Cresce o número de empresas que apostam em projetos socioambientais
marketing verde
2006-02-22
Ao mesmo tempo que ainda existem muitos casos de empresas que apenas
alardeiam os investimentos em responsabilidade social e ambiental,
também têm crescido no mundo corporativo os projetos que de fato se
comprometem com a redução dos impactos socioambientais e a conseqüente
melhora da sua imagem junto aos clientes, fornecedores, consumidores e
a comunidade.
As empresas que atuam com a exploração de recursos naturais, como as
de papel e celulose, de mineração e do petróleo, normalmente são as
mais visadas por conta dos possíveis riscos envolvidos nas suas
atividades. Daí o fato de companhias desses setores estarem entre as
que mais vêm investindo no apoio a projetos sustentáveis – no Brasil e
no mundo. Em empresas como Companhia Vale do Rio Doce, Aracruz e Sadia,
cada uma à sua maneira, o tema começa a deixar o papel de coadjuvante
para o de protagonista. Já na área financeira, segundo dados da ONG
BankTrank, ainda há muito o que avançar (veja quadro ).
A Vale anuncia que a responsabilidade social será tratada como tema
prioritário em 2006, inserido na estratégia de negócios. O investimento
na área chegará a US$ 100 milhões. A mineradora já atua em várias
frentes e recentemente levou sua experiência para o exterior. Na
concorrência de uma mina de carvão em Moçambique, como havia
financiamento do IFC (braço do Banco Mundial que trabalha com créditos
financeiros para empresas), a mineradora teve de oferecer
contrapartidas socioambientais para explorar a lavra. Levou a melhor
na disputa porque apresentou uma proposta que ia além das exigências
mínimas.
Os investimentos em Moçambique incluem projetos nas áreas de educação,
saúde, agricultura e infra-estrutura, numa região onde moram cerca de
110 mil pessoas. “Para facilitar o trabalho, buscamos o alinhamento
entre os órgãos públicos e as entidades com atuação local”, conta
Madelon Piana, gerente-geral de novos negócios da CVRD. Em todos os
programas, a proposta é que as comunidades consigam se auto-sustentar
com o passar do tempo. Para isso, a empresa investe na formação de
profissionais. “Estamos construindo um orfanato e reabilitando outros
dois. Mas não podemos parar aí. Também capacitamos os gestores para que
eles articulem outras parcerias”, diz a gerente.
Apesar da importância do investimento em Moçambique, os principais
projetos da mineradora estão no Brasil. As soluções podem ir desde o
desenvolvimento de um supressor de pó, que diminui a emissão de
partículas decorrentes das operações de manuseio de pelotas de minério
de ferro, até a recuperação florestal das áreas degradadas.
Foi o que aconteceu na mina de ferro de Piçarrão (MG), hoje com uma
aparência bem diferente da de 1985, quando foi desativada. “Essa
preocupação foi incorporada nos vários níveis da empresa, do diretor
ao operador de máquina, como um processo contínuo. Não adianta a
empresa apresentar ótimos resultados financeiros se deixa um tremendo
passivo ambiental para depois”, argumenta Maurício Reis, diretor do
departamento de gestão ambiental e territorial da Vale.
Paulo Choji Kitamura, chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente, concorda
que as empresas têm utilizado o meio ambiente como estratégia de
marketing e um diferencial de mercado. Para o especialista, no entanto,
o investimento privado na recuperação de áreas degradadas não é
garantia de que a natureza voltará a ser como antes. “Toda atividade
de uso da terra implica retirar a biodiversidade. No caso das
mineradoras, a recuperação até acontece, mas é lenta”, lembra.
Em Paragominas, a 280 quilômetros de Belém, cidade de pouco mais de
100 mil habitantes, a CVRD decidiu investir em projetos
auto-sustentáveis antes mesmo de começar a explorar a lavra de bauxita
(ainda à espera da licença de operação). O programa de envolvimento
com a comunidade foi implantado pela consultoria ambiental Territoria,
da especialista Nereide Barioni Mazzucchelli. O trabalho inclui a
recente criação da Associação para o Desenvolvimento Integrado e
Sustentável de Paragominas, da qual fazem parte a associação comercial
patronal e de trabalhadores, o sindicato dos madeireiros, associações
de bairros e comitê de jovens.
Assim como em Moçambique, a proposta não é que a Vale participe apenas
com o patrocínio de projetos, mas que capacite a comunidade para que
ela se organize, encontre suas vocações e se sustente. “A Vale é
indutora do processo e integrante da associação, apenas isso. Quem vai
se colocar como interlocutor nas decisões da comunidade são os seus
integrantes. A associação quer, dentro de três anos, ser uma referência
regional como discurso coletivo para o desenvolvimento”, explica
Nereide.
A Sadia optou por um modelo diferente para atuar nas comunidades onde
tem operações. Seus biodigestores (equipamentos que fazem a coleta de
resíduos e assim evitam a emissão de gases), recentemente aprovados no
programa da Organização das Nações Unidas (ONU) para Mudanças
Climáticas (enquadrado ao Protocolo de Kyoto), deverão resolver dois
problemas. O primeiro é a redução da emissão de gás metano, produzido
a partir das fezes dos suínos e prejudicial à camada de ozônio. Num
primeiro momento, o gás obtido com os equipamentos será queimado. Com
isso, a empresa passa a ter créditos de carbono para vender.
Outro problema que passa a ter uma solução refere-se à renda dos
fornecedores de animais. Nesta primeira fase, o Programa Suinocultura
Sustentável Sadia (Programa 3S) fará a captação de gases de efeito
estufa em três granjas. Uma linha de crédito do BNDES, de R$ 60
milhões, obtida pela empresa, vai financiar a construção de 1.000
biodigestores nos próximos 12 meses. Ao todo, a Sadia espera
comercializar 10 milhões de toneladas de carbono por ano. De início, o
dinheiro obtido com a venda dos créditos de carbono será usado para
pagar os biodigestores. Os recursos conseguidos a partir daí serão
revertidos 100% em renda para os donos das granjas. “Poderemos vender
os créditos para poluidores do mundo todo. E com o tempo as granjas
maiores também poderão comercializar a energia obtida a partir dos
biodigestores”, prevê Luiz Murat, diretor de finanças e de relações
com investidores.
Na Aracruz, fabricante de papel e celulose, os trabalhos ambientais
começaram a ser feitos há uma década. Há cerca de dois anos a empresa
deu uma guinada ao começar a preparar um novo modelo de relatório de
sustentabilidade. A primeira edição, relativa às atividades de 2004,
passou a tratar os problemas do setor de forma mais transparente. É o
caso da relação difícil que a companhia tem com comunidades indígenas
do interior do Espírito Santo (mesma situação vivida pela Vale do Rio
Doce no interior do Pará) por conta de interesses agrários. “Essa
transparência foi a forma que encontramos para aumentar a credibilidade
das nossas ações. Antes publicávamos só as coisas boas, mas falar
sobre as coisas difíceis é uma forma de apresentar o nosso ponto de
vista”, afirma Carlos Alberto Roxo, diretor de meio ambiente e relações
corporativas.
Quem recentemente se aproximou dos temas socioambientais foram as
instituições financeiras. No País, cinco bancos aderiram aos Princípios
do Equador, criados em 2003 pelo IFC: Banco do Brasil, BNDES, Bradesco,
Itaú e Unibanco. Para isso, se comprometeram a seguir critérios
mínimos ambientais e sociais – dentro dos próprios bancos e como parte
das exigências dos possíveis tomadores de recursos – para a concessão
de créditos a partir de US$ 50 milhões.
Em janeiro, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, as ONGs WWF e
BankTrack, uma das mais respeitadas na área, divulgaram a análise das
atividades socioambientais de 39 bancos no mundo, com base em 13 temas,
como direitos humanos e do trabalho e indústria extrativista. Nenhum
deles conseguiu nota maior do que D. A classificação ia de A até E,
obtida a partir da média dos pontos somados em todos os critérios.
Entre as instituições brasileiras, a melhor avaliação foi a do Banco
do Brasil, que recebeu um D- e 0,54 ponto. O pior desempenho foi o do
BNDES, que zerou em todos os itens. Entre as instituições
internacionais, as melhores pontuações foram do ABN Amro e do Grupo
HSBC.
“O tema é novo e os bancos estão começando a se preparar para essas
exigências. Ainda é delicado, por exemplo, colocar essas questões
contratualmente. Também não se sabe como os bancos podem fazer para
cumpri-las”, avalia Flávio Almeida, coordenador da Câmara de Finanças
Sustentáveis do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento
Sustentável (Cebds). Para o especialista, a tendência é que os temas
socioambientais cada vez mais sejam incorporados pelo setor financeiro.
Isso porque o risco ambiental de um empreendimento financiado pelo
banco pode implicar problemas futuros. “Se acontece um desastre e a
empresa quebra, a instituição pode não receber pelo dinheiro
emprestado, por isso as salvaguardas socioambientais são cada vez mais
importantes”, opina.
Para o BNDES, o resultado da pesquisa da BankTrack não corresponde à
realidade da instituição. Eduardo Bandeira de Mello, chefe do
departamento de meio ambiente, garante que o banco cumpre quase
integralmente o que prevê o texto dos Princípios do Equador: “Temos
esse tipo de preocupação há mais de dez anos. Nas operações diretas do
banco, o interessado tem de preencher uma carta-consulta na qual
detalha a natureza da atividade e se é próxima a áreas de preservação
ambiental”. A partir dessa descrição, o banco propõe recomendações. A
instituição pode sugerir e até financiar essas ações.
Izabela Lemos, diretora de responsabilidade social do Banco do Brasil,
acredita que a avaliação na pesquisa da BankTrack tenha sido baixa
porque não foi feita uma diferenciação entre compromissos assumidos e
ações concretas. O banco diz levar em consideração, por exemplo, se a
empresa está na lista do Ministério do Trabalho relativa ao trabalho
escravo, se o projeto financiado interfere em populações indígenas e o
tipo de mão-de-obra empregado. “Se algum critério estiver longe do
ideal, o financiamento pode ter um risco de crédito maior (juros mais
elevados) ou o financiamento pode simplesmente não ser aprovado”,
explica a executiva.
O BB também tem procurado levar a preocupação socioambiental aos
pequenos e médios empresários. Ao todo, há 1.500 agências habilitadas
em todo o País a ensinar esse público a promover o desenvolvimento
regional sustentável, por meio de mudanças na cadeia de negócio. “Com
a ajuda para enxergar o potencial dessas comunidades pode-se chegar à
conclusão de que é preciso mudar a vocação de um município ou de uma
determinada cadeia produtiva”, afirma Izabela. No momento, há 1.400
diagnósticos de planos de negócio em fase de elaboração, como a
produção de leite e a confecção de bordados.
(Carta Capital,
22/02/06)