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2006-02-22
Quem se lembra das aulas de Biologia na escola há de saber que, a despeito da aparência, as esponjas marinhas são animais. Animais que não se movem e parecem seres frágeis, mas detêm o título de os mais antigos do planeta. Resistem às mudanças da Terra há mais de 550 milhões de anos, desde a era Paleozóica.

Ainda assim, permanecem bastante desconhecidas pela ciência. Desde 1998, duas biólogas do Museu de Ciências Naturais do Rio Grande do Sul coletaram cerca de 60 espécies de esponja e descobriram, surpresas, que quase a metade delas é novidade absoluta para a ciência. "Coletamos essas esponjas na costa do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul", conta a bióloga Beatriz Mothes, coordenadora de uma rede de mais de 20 pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul [UFRGS], Unicamp, Universidade de Rio Grande e Universidade Federal de Santa Catarina [UFSC].

A explicação para esse grau de novidade é que o litoral Sul sofre a influência de correntes marinhas opostas - as quentes vindas da região do Equador e as frias que chegam do sul do continente. Nesse ambiente, a diversidade de esponjas é muito maior. Do Rio de Janeiro para cima, a variedade diminui e é praticamente a mesma até o Caribe. As espécies caribenhas são fartamente conhecidas pelos cientistas do mundo todo.

As novas espécies ainda estão sendo descritas, mas já empolgam bioquímicos gaúchos, que encontraram nas esponjas substâncias antioxidantes capazes de alterar a produção de radicais livres, moléculas que provocam o envelhecimento e que em descontrole podem causar doenças como câncer, diabetes, mal de Alzheimer e mal de Parkinson.

Substâncias poderosas
"Para se defender dos predadores — que podem ser peixes, tartarugas e até parasitas — as esponjas expelem substâncias químicas que os repelem. Essas substâncias são hoje o alvo dos pesquisadores", explica Clea Lerner, que faz parte da equipe do Laboratório de Poríferos Marinhos, do Museu de Ciências Naturais, e coordenou as coletas ao lado de Beatriz Mothes.

"As propriedades antioxidantes que estamos encontrando são muito maiores do que até agora eram encontradas nas plantas", afirma o pesquisador Mário Frota Júnior, do Departamento de Bioquímica, Instituto de Ciências Básicas da Saúde, da UFRGS. E isso tem razão de ser. "Deve-se à ecologia desses organismos. Como vivem cercados por água, a substância que expelem para se defender precisa ser mais concentrada, para não se diluir imediatamente na água. Por isso a potência muito maior do que a presente em plantas como o brócolis".

Os radicais livres são naturais no metabolismo humano, mas em altas concentrações podem participar na causa de diversas doenças ou mesmo em sua progressão. Por meio de danos em lipídios, proteínas e no próprio DNA, os radicais livres podem influenciar nos processos cancerosos. Um agente capaz de interferir na produção deles é, então, fundamental para a obtenção de medicamentos para a cura.

Os pesquisadores também descobriram, em algumas espécies de esponjas, substâncias que diminuem a produção de óxido nítrico, tão essencial quanto tóxico para as células humanas. Em alta concentração, combinado com os radicais livres, o óxido nítrico pode participar na progressão de doenças cardiovasculares, por exemplo.

As propriedades até agora encontradas nas esponjas do litoral Sul são inéditas na literatura científica. Mais do que procurar substâncias que possam matar as células cancerígenas, os pesquisadores da UFRGS estão desvendando segredos do desenvolvimento das doenças. O resultado desse trabalho será apresentado no sétimo Simpósio Internacional de Poríferos, a ser promovido em maio pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em Búzios.

Será o primeiro congresso sobre poríferos com abordagem em bioquímica, ou seja, com discussões sobre pesquisas de interesse farmacológico.

Brasil-Alemanha – Descobertas promissoras para a indústria farmacêutica não demoram a atrair interesse e investimento estrangeiro. Logo no início das pesquisas do Museu de Ciências Naturais, foi alinhavado um convênio de cooperação científica entre o Brasil e a Alemanha, com apoio do CNPq e do GBF (Sociedade para a Pesquisa Biotecnológica), órgão de fomento do governo alemão.

O convênio aguarda aprovação do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen), do Ministério do Meio Ambiente. Em outubro, a diretoria de Ecossistemas do Ibama concedeu, para as pesquisas de esponjas, a primeira licença para bioprospecção em uma unidade de conservação no Brasil.

Foi Clea Lerner quem estimulou no Museu de Ciências Naturais a adotar o mergulho como técnica de coleta. Antes ela era feita por dragas em navios oceanográficos ou nas redes de pescadores. Pesquisadores mergulham a até 30 metros de profundidade, geralmente na Reserva Biológica do Arvoredo, um dos paraísos do litoral catarinense. As esponjas não são coletadas inteiras. Retiram-se apenas fragmentos, para diminuir o impacto ambiental das pesquisas.

Clea começou a mergulhar em 1988, quando era aluna de pós-graduação de Beatriz Mothes. Em 2001, Clea estagiou na Universidade de Amsterdam, na Holanda. Na viagem fez comparações de espécies com Rob Van Soest, um dos maiores conhecedores de esponjas do Caribe. Foi a partir daí que começaram a se confirmar as suspeitas das raridades da costa sul-brasileira.

Beatriz Mothes, por sua vez, é a pioneira na identificação de esponjas na região Sul e uma das raras especialistas sobre o assunto no Brasil.

Antigüidade – As esponjas são os animais mais primitivos que existem. Foram os primeiros pluricelulares. Invertebradas, têm como principal característica o corpo coberto de poros. São chamadas animais filtradores, pois tudo acontece com elas por meio da filtração da água do oceano, desde a excreção à alimentação por microorganismos, algas, protozoários e partículas em suspensão.

Esses animais têm ampla variedade de cores e formas. Podem ter a aparência de um prato de fios de ovos, uma bola de futebol ou uma cerâmica indígena. Podem ser duras como uma estrela-do-mar, fofinhas como uma esponja de banho ou semelhantes a verdadeiras flores. Mas as esponjas são coloridas somente lá embaixo da água. Privilégio para quem mergulha ou para os apreciadores de fotografias.
(Cristina Ávila, O Eco, 18/02/06)
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