônia, contra a qual se posicionaram desde
a década de 1970, as Forças Armadas ainda não sabem como vai funcionar, na prática, essa
nova relação. Os temores não são infundados. Em 1983, a então primeira-ministra da
Inglaterra Margareth Thatcher afirmou que "se os países subdesenvolvidos não conseguem
pagar suas dívidas externas, que vendam suas riquezas". François Mitterrand, ex-presidente
da França, foi pelo mesmo caminho, em 1989: "O Brasil precisa aceitar uma soberania
relativa sobre a Amazônia".
Em setembro de 2005, durante uma reunião regional da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC), o general Eduardo Villas Bôas, chefe do Estado-Maior do
Comando Militar da Amazônia, admitiu que o Exército não é suficiente para ocupar a
Amazônia. Segundo ele, faz-se necessária a construção de um projeto com a participação de
setores sociais, políticos, ambientais, científicos e tecnológicos. "O Comando Militar da
Amazônia já entendeu que a ocupação da floresta extrapola a capacidade militar", disse o
general. "Precisamos aproveitar o potencial econômico da floresta e, para isso, precisamos
integrá-la à dinâmica de nosso país."
Em resposta a um questionário enviado por Carta Capital , o Centro de Comunicação
Social do Exército diz não se preocupar com problemas de soberania nacional que poderiam
advir da presença de empresas privadas na Amazônia. "O escopo da concessão de terra
pública não toca na questão do domínio da terra", explica. O Cecomsex também se baseia
na Constituição Federal, que reserva uma faixa de controle militar de 150 quilômetros de
largura nas fronteiras, para negar qualquer expectativa com problemas de segurança.
Responsabilidade assumida
Na entrevista a seguir, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, contextualiza o projeto de
lei dentro de "uma nova visão de desevolvimento sustentável para a Amazônia". Ela identifica
como cruciais nesse processo outras ações do governo, como o ordenamento territorial da
região (com a criação de Unidades de Conservaçã em regiões de conflito, por exemplo), o
plano de combate ao desmatamento da Amazônia, o ataque à grilagem e o aumento da
fiscalização, entre outras.
Carta Capital – Do ponto de vista político, o que significa esse PL?
Marina Silva – Um novo paradigma em relação à proteção da Amazônia. No início do governo,
quando identificamos o aumento de 22% no desmatamento, foram convocados 13 ministérios
para apresentar o Plano de Combate ao Desmatamento da Amazônia. Nesse contexto, as
ações de controle conseguiram diminuir as taxas de desmatamento. Esse PL é uma grande
contribuição para o fim da grilagem de terra, quebra uma aliança histórica entre o
desmatamento ilegal e a agricultura predatória, estabelece um novo marco legal e cria um
processo de desenvolvimento sustentável para o uso de produtos madeireiros e não
madeireiros.
CC – Na perspectiva ambiental, isso é parte de uma história que começou há 20 anos?
MS – Não tem como separar o que acontece hoje da história da luta ambiental. As pessoas
que estão à frente dessa política, do presidente Lula a toda a equipe, são dedicadas aos
mesmos ideais de Chico Mendes. Lula criou 15 milhões de hectares de Unidades de
Conservação, 50% de tudo que já foi criado na Amazônia. O trabalho de inteligência entre
Ibama e Polícia Federal tem combatido a grilagem na região, desmontando quadrilhas
violentas que ceifaram a vida de Chico Mendes, da irmã Dorothy. Tudo isso é a continuidade
de todos aqueles ideais.
CC – Quais são as garantias de que a nova lei tenha uma fiscalização eficiente?
MS – O arranjo legal favorece a fiscalização. O trabalho do Ibama continua, a ele agregamos
o Serviço Florestal Brasileiro, e os estados, hoje, têm parceria com o governo federal para
combater o desmatamento. Fizemos um concurso público para mais de 700 analistas
ambientais do Ibama, vamos fazer outro, para mais 900, e melhorarmos a base salarial do
Ibama. Além disso, está à disposição da sociedade da sociedade um sistema de
monitoramento de desmatamento em tempo real, algo que nunca existiu. E auditorias
independentes dirão à sociedade se os planos e concessões estão cumprindo a lei. Co tudo
isso, o Ibama terá muito mais condições de cumprir seu papel.
CC – Esse projeto suscitou o temor da perda da soberania na Amazônia. Há uso político
desse temor por grupos com outros interesses na região?
MS – Há os que de boa-fé se sentem inseguros, porque não contavam com um aumento da
capacidade do governo em tomar conta desse território, e aqueles que por ventura possam
ser usados discurso à luz de outros interesses. Prefiro me focar em fazer o dever de casa.
Boa parte da insegurança histórica na população brasileira em relação à Amazônia existe
porque nunca se teve um trabalho à altura das necessidades da região. Um passo
significativo está sendo dado agora, com esse marco legal. E o aumento da presença do
Estado desmonta qualquer discurso de que o Brasil não tenha controle de seus recursos
naturais, da proteção da Amazônia e da sua biodiversidade.
CC – As emendas sugeridas pelo Senado desvirtuam a nova lei? O MMA pedirá o veto?
MS – Essas emendas trazem algum nível de dificuldade, mas, substancialmente, não há
grandes prejuízos. De qualquer forma, a área jurídica do ministério está avaliando e vai
orientar o presidente. Mas, no que é vertebral, o projeto foi preservado.
CC – Como ficará a situação das comunidades locais, que não têm recursos para investir em
logística para a exploração sustentável da floresta? E as comunidades que vivem fora das
florestas públicas?
MS – No PL está claro – inclusive fizemos isso depois de analisar experiências equivocadas
em outros países – que toda proposta gira em torno de priorizar essas comunidades, tanto
em destinação das áreas como em estrutura logística (a proximidade de uma estrada, por
exemplo). Com esse marco legal, temos linhas de crédito e assistência técnica específica
para elas. Já as comunidades que estão fora das áreas das florestas públicas serão
beneficiadas pelos mesmos recursos do fomento. Boa parte dessas comunidades, inclusive,
já comunitário e conta com o apoio das políticas públicas e do Estado.
(Carta Capital, 22/02/06)